“A mesma receita será imposta a Portugal, como já foi à Grécia, e a outros países da Europa, muito para além da Europa do Sul. A Europa está a ser vítima de uma OPA por parte do FMI, cozinhada pelos neoliberais que dominam a União Europeia, de Merkel a Barroso, escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da devastação social (…) A luta de classes está a voltar sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho.”
Boaventura de Sousa Santos
Ai que palavra feia: luta de classes. Onde é que já se viu analisar quem se apropria do quê e porquê na economia sem idealismos de mercado, antes enfatizando com realismo as consequências distributivas da luta política, das políticas económicas e sociais em disputa, de arranjos institucionais que nunca são neutros para as diferentes classes, e suas facções, nos diferentes países? Classes? Sim, classes sociais, ou seja, posições diferenciadas de poder e de controlo dos múltiplos activos da economia. Uma análise alternativa é a que combina moralismo (não confundir com economia moral…) com umas pitadas de psicologia dos povos, hábito intelectual difundido entre muitos economistas portugueses: os alemães são poupados e trabalhadores; no sul somos esbanjadores e preguiçosos. Enfim, acho que a análise realista das raízes dos desequilíbrios estruturais europeus e as implicações distributivas das diferentes saídas de política económica é bem mais pertinente: sobre isto, não deixem de ler também “a crise na zona euro: macroeconomia e luta de classes”, por Deepankar Basu, economista da Universidade de Massachussets. As explicações do que se passa no campo da provisão – os conflitos, mas também a negociação e a cooperação – não podem deixar de ter em conta a questão das classes sociais…
Mais uma excelente análise do BSS.Está lá tudo,gostei especialmente da parte em que diz que o capital produtivo tem que se desvincular do capital financeiro!
ResponderEliminarAlemanha é a fonte de desequilíbrio na Europa
ResponderEliminarA Alemanha - e não Grécia, Espanha ou Portugal - é a principal fonte de desequilíbrio estrutural na região do euro, diz o economista alemão Heiner Flassbeck.
A reportagem e a entrevista é de Cláudia Antunes e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 24-05-2010.
Flassbeck foi vice-ministro das Finanças de seu país em 1998 e 1999, quando foi implantado o euro. Hoje, dirige a Divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da Unctad (conferência da ONU para comércio e desenvolvimento), na Suíça.
Ele explica: ao praticar arrocho salarial nos últimos dez anos, com aumento real de apenas 4% no período, muito abaixo do crescimento da produtividade, a Alemanha passou a comprar menos e aumentou ainda mais a competitividade de seus produtos em relação aos dos demais países da zona do euro.
Como a moeda única impede que os vizinhos mexam no câmbio para estimular suas exportações, eles passaram a ter deficit comerciais e em conta-corrente (saldo de todo o dinheiro que entra e sai do país), enquanto a Alemanha acumula superavit.
Para Flassbeck, sem um movimento coordenado para sair desse impasse, "não haverá solução a longo prazo" para a união monetária.
Ele estará em São Paulo nesta semana. Falará na Unicamp e participará de debate sobre "novo desenvolvimentismo", organizado pelo economista Luiz Carlos Bresser-Pereira.
Eis a entrevista.
ResponderEliminarPor que o pacote de resgate e os cortes de gastos anunciados na Europa não acalmaram os mercados?
O que fizeram foi atacar o problema de curto prazo, mas o de médio e longo prazo na zona do euro é a diferença de competitividade entre a Alemanha e os países do sul da Europa. Há tensões entre Alemanha e França porque falta vontade ao governo alemão para resolver a questão. Sem isso, não haverá solução de longo prazo para a área do euro.
O sr. diz que parte dessa diferença de competitividade vem da compressão dos salários na Alemanha, em comparação com os ganhos no sul. A Espanha cortou salários e congelou aposentadorias. É uma forma de resolver isso?
Não é a maneira correta. Se o problema não for atacado de modo coordenado, todo mundo cortará salários e isso levará à deflação, maior risco para a zona do euro, resultado mais provável neste momento e a principal razão de a inquietação continuar.
Enquanto o governo alemão não reconhecer que há um problema, e enquanto não estiver disposto a conversar com seus empresários e sindicatos sobre como resolvê-lo, não haverá uma saída clara da crise.
O sr. defende que a Alemanha reduza a própria competitividade por meio de aumentos de salários?
Sim. A Alemanha cortou os salários dramaticamente e violou a meta comum de inflação [de 2% ao ano], praticando inflação perto de zero. Os dois estão relacionados e o custo unitário do trabalho [salário nominal menos produtividade, por unidade gerada do PIB] está abaixo da meta de inflação. Isso leva a uma situação insustentável. O superavit [comercial] alemão está tão grande quanto o chinês.
A OCDE (31 países industrializados) divulgou relatório sobre a economia francesa recomendando mais flexibilidade no trabalho e reforma da Previdência. É o oposto do que o senhor prescreve, não?
ResponderEliminarIsso é nonsense. A França é o único país europeu que entendeu as causas da crise. Se todos os países começarem a cortar salários, o resultado certo será deflação. Essa recomendação reflete o pensamento econômico convencional, de que ter salários flexíveis, principalmente para baixo, resolve tudo. Foi o dogma que a Alemanha seguiu e que nos trouxe à situação atual.
O aumento da competição da China e dos EUA, que querem aumentar suas exportações, não é um desafio para o Estado de bem-estar europeu?
Não. Enquanto tivermos aumento de produtividade, os salários podem aumentar. Sempre que fizermos o oposto, cedo ou tarde nossa taxa de câmbio aumentará, o que diminui a competitividade. Você não pode estar sempre ganhando competitividade em relação ao resto do mundo. Mais cedo ou mais tarde, a taxa de câmbio vai reagir.
Quando um país tem um grande deficit em conta-corrente, normalmente deprecia sua moeda, e desse modo toda a competitividade que você ganhou vai embora. Não há outro modo para o mundo elevar o bem-estar do que subindo salários de acordo com a produtividade. Essa será a mensagem de nosso próximo relatório sobre comércio e desenvolvimento. Se você quiser ser bem-sucedido, externa e internamente, é o mais importante.
Como responde ao argumento de que Europa tem alto nível de desemprego porque os salários são altos e o mercado de trabalho é pouco flexível?
ResponderEliminarÉ totalmente errado. No caso da Alemanha, houve só um efeito positivo do "dumping" salarial, que foi encher os vizinhos com suas exportações. Internamente, a política foi um desastre. Não houve aumento dos investimentos nem do consumo.
Antes dos pacotes de estímulo para contornar a crise financeira de 2008, não havia um problema fiscal na maioria dos países europeus. Agora esse é apontado como o maior problema. Por quê?
Isso é parte da batalha ideológica. As pessoas agora dizem que o governo é o problema, e não que resolveria todos os problemas, como se dizia há dois anos. Mas os que devem ser culpados pela confusão em que estamos são os mercados financeiros.
Os neoclássicos querem usar esse argumento [problema fiscal] para voltar à batalha e talvez serem os vitoriosos no fim. Então declaram os governos falidos, o que é falso: nenhum governo agora está falido, e os problemas podem ser resolvidos. Os mercados dizerem que não querem dar dinheiro aos governos é ridículo, porque tiveram dinheiro deles e agora se recusam a pagar.
Como o sr. vê o argumento de que países como Grécia, Espanha e Portugal têm vivido acima de seus meios?
E um país grande tem vivido abaixo dos seus meios, que é a Alemanha. Se isso for reconhecido, temos base para uma discussão razoável.
Já que a conversa vai no sentido da sociologia (classes sociais?) e também se fala em desvincular capital produtivo de capital financeiro, oiça-se a sábia entrevista de Craig Calhoun a propósito da crise financeira. Já tem algum tempo, mas é uma grande lição:http://www.ssrc.org/calhoun/2008/09/26/episode-6-finding-the-public-interest-in-response-to-the-financial-crisis/
ResponderEliminarComo é que os salários Alemães, que são bem mais altos que os Portugueses, Espanhois e Gregos, podem ser apontados para a falta de competitividade destas economias face à economia da Alemanha??
ResponderEliminarDesvalorizar a moeda para fomentar as exportações?
Ok, até pode funcionar. Não se esqueçam é que tudo o que nos importamos também ficaria mais caro.
E isso notar-se-ia bem mais depressa do que o que poderíamos ganhar com o aumento das exportações, porque simplesmente à muita coisa que nós nem produzimos cá. O ajustamento do lado do consumo seria bem mais rápido do que do lado da produção de bens exportadores.
Temos perdido exportações mais por causa da Ásia do que da Alemanha. Não me parece que os texteis, calçado, entre outros, que antes produzíamos e exportávamos em larga escala estejam agora a ser feitos na Alemanha.
Descobri hoje este blog e achei-o excelente!
ResponderEliminarDesejo voltar e de preferência divulgando o blog.
Parabéns a todos!
:)
o que vocês chama psicologia dos povos do sul, chamo eu racismo
ResponderEliminar1. "A Europa está a ser vítima de uma OPA por parte do FMI"
ResponderEliminarIsto é não saber o que é uma OPA nem o que é o FMI.
2. "escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da devastação social"
Talvez, mas isto é uma perspectiva optimista. O mais provavel é não se tomarem medidas serias contra a crise, mesmo com a colaboração do FMI, e adiar-se a inevitavel devastação social o mais possivel, até não poderem adiar mais.
3. "A luta de classes está a voltar sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho.”"
A luta de classes vai voltar, mas não é por culpa do capital financeiro. É por culpa dos governos que não se preocupam em manter uma economia justa e saudavel e deixam crescer as desigualdades até um nível explosivo. Há sem duvida algum capital financeiro que beneficia dos actuais governos ineptos, irresponsaveis e corruptos. No entanto não é o capital que governa, são os politicos, e são eles os verdadeiros culpados.
4. "acho que a análise realista das raízes dos desequilíbrios estruturais europeus..."
Os desequilíbrios estruturais europeus devem-se a diferente qualidade das instituições, diferentes níveis de educação e diferentes níveis de capital acumulado. Não se devem ao câmbio a que os diferentes países aderiram ao euro nem a evolução dos salários na Alemanha nos últimos 25 anos.
5. Com vice-ministros das finanças deste genero, que nem sequer conhecem os problemas economicos do seu proprio país, não admira que tenhamos chegado onde chegámos.
A razão dos salarios na Alemanha não ter aumentado mais, nada teve a ver com aumentar as exportações para os PIIGS, nem sequer para o resto da UE. A contenção salarial deve-se à necessidade de concorrer concorrer com os EUA e com a Asia.
Estou de acordo com Flassbeck quando diz que não se deve concorrer com os EUA e a Asia por via dos salarios, pois existe de facto a possibilidade de aumentar a produtividade e concorrer com salarios mais altos. A questão é que a produtividade não aumenta per si, nem aumenta de um dia para o outro. Para aumentar a produtividade é necessário expandir a curva tecnologia. Isto faz-se atraves de mais e melhor educação, mais investimento em R&D (não confundir com subsidios), e melhores e mais eficientes instituiçoes (publicas e privadas).
Ora a Alemanha não fez, nem está a fazer nada disso. Decidiu simplesmente concorrer pelo salarios, como alias tem feito os EUA, a Asia, e os restantes paises Europeus.
Concorrer pelos salarios é um erro tão estupido como concorrer pela desvalorização das moedas, gera uma corrida para o fundo, que a seu tempo se torna explosiva. Mas é preciso compreender que isto é um problema mundial, não é um problema apenas da Alemanha.
É absolutamente ridiculo identificar a Alemanha como pais culpado de um problema que é mundial. Se Alemanha fosse menos competitiva, teriamos uma fatia menor de produtos alemães no nosso cabaz de importações mas não teriamos necessariamente um cabaz de importações menor, e pior, como os alemaes seriam mais pobres importariam menos, e Alemanha é o 2º principal destino das nossas exportações.
Mais ridiculo ainda do que culpar a Alemanha por um erro global, é culpar a Alemanha pelos nossos erros. Portugal teve deficits na balança comercial durante os ultimos 100 anos (com excepção da 2ª grande guerra). Não com a adesão ao Euro ou CEE que começamos a ter deficit comerciais (também os defices das contas publicas têm uma longa historia, que não começou com a crise financeira de 2008). Portugal não só não produz praticamente nada como produz cada vez menos.