segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

As histerias liberais não têm fim

Rui Pena Pires declara que a crítica moral do capitalismo abre um plano inclinado que tende a conduzir ao totalitarismo. As histerias liberais da esquerda mínima não têm fim. Criticar o capitalismo pelo facto de não ser neutro no tipo de motivações humanas que favorece – a denúncia da ganância que incomodou Pena Pires – faz parte da melhor tradição socialista democrática. Richard Tawney, Karl Polanyi e Richard Titmuss, entre tantos outros, não fizeram outra coisa. A crítica aristotélica de Tawney à «sociedade aquisitiva», a denúncia, feita por Polanyi, da corrosão moral engendrada pela ficção do mercado sem fim ou a tese, defendida por Titmuss, de que a «relação de dádiva» só pode emergir em instituições protegidas dos incentivos pecuniários e do egoísmo mercantil continuam a fornecer-nos recursos preciosos de crítica e de abertura para reformas institucionais guiadas por valores.

Só quem tem um entendimento empobrecido do que é a moral, elemento indissociável de relações genuinamente humanas, é que pode escrever coisas destas: «A transformação da crítica política em crítica moral não faz apenas estas tangentes ao totalitarismo. Em rigor, o discurso moral contra o capitalismo escancara as portas ao totalitarismo, legitimando a monopolização do poder político por um pequeno núcleo de guardiães da moral». A moral não é separável da política. Nem deve ser. Os compromissos com os outros, os valores partilhados, cristalizados em práticas e instituições, ou o florescimento das capacidades humanas não são separáveis dos outros assuntos de uma comunidade política. Como os meios não são separáveis dos fins. Pensar o contrário, como disse uma vez E. P. Thompson, o da economia moral, apenas revela o «mau hálito do utilitarismo» gerador de todos os panópticos.

3 comentários:

  1. Rui Pena Pires não sabe o que diz. Nenhum sistema sócio-económico aparece espontaneamente. Todos se baseam na aceitação, muitas vezes apenas implícita, de regras baseadas num sistema moral. Em particular, a afirmação de que o Capitalismo co-existe com aparentemente diferentes sistemas morais e políticos, esconde o facto de que todos esses sistemas têm elementos comuns, sem os quais o Capitalismo seria impossível. Nomeadamente, a crença de que a sociedade deve estar estruturada em Hierarquias, onde o Poder está concentrado no topo. Sem esta crença na bondade moral da Hierarquia, da Desigualdade e do Poder, o Capitalismo era impraticável. O resto é acessório, são enfeites que permitem dividir para reinar.

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  2. Ao ler o que RPP escreve, depreende-se que não existiria esse animal político que é o Homem: às sextas faz política, ao sábado é estético, ao domingo é religioso, nos outros dias é ético…

    Sobre a afirmação “O discurso moral contra o capitalismo com base no qualificativo de “ganância” remete para memórias pouco progressistas”, apenas duas notas:

    Não me parece que o tal qualificativo constitua uma etiqueta preconceituosa e de lesa-majestade sobre o coitado do capitalismo, sobretudo nesta fase mais visível. Quando se pede fim dos “off shores”, regulação do sistema financeiro, tectos para os salários dos gestores, mudanças no código do trabalho, tributação das chorudas mais valias da banca, não se está a falar no ar, a ganância existe mesmo.

    E pouco progressistas, como?
    Porque defendem uma economia mista com um rosto (humano)? Não penso é que as outras, as “genuínas” reformas que assestam baterias sobre o factor trabalho sejam progressistas…
    Que tabus, os dessas forças “modernas e progressistas”!

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  3. aqui vai mais um, com a comparação do outro mano polanyi, com quem me tenho ocupado.

    http://www.rogersandall.com/Archive_General_Polanyi,-K-and-Polanyi,-M.php

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