domingo, 24 de setembro de 2023

Factos sólidos e rigorosos há muitos, Dr. Gonçalo Matias

Em artigo recente no Diário de Notícias, o Presidente da fundação pingo doce, vulgo FFMS, Gonçalo Matias, escreveu sobre A crise da habitação. Na sua perspetiva, e referindo um estudo patrocinado pela fundação que dirige, trata-se de uma crise que «é, no essencial, resultado da falta de oferta», reconhecendo apenas vagamente um certo aumento da procura, «motivada por diversos fatores, sobretudo sociológicos e de estrutura familiar», mas sem os especificar.

Uma premissa que lhe permite afirmar, logo de seguida, que «a procura de habitação por estrangeiros tem um efeito diminuto», sugerindo que «a sua limitação não terá grande efeito do ponto de vista da redução da procura», podendo, isso sim, «prejudicar o país no plano reputacional e de atratividade de investimento estrangeiro, tão necessário ao nosso desenvolvimento económico».

Talvez valesse por isso a pena, de facto, que o presidente da FFMS tomasse boa nota de um relatório recente do Banco de Portugal, citado neste artigo de José Soeiro, que conclui que, «nos últimos 10 anos, o aumento significativo da participação de compradores não residentes marcou o mercado imobiliário residencial em Portugal». Ou seja, confirmando o que há muito se sabe mas que, por razões diversas, certos setores teimam em não reconhecer: ocorreu uma mudança profunda no mercado de habitação, indissociável do investimento imobiliário estrangeiro.


Os mais recentes dados do INE, aliás, confirmam isso mesmo. Não só a percentagem de compradores estrangeiros tem vindo a subir em número e em montante (de 8,4 para 12,3% e de 4,5 para 7,2%, entre 2021 e 2023), como o valor médio das transações por compradores estrangeiros tem igualmente evoluído em crescendo (sobretudo a partir de 2021), superando sempre, e de forma expressiva, os valores registados no caso de compradores nacionais.

Não é um exclusivo nacional. O investimento imobiliário estrangeiro tem tido uma forte incidência em países do sul da Europa (nomeadamente Espanha, Itália e Portugal), sendo que «o mercado português foi o que registou maior aumento» em 2022, segundo a Savills, considerando a consultora que «os fundamentos do mercado continuarão fortes e a atrair investidores».

Dir-se-á que, ainda assim, os valores de investimento imobiliário internacional são pouco expressivos. E esse é um segundo problema: ao desvalorizar o seu impacto na subida dos preços, ignora-se a incidência territorial deste investimento (como evidencia o caso do Algarve, onde a procura disparou em 2023). E esquece-se que o investimento imobiliário estrangeiro é apenas uma parte da atual procura especulativa de habitação, que inclui o impacto do investimento turístico (e a consequente supressão de casas para fins residenciais), bem como o redireccionamento das poupanças e rendimentos das famílias para o setor, sobretudo a partir de 2013.

Mas claro, é bem mais fácil, e sobretudo conveniente, resumir a questão à fórmula simplista da «falta de casas», ignorando que a variação do número de famílias e de alojamentos, na última década, não justifica a subida vertiginosa dos preços. Refere o Presidente da FFMS, no seu artigo, que «o importante debate sobre habitação (...) deve assentar em factos sólidos e rigorosos». E tem razão. Só que factos sólidos e rigorosos há muitos. E apenas considerando a sua diversidade, e o necessário pluralismo de perspetivas, se pode garantir um verdadeiro debate sobre a questão.

1 comentário:

Anónimo disse...

Fundação Manuel dos Santos, Católica, IEP, enfim, dança em todas as pistas do clube.

Em todo o caso, a propósito do artigo do deputado do BE: seria bom perceber se os estrangeiros pagam mais por bens do mesmo valor se apenas compram o que há de melhor no mercado. Se for este o caso, que pena tenho da classe média alta lisboeta obrigada a exilar-se em Oeiras.
No Algarve o problema nem se coloca: seria bom os velhotes ricaços virem para cá apanhar sol. Logo por azar têm tendência a adoecer e o Algarve é o que é na saúde. Lembro-me de uma entrevista em que André Jordan dizia isso: mal adoecem vendem e vão embora. Dava o exemplo de uma alemã que partiu um pé no golfe. Após horas de espera nas urgências um avião veio buscá-la. É sabido e conhecido que nos países do sul se passam por vezes coisas esquisitas. O melhor é ter cuidado e não confiar.