terça-feira, 29 de junho de 2010
Amin
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Gzero
O mesmo parece já não se poder dizer da prioridade ao défice e à dívida. Aqui contra (quase) todos a senhora Merkel diz ter marcado pontos.
No entanto, vejamos bem o que é que o G20 concluiu quanto ao défice: reduzir para metade até 2013 sem dizer como. E o importante era dizer como, coordenar a estratégia, escolher entre a via Merkel da sangria desatada ou a via Obama da redução faseada pelo crescimento. O G20 não disse como. Afinal até quanto ao défice o G20 decidiu zero.
Curso de formação: economia dos bens comuns
Para lá das utopias constitucionais
Limites que nenhum governo democrático em tempos de crise aguda do capitalismo maduro poderá cumprir sem gerar ainda mais desemprego e exclusão. Por muito que isto desgoste os moralistas das finanças públicas, os défices e a dívida são a consequência do andamento da economia. Por exemplo, a incensada e muito liberal Irlanda, que tinha uma dívida pública de 25% do PIB em 2007, ultrapassará os 77% em 2010. É o colapso da magia do mercado a gerar os défices que nenhuma Constituição trava.
Para não ficar atrás na utopia liberal, o jurista Diogo Leite Campos, eminente ideólogo da direcção de Passos Coelho, defendeu que a passagem de um Estado democrático para um Estado totalitário só poderia ser impedida com a fixação legal de um limite para a carga fiscal. Que tal 40% do PIB, já que estamos no domínio dos números mágicos? Leite Campos já tinha demonstrado o seu conhecimento profundo do país ao afirmar que auferir menos de 1000 euros por mês equivale a ser miserável. Agora demonstra desconhecer que os Estados democráticos mais avançados, com as economias mais competitivas e solidárias - da Dinamarca à Suécia, passando pela Finlândia -, têm em comum, entre outras coisas, uma carga fiscal superior a 40%. A carga fiscal "elevada", longe de ser uma ameaça à democracia e às liberdades amplamente partilhadas, ajuda a efectivá-las. Por muito que isso custe a quem cai no último escalão do IRS.
Este é, de resto, um padrão bem identificado: as democracias mais participadas, com movimentos sindicais fortes, com maior igualdade salarial antes de impostos e confiança mais elevada nas instituições, tendem a ter Estados sociais universais mais redistributivos e impostos mais elevados e progressivos. Escolhas políticas que espevitam a inovação económica e ajudam a competitividade das nações. É que os empresários não têm alternativa. Têm mesmo de ser bons.
O país pode escolher: em vez de constitucionalizar utopias liberais que acentuam a prepotência e a indolência empresariais, mais vale seguir os bons exemplos. Definitivamente, as obsessões constitucionais alemãs, que podem bem provocar uma crise europeia, não são a referência...
domingo, 27 de junho de 2010
A longo prazo ... estaremos todos mortos
Por que é que não devemos centrar-nos no ciclo económico? Sofremos a mais grave recessão desde a Grande Depressão; em termos de desemprego e capacidade produtiva subutilizada, praticamente ainda não recuperámos nada do que perdemos. Milhões de pessoas querem trabalhar e estão parados por falta de procura; deixemo-los ficar inactivos e então transformaremos isto num problema estrutural, de longo prazo, quando neste preciso momento o que temos pela frente é um problema de curto prazo, um problema de ciclo económico.
Portanto, dizer que devemos centrar-nos no longo prazo, e não preocuparmos as nossas cabecinhas com coisas triviais como a taxa mais alta de desemprego desde a Grande Depressão, pode parecer sabedoria—mas na realidade é loucura.
Ah, e só mais uma coisa … sobre uns quantos políticos e economistas: a tentativa de afastar a discussão do curto prazo não é, como frequentemente se ouve, um acto de visão ou de coragem. Pelo contrário, é um acto de cobardia, uma tentativa de fugir à responsabilidade pelo desastroso estado de coisas que está nas nossas mãos eliminar, e escolhemos não o fazer.
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Galinhas...
Os países que conduzem a União Europeia parecem ter atingido um consenso sobre quem deverá suceder a Jean-Claude Trichet na presidência do Banco Central Europeu. O nome de Axel Weber, actual Presidente do Bundesbank é apontado como o mais provável sucessor.
A confirmar-se esta escolha, a Alemanha passaria a ter, para além de todo o seu músculo político, dois membros do Conselho Executivo do BCE (Weber e Stark até 2014), sendo o seu Presidente um homem de mão do Governo da Alemanha, com um currículo ligado ao Bundesbank, com o que isso significa de compromisso absoluto com as políticas monetaristas, centradas no controlo da inflação que, no Bundesbank, gozam do estatuto de mandamento religioso. Recentemente, Weber chegou ao ponto de criticar Trichet por aceitar comprar títulos de Dívida Pública no Mercado Secundário. Trata-se, portanto, de um ultra do monetarismo.
Talvez por isto, Paul Krugman já veio dizer que a eventual eleição de Axel Weber é “um risco para a zona euro”. O Prémio Nobel da Economia defendeu que o risco de “um efeito dominó da Grécia, através de Espanha e Portugal, até à Itália, é muito maior, se o BCE tiver um Presidente tão conservador como Weber”. Acresce às justas preocupações de Krugman o facto de o BCE continuar a ter total autonomia em relação aos órgãos democráticos da União, tornando esta nomeação um ponto crucial no desenvolvimento das políticas económicas europeias.
A negociação deste nome assenta num duplo equilíbrio: o dos países que já tiveram presidentes do BCE e o equilíbrio entre “falcões” e “pombas”. E pergunta o leitor e muito bem: o que são os “falcões” e as “pombas”? Ora bem, “falcões” é o nome que é dado aos que privilegiam o controle da inflação, enquanto “pombas” seriam aqueles que privilegiam o crescimento.Na realidade, esta dicotomia é um pouco ilusória.
Para dar um exemplo, Vítor Constâncio, o Presidente do Banco de Portugal que passou o seu mandato a clamar pela redução dos salários (o que lhe deixou pouco tempo para fiscalizar realmente o sector financeiro, com os resultados que se conhece) é considerado nas instâncias comunitárias… uma “pomba”! No entanto, não se conhece a Vítor Constâncio grandes divergências com o rumo que tem seguido a política económica na União Europeia.
Não é disto que a Europa precisa. Um obcecado com a inflação (quando o risco na Europa é, quanto muito, o risco da estagnação e da deflação) deveria ter barradas as portas do BCE. Uma política contra a crise exige um BCE comprometido com políticas expansionistas, centradas na criação de emprego e livre dos preconceitos que têm impedido a emissão de dívida pública europeia que financie essas políticas. Vôos bem mais altos do que os que nos têm proporcionado os homens do BCE. Não são falcões nem pombas. São galinhas.
quinta-feira, 24 de junho de 2010
Folheando o Diário Económico de hoje...
«...o direito à gratuitidade é uma questão inalienável de cidadania, competindo aos decisores políticos, económicos e sociais encontrarem o modelo de desenvolvimento que garanta a criação de valor necessária para o sustentar: investindo na inovação e criatividade, na qualificação dos cidadãos, na investigação e desenvolvimento e na internacionalização, potenciando as suas vantagens comparativas nos mercados vocacionais, como os nórdicos fizeram com sucesso. Todos sabemos que é mais difícil este caminho, mas é o único que permite traçar o caminho correcto»
«Um dia, mais tarde ou mais cedo, vai saber-se que a crise actual foi decidida num dos muitos centros de poder oculto espalhados pelo mundo. Um dia, alguém tem acesso a documentos de uma reunião de um clube privado tipo Bilderberg, a uma inconfidência por parte de uma fonte género Trilateral, a uma acta redigida e assinada por mãos invisíveis, e lá virá a lume a criação e implantação de uma estratégia da crise para acabar de vez com os direitos conquistados pelos assalariados desde a revolução industrial, para exterminar os direitos humanos de cariz social.»
«A política [de austeridade] alemã é um perigo para Europa e pode destruir o projecto europeu. (,,,) Actualmente, os alemães estão a arrastar os seus vizinhos para a deflação. E isso poderá conduzir ao nacionalismo e à xenofobia. A democracia pode estar em risco.»
(George Soros)
quarta-feira, 23 de junho de 2010
O guarda-chuva de Bruxelas
Se existisse um Parlamento Europeu que fosse mesmo um Parlamento (eleito com listas europeias e não um somatório de listas nacionais) e se existisse uma espécie de governo europeu que emanasse desse parlamento, teria sido possível arrastar os pés com a crise grega e depois fazer passar este pacote insensato de sufoco orçamental coordenado e recessão?
Não sabemos. Mas sabemos que há uma grande diferença entre parlamentos e governos eleitos, que têm de prestar contas aos eleitores, e clubes de governantes (eleitos e não eleitos) como o actual conselho e comissão. Um governante eleito pode ser responsabilizado, o membro do clube pode sempre atribuir as responsabilidades ao clube no seu conjunto e assobiar para o ar.
É como se o governo português não tivesse querido o PEC1 e muito menos o PEC2 e tivesse sido o clube a mandar… E o mesmo tivesse acontecido com o governo Espanhol, e o Grego, e o Francês e se calhar até o Alemão. Individualmente nenhum queria. É pelo menos o que nos dão a entender e o que nos dizem se interrogados em privado. O pior é quando se reúnem à sombra uns dos outros: aí o que nenhum quer é o que todos escolhem.
A arquitectura actual da UE é um guarda-chuva para inimputáveis.
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Desunião europeia
sábado, 19 de junho de 2010
Razões de orgulho não faltam
Uns celebram a recente conquista do casamento como um passo decisivo na direcção da igualdade perante a lei. Para outros a liberdade e a igualdade formais representarão muito pouco enquanto viverem numa sociedade onde a intolerância permanece a regra. Uns buscam ser tratados como iguais. Outros querem uma sociedade que saiba viver com a diferença.
Com toda a sua diversidade, a 11ª Marcha do Orgulho LGBT (Lésbico, Gay, Bissexual e Transgénero), que teve lugar hoje em Lisboa, é a expressão de uma parte da sociedade que não desiste, de um movimento que em 15 anos conseguiu mais do que muitos outros em décadas - por muitas lutas que ainda haja para travar.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
O polícia bom e a polícia má
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Tragédia económica na zona euro
terça-feira, 15 de junho de 2010
Blogosfera económica
Reciprocidade
Um leitor - Vítor - pede referências sobre desigualdade económica e o chamado capital social (conceito muito elástico...). Em Portugal, o observatório das desigualdades é um bom sítio para iniciar a pesquisa. O trabalho de Bo Rothstein do Quality of Government Institute é bastante interessante: armadilha social e a relação entre a desigualdade económica e a erosão da confiança. Ver também este trabalho sobre as fundações morais da confiança. Já agora, poderá ter interesse a investigação sobre a relação entre a erosão do Estado social e o reforço do Estado penal e sobre a relação entre a desigualdade económica e a percentagem da força de trabalho dedicada a actividades de policiamento, vigilância e monitorização (“guard labour”). E a relação entre as desigualdades, a preponderância do consumo conspícuo e a duração dos horários de trabalho? Quando se começa a ler e a pensar sobre os impactos da desigualdade económica é difícil parar.
segunda-feira, 14 de junho de 2010
Universidade de Verão: No Tempo de Todas as Crises
Inscrições e programa completo aqui.
Financeirização?
A guerra ao trabalho reveste-se de múltiplas formas: da desregulamentação das relações laborais à erosão da provisão pública de bens sociais. Os objectivos são claros: reduzir o peso dos salários directos e indirectos e relançar a acumulação de capital através da expropriação de bens comuns. Os ideólogos nacionais deste processo europeu não escondem os seus objectivos. Daniel Bessa, por exemplo, defendeu na semana passada a privatização das escolas e dos hospitais. A miopia gerada pelas ideias e pelos interesses não cessa de me espantar.
Esta guerra, se for politicamente bem sucedida, apenas vai acentuar o chamado processo de financeirização das economias capitalistas maduras, ou seja, o processo de aumento da importância dos agentes, mercados e motivos financeiros. A literatura económica sobre o domínio do capital financeiro, que circula sem entraves, tem assinalado vários padrões perversos que desembocam em sucessivas crises financeiras.
Em primeiro lugar, temos a pressão selectiva sobre os assalariados dentro de empresas cada vez mais obcecadas em criar valor para o accionista, o que tem levado a uma quebra dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional em muitos países desenvolvidos e a um aumento generalizado das desigualdades. Curiosamente, a satisfação dos accionistas não tem tradução nos indicadores de investimento criador de emprego.
Em segundo lugar, temos assistido, à escala europeia e mundial, à criação de desequilíbrios insustentáveis nas relações internacionais: modelos nacionais assentes no endividamento, que, em alguns casos, compensou temporariamente os efeitos negativos da estagnação salarial na procura, tendo como contrapartida modelos exportadores agressivos, assentes na compressão salarial permanente e cujos excedentes são reciclados pelo mercados financeiros.
Em terceiro lugar, o aumento da dependência dos trabalhadores face a um sistema financeiro naturalmente pouco transparente e cada vez mais complexo, que a erosão da provisão pública favorece, em áreas que vão da habitação à segurança social, intensifica aquilo a que o economista Costas Lapavitsas designa por “expropriação financeira” dos trabalhadores.
O aumento da presença e do controlo públicos do crédito ou a taxação das transacções financeiras são hoje a melhor forma de começar a responder, no campo das propostas, à guerra do capital financeiro.
domingo, 13 de junho de 2010
A crise em debate no mundo sindical
É já na 3ª feira, organizado pela representação da Fundação Frederich Erbert em Portugal (instituição ligada aos sindicatos social-democratas alemães) e a Fundação Ruben Rolo (que representa a tendência socialista da CGTP). O texto que serve de base à minha intervenção corresponde ao capítulo sobre Portugal nesta publicação da Fundação Frederich Erbert em Berlim (foi escrito em Março, antes de serem conhecidas as novas medidas de austeridade em Portugal e no resto da UE). Os outros oradores no seminário são Till van Treeck (macroeconomista ligado à Conferederação Alemã de Sindicatos, co-autor deste estudo, já aqui referido pelo João, sobre a relação entre as desigualdades sociais e a presente crise) e Fernando Marques (do gabinete de estudos da CGTP).
sábado, 12 de junho de 2010
Apostinha no plano inclinado
“Vai uma apostinha em como, se perguntassem a Oli Rehn e a Passos Coelho qual o conteúdo dessas ditas reformas, e em que medida estas se distinguem das que o PS iniciou na última legislatura, nenhum saberia muito bem o que dizer? Admito que possa estar enganado. Veremos.”
João Galamba
É bem verdade que o PS fez as “reformas estruturais” na direcção almejada pelos neoliberais: cortes nas pensões, que fragilizam o sistema público, e redução dos direitos laborais para lá de Bagão Félix (é ler a câmara corporativa…). Aliás, os efeitos positivos destas medidas no emprego são evidentes…
Enfim, o neoliberalismo é um processo de transformação institucional e pode ir sempre mais longe, claro. O PS abre o caminho para a direita: o objectivo agora é despedir minimizando indemnizações e acabar de vez com a negociação colectiva. A cassete ideológica sobre a chamada rigidez laboral da comissão europeia e do FMI, replicada pela direita e por uma parte do centro-esquerda, só pára quando recuarmos ao início do século XX e à fábrica onde estava este aviso: “Os operários podem despedir-se avisando o encarregado com uma hora de antecedência. A Casa, por sua vez, pode despedir os operários sem indemnização, avisando-os o encarregado com uma hora de antecedência”.
Há um detalhe: os estudos sobre os efeitos destas contra-reformas só são claros no aumento das desigualdades salariais e na deterioração da posição da maioria dos assalariados, que se segue à utopia de, pouco a pouco, voltar a tratar o trabalho como se fosse uma mercadoria descartável. A crise da distribuição está aí.
Os efeitos macroeconómicos internacionais do aumento generalizado das desigualdades, num contexto de financeirização acentuada das economias desenvolvidas, também não são famosos: sobreendividamento, que, em alguns casos, compensou temporariamente os efeitos negativos da estagnação salarial na procura, e excedentes, como resultado de modelos exportadores agressivos muito assentes na compressão salarial.
Deixo uma pergunta a João Galamba: as sucessivas crise da finança liberalizada e as políticas económicas de austeridade permanente ou a legislação laboral e os outros direitos sociais – qual dos dois contribui realmente para o desemprego de dois dígitos? Notem que Galamba escreveu esta excelente reflexão sobre os impactos negativos das escolhas europeias de política económica. Escolhas que também são as do bloco central na AR.
quinta-feira, 10 de junho de 2010
Leituras com palavras feias
Boaventura de Sousa Santos
Ai que palavra feia: luta de classes. Onde é que já se viu analisar quem se apropria do quê e porquê na economia sem idealismos de mercado, antes enfatizando com realismo as consequências distributivas da luta política, das políticas económicas e sociais em disputa, de arranjos institucionais que nunca são neutros para as diferentes classes, e suas facções, nos diferentes países? Classes? Sim, classes sociais, ou seja, posições diferenciadas de poder e de controlo dos múltiplos activos da economia. Uma análise alternativa é a que combina moralismo (não confundir com economia moral…) com umas pitadas de psicologia dos povos, hábito intelectual difundido entre muitos economistas portugueses: os alemães são poupados e trabalhadores; no sul somos esbanjadores e preguiçosos. Enfim, acho que a análise realista das raízes dos desequilíbrios estruturais europeus e as implicações distributivas das diferentes saídas de política económica é bem mais pertinente: sobre isto, não deixem de ler também “a crise na zona euro: macroeconomia e luta de classes”, por Deepankar Basu, economista da Universidade de Massachussets. As explicações do que se passa no campo da provisão – os conflitos, mas também a negociação e a cooperação – não podem deixar de ter em conta a questão das classes sociais…
quarta-feira, 9 de junho de 2010
A crise como oportunidade
Aos Estados que se endividaram para a salvar, a finança exige austeridade. E os governos cortam... nos serviços públicos.
Num hospital, a família do doente tem de se deslocar a uma farmácia de serviço para comprar os medicamentos para o doente internado porque a farmácia hospitalar passou a fechar ao domingo. Noutro, a urgência pediátrica fecha (temporariamente?). Numa vila remota o ministério da educação transfere os alunos para a vila mais próxima, a hora e meia de distância. Tudo justificado com a preocupação com a qualidade. A verdade, no entanto, é que a verba está a ser cortada.
O recuo da oferta pública é acompanhado de um avanço da provisão privada. O que está na forja é um sistema dual: um serviço de saúde e uma escola (mínima) para quem não pode pagar, outro serviço (que promete qualidade) para quem pode; a classe dos que podem e a classe dos que não podem, como dantes. É isto que realmente queremos?
Para sair do consenso medroso
“[Q]uando se diz que a contestação não leva a lugar nenhum, como fez a ministra Helena André, e se afirma que a prioridade vai ser cortar nos custos do trabalho (directos e indirectos) está a revelar-se uma escolha política: depois dos cortes nas prestações sociais, corta-se nas formas de retribuição do trabalho. Teremos um modelo de desenvolvimento assente em salários ainda mais baixos e, ainda por cima, numa situação caracterizada por enormes níveis de desemprego. Nesse cenário, as desigualdades socioeconómicas e as pressões sobre os salários e o mundo do trabalho continuarão a ser sólidas; o capitalismo, com as suas políticas, alianças e fluxos de capitais, continuará a ser líquido; e a vida da maioria das pessoas, cada vez mais precária, continuará a ser gasosa.”
O resto artigo da Sandra Monteiro pode ser lido no sítio do Le Monde diplomatique – edição portuguesa. O editorial de Serge Halimi sobre “o governo dos bancos” também está disponível: “Crise financeira após crise financeira, vai crescendo a convicção de que o poder político alinha a sua conduta pelas vontades dos accionistas.” Destaque no número deste mês para o dossiê sobre a crise europeia: de Nuno Teles a James Galbraith, temos a prova de que há economia para lá do medo. O actual desenho institucional da UE é todo um dispositivo de pressão social e salarial com efeitos perversos: a saída do euro pode tornar-se plausível a prazo. Destaque ainda para o artigo de Hugo Dias sobre “PECariedades”: esfarelem direitos, façam alastrar a precariedade e a insegurança laborais para reduzir o salário directo e indirecto e têm os PEC europeus e as “reformas estruturais” à moda do FMI. Esta austeridade selectiva trabalha perversamente para a contracção da procura à escala europeia e para a destruição de emprego. No Le Monde diplomatique encontram mensalmente reflexões para lá do consenso medroso de prós sem contras em que estamos atolados.
[Publicado no Arrastão]
terça-feira, 8 de junho de 2010
Desperdício
Vivemos sob o feitiço do desperdício. Metem-nos olhos dentro desperdícios (reais e inventados) de recursos públicos, mas escondem-nos o maior de todos os desperdícios: milhões sem emprego, ao mesmo tempo que os recursos financeiros que poderiam ser investidos para criar emprego servem para comprar ouro, e acções e obrigações e outros “activos” financeiros, sem que nada daí resulte senão o aumento do valor desses mesmos activos.
Luta de Classes ao vivo, hoje à noite
António Saraiva, presidente da CIP, e Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP-IN, são os convidados do Sindicato dos Jornalistas (SJ) para o debate sobre a crise e o PEC a realizar na sua sede, no dia 8 de Junho, às 21 horas, com a moderação da jornalista Helena Garrido. Pretende-se nesta conversa com o secretário-geral da maior central sindical portuguesa e o presidente da associação patronal perceber o que pensam os trabalhadores e os patrões portugueses acerca da crise nacional e quais as medidas que consideram mais eficazes de sair dela.
Será que o PEC e as políticas de austeridade que se seguem são a única solução possível? Ou, pelo contrário, esta fortíssima austeridade decretada em toda a Europa vai apenas provocar uma profunda recessão económica? Estas são algumas das questões que estarão sobre a mesa no debate do próximo dia 8 de Junho às 21 horas na sede do Sindicato dos Jornalistas, na Rua dos Duques de Bragança nº7, em Lisboa."
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Os novos engenheiros de almas
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Para lá dos ralhetes moralistas...
Excertos de uma entrevista ao economista Paul De Grauwe. Vale a pena ler: mais um marciano que prefere fazer análises a mandar ralhetes moralistas à nação, especialidade dos economistas do plano inclinado. O Daniel Oliveira já disse tudo o que havia para dizer sobre estes hábitos intelectuais nacionais com difusão televisiva. Enfim, discordo de De Grauwe num ponto: a necessidade de reduzir salários em Portugal e nas periferias endividadas como forma de ajudar a resolver os desequilíbrios estruturais europeus. O problema em Portugal, como o Nuno Teles já argumentou, não é salarial: a evolução dos salários reais tem estado alinhada com a evolução da produtividade, mas as desigualdades salariais são abissais num país onde cerca de 40% dos trabalhadores ganha 600 euros líquidos ou menos por mês. O problema principal, como este estudo indica, é a contenção salarial que os trabalhadores alemães suportam há muito anos e que tem impactos negativos à escala europeia. Aliás, a pergunta da jornalista revela que interpretou mal a análise de Krugman: a prescrição de um corte salarial de 30% nas periferias destinava-se a revelar a natureza utópica de um projecto de integração económica que tem nos salários a sua única variável de ajustamento. Já escrevemos em vários sítios sobre os problemas dos salários e da construção neoliberal europeia(ver aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui). Que fazer? Talvez por aqui, aqui, aqui ou aqui.
[Publicado, em simultâneo, no Arrastão]
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Da (in)evitabilidade das medidas de austeridade adoptadas
As medidas de contenção orçamental que têm sido apresentadas são ou não inevitáveis? Porquê?
No actual contexto internacional (económico, político e institucional), Portugal não pode deixar de dar sinais claros de um compromisso com a promoção de sustentabilidade das contas públicas a prazo e com a diminuição das necessidades de financiamento externo no imediato. O esforço de contenção orçamental é, neste contexto, incontornável. Tal não significa que as medidas apresentadas sejam inevitáveis.
Por um lado, porque existem vias alternativas para atingir os mesmos propósitos: o aumento das receitas pode ser obtido com medidas fiscais mais progressivas (por exemplo, aumentando as taxas de imposto para os escalões mais elevados de IRS e para as empresas com maiores lucros, reforçando a taxação dos chamados ‘fringe benefits’, alargando a taxação das mais-valias às SGPS, criando um imposto sobre as grandes fortunas – nenhuma destas medidas é nova entre os países da OCDE); a obtenção de recursos de financiamento pode beneficiar de medidas mais ambiciosas de captação de poupanças (por exemplo, reforçando a recente iniciativa dos certificados de tesouro); a redução das despesas pode passar por conter gastos que não foram atingidos pelas medidas anunciadas (por exemplo, impor limites mais restritivos às reformas pagas pelo Estado).
Por outro lado, as pressões que cada um dos Estados Membros da UE enfrenta dificilmente são contornadas por cada um dos Estados isoladamente, mas muitas delas podem ser combatidas eficazmente pelo conjunto dos países da UE. Isto é particularmente claro no domínio da concorrência e da evasão fiscal, que têm vindo a minar a capacidade de financiamento dos Estados; a UE poderia encetar um combate determinado a estes fenómenos que passasse por um tratamento menos permissivo dos paraísos fiscais, maior troca de informações financeiras e uma harmonização da fiscalidade directa. Também ao nível do financiamento dos Estados, os riscos individuais de incumprimento, que limitam hoje a capacidade de cada país para atrair investidores, seriam substancialmente reduzidos no caso de se proceder à emissão de obrigações europeias.
Que consequências podem ter?
Há três consequências praticamente inevitáveis das medidas que estão a ser seguidas ao nível da UE: aumento das desigualdades sociais, crescimento económico lento e, consequentemente, manutenção do desemprego a níveis historicamente elevados. Isto acontecerá nos anos vindouros mesmo que não se concretizem os piores cenários – ou seja, uma recessão prolongada. Num prazo mais longo, há quem esteja convencido que esta estratégia de austeridade generalizada a nível continental corresponde a uma cura de emagrecimento que permitirá à Europa voltar a ser competitiva em termos globais. A esta visão benigna há que contrapor a ideia de que a Europa (Portugal incluído) está com isto a destruir capacidade produtiva e competências acumuladas, adiando investimentos que poderiam ser fundamentais para os seus desempenhos futuros. Fraco desempenho económico e adiamento de investimentos necessários à competitividade são receitas infalíveis para afastar investidores internacionais – é isso que a UE está a conseguir neste momento. Há ainda um risco maior, que é o de os cidadãos dos países europeus deixarem de ver a integração europeia como um processo capaz de introduzir alguma regulação e equidade na globalização comercial e financeira, pondo em causa a legitimidade das instituições da UE e do projecto de integração – e com ele a possibilidade de qualquer alternativa a uma globalização selvagem. Já estivemos mais longe.
Que alternativas teriam os países europeus - sobretudo Portugal e Grécia - para contrariar a percepção de risco de incumprimento patente nos mercados?
Faria mais sentido que os países da UE se coordenassem numa estratégia de saída gradual da crise, em vez de aderirem a uma estratégia de austeridade que se arrisca a aumentar a probabilidade de incumprimento. Por outro lado, para os ditos ‘mercados’ seria mais convincente se, por exemplo, Portugal reforçasse os mecanismos de combate à corrupção e as regras de transparência e controlo das medidas com impacte orçamental (e.g., parcerias público-privadas, empresas municipais, etc.), em vez de adoptar medidas de austeridade que se arriscam a deteriorar ainda mais as perspectivas de crescimento, sem o qual não há consolidação orçamental possível. A um nível mais geral, num momento destes a UE deveria ser capaz de se mostrar empenhada em relançar o crescimento e minimizar os riscos de instabilidade financeira no seu interior. Até agora apenas adiou as pressões, não contrariando a ideia generalizada de que as instituições de governação macroeconómica no seu interior são débeis. A solução não passa apenas por maior rigor no cumprimento das regras. Este tem de ser acompanhado por mecanismos que permitam fazer face a choques assimétricos (e.g., criação de um orçamento europeu com funções de gestão macroeconómicas anti-cíclicas) e pela criação de mecanismos de auxílio financeiro a Estados/regiões em dificuldades financeiras.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
Uma opinião diferente não faz o pluralismo, mas ajuda muito
“A voz do mercado diz-nos hoje que os estados devem adoptar políticas restritivas.
Ao invés, a voz da razão diz-nos que subsiste um forte risco de recessão ou, pelo menos, estagnação prolongada. Alerta-nos para a necessidade de os apoios às economias não serem retirados enquanto a procura privada não reanimar. Faz-nos ver que nem todas as dívidas poderão ser pagas. Recomenda, por isso, a renegociação internacional das dívidas e a aceitação de níveis de inflação um pouco mais elevados como forma de desvalorizá-las. Sugere um empenhamento na eliminação dos excedentes persistentes pelo menos tão grande como aquele que é dirigido contra os défices persistentes. “Last but not least”, recomenda a aceleração das reformas das instituições financeiras e do seu funcionamento.”
Heresia sensata II
Malcolm Sawyer
Em conjunto com Philip Arestis, Sawyer é um dos economistas que há mais tempo identificou as disfunções institucionais da União Europeia, acompanhando o diagnóstico com propostas para as corrigir.
Heresia sensata I
Helena Garrido
Nem mais. O financiamento monetário dos défices públicos é do mais elementar bom senso em situações de crise como a que vivemos, ajudando os Estados a combater o aumento do desemprego. De qualquer forma, os seus impactos inflacionários, certamente modestos num contexto de pressões deflacionárias e de desemprego de dois dígitos, não são nada comparados com o fim eminente do euro se nos mantivermos colados à ortodoxia inscrita em tratados atirados, de uma forma ou de outra, para o caixote do lixo da história. Além disso, um pouco de inflação é do melhor para quem está endividado: os rendimentos tendem a crescer a um ritmo superior ao do custo da dívida. Hoje o perigo é o oposto: em situações de deflação, o fardo real da dívida aumenta...
terça-feira, 1 de junho de 2010
A democracia debaixo de fogo (II)
Em segundo lugar, economicamente os peticionários não têm razão. Segundo cálculos do politólogo Manuel Meirinho, em quatro anos a poupança com a redução de 50 deputados seria de cerca de 20 milhões de euros (salários e ajudas). Pelo contrário, de acordo com a lei actual e segundo cálculos do mesmo autor, as subvenções aos partidos, grupos parlamentares e campanhas eleitorais (2010-2013) apontam para um valor à volta de 163 milhões de euros. Portanto, com cortes nestas subvenções entre 30 e 50 por cento (consoante as rubricas) poderiam poupar-se cerca de 64 milhões de euros. Aqui sim, há um esforço a fazer: reduzindo os gastos excessivos com as campanhas e as subvenções aos partidos (assim dispensados de procurar apoiantes que, entre outras coisas, contribuam para o seu financiamento…), sem com isso prejudicar a representação dos cidadãos no parlamento.
Por último, esta petição revela uma atitude anti-política porque faz da política e dos políticos o bode expiatório de todo os gastos excessivos do Estado (e dos problemas económicos do país). Mas não é verdade: os 20 milhões de euros que se poupariam em 4 anos são uma pequena parcela ao pé dos 22,6 milhões de euros auferidos só em 2009 pelos presidentes executivos das 20 empresas do PSI20: em quatro anos teríamos mais do quádruplo dos 50 deputados… (cálculos do economista Sandro Mendonça: Visão, 13/5/10). Só os presidentes da EDP, PT, EDP renováveis, ZON e GALP ganharam, em 2009, mais de 10 milhões de euros. Claro que isto são salários pagos em parte pelo sector privado, mas só em parte. Por outro lado, para um país que está no top 3 das desigualdades na UE, porque é que não há uma fiscalidade muito mais (!) progressiva para reduzir estas escandalosas disparidades? Outro exemplo, cada um dos dois submarinos que Portugal vai comprar (de duvidosa utilidade, sobretudo para um país pobre) custa 1000 milhões de euros. Ou ainda: somos dos países que mais gasta com a defesa na UE mas os gastos militares, em Portugal, continuam sempre a crescer... (ver dados do Stockholm International Peace Research Institute). Ou ainda: a tolerância de dois dias e meio para ver o Papa terá provavelmente custado mais do que os 20 milhões que pouparíamos com menos 50 deputados. E porque é que, apesar de crise, continuamos com a candidatura para organizar o próximo mundial de futebol? Mas estes peticionários estão sobretudo preocupados porque há muitos deputados… o alfa e o omega dos nossos problemas, claro.
É nestas alturas que o governo representativo pode evidenciar as suas virtudes. Veremos se a classe política consegue elevar-se acima do populismo, a bem da democracia, ou se, pelo contrário, cede às tentações de agradar à populaça.
Publicado originalmente no Público, 31/5/2010.
A democracia debaixo de fogo (I)
Há por aí uma petição que pede uma redução do número de deputados de 230 para 180. Os peticionários alegam razões de natureza “económica”, “moral” e “ética”. Defendem que a fixação do número de representantes no limite (constitucional) superior (230) resulta de “falta de bom senso político”, “oportunismo partidário” e “ignorância sobre o que se passa noutros países”. A petição está mal escrita e revela, primeiro, um profundíssimo desconhecimento da matéria; segundo, não têm razão quanto aos argumentos económicos; terceiro, revela uma atitude populista, anti-política, anti-partidos e, no fundo, contra a própria democracia. Vejamos porquê.
Em primeiro lugar, a petição revela um profundo desconhecimento da matéria versada e faz acusações gratuitas que raiam o insulto. Vários estudos têm revelado que o nosso país não tem um número excessivo de deputados, e a imprensa deu abundante eco deles. Por exemplo, Paulo Morais, comparando Portugal com os outros países da UE, demonstrou na revista Eleições (nº 5, 1999, DGAI-MAI) que o número de deputados é adequado à nossa dimensão populacional; a fazer-se algum ajuste devia ser para 220. Num estudo mais recente (Para uma melhoria da representação política. A reforma do sistema eleitoral, Lisboa, Sextante, 2008), comparando os números médios de eleitores por deputado na Câmara Baixa de cada país (Portugal versus a UE 27+3), demonstrou-se, mais uma vez, que o número de deputados é adequado à nossa dimensão populacional.
E porque é que o número de deputados é importante para o funcionamento da democracia? Primeiro, por causa da representação territorial, sobretudo das zonas menos populosas. Por exemplo, com o sistema actual, algumas regiões do país têm já muito poucos deputados e, se se reduzisse o seu número para 180, ficariam com menos ainda: Portalegre (2 para 2), Beja (3 para 2), Évora (3 para 3), Bragança (3 para 3), Guarda (4 para 3), Castelo Branco (4 para 3), Açores (5 para 4), Vila Real (5 para 4), Viana do Castelo (6 para 4) e Madeira (6 para 4). Segundo, porque o número de lugares por círculo tem um impacto crucial no nível de proporcionalidade do sistema eleitoral: influencia de forma determinante o pluralismo na representação política. Exemplificando, num círculo com 10 deputados são precisos, em média, cerca de 7,8 por cento dos votos para um partido poder eleger um representante; num círculo com 5 são 13,3 por cento; num com 3 são 18,8 por cento; etc. Portanto, como uma redução do número de deputados levaria a uma diminuição do número de lugares por círculo, isso levaria a menor possibilidade de representação parlamentar dos pequenos partidos, sobretudo nos círculos mais pequenos. Os nossos concidadãos nessas regiões seriam duplamente prejudicados: teriam menos representantes e menos opções viáveis, logo seriam (mais) constragidos ao voto útil (nos dois grandes). Isto poderia levar à redução do pluralismo, com custos para a democracia, e a um aumento da abstenção (para os concidadãos que, apesar de constrangidos, não quisessem votar útil…). Se há algum dado seguro da sistemática eleitoral é o de que uma menor proporcionalidade implica menor participação.
Publicado originalmente no Público, 31/5/2010