Vale a pena ler o trabalho da jornalista Elisabete Miranda sobre a Suiça e os paraísos fiscais em geral, no Jornal de Negócios (JdN) de hoje.
Na esmagadora maioria dos casos, esses verdadeiros paraísos da finança pouco ou nada mais fazem do que permitir que empresas e indivíduos registem aí a sua sede, em troco de impostos irrisórios e sem qualquer exigência de uma actividade económica real significativa no território. Esta monumental fraude legal permite aos agentes envolvidos não apenas fugir ao pagamento de impostos nos países de origem mas, de forma mais geral, promove a ocultação de práticas mais ou menos ilícitas, quando não criminais.
O dinheiro que circula nos «offshores» representa anualmente cerca de 4 vezes o PIB francês, representando perdas avultadas para os cofres dos estados (só a Suiça será responsável por perdas fiscais do Estado francês que equivalem à totalidade das receitas fiscais anuais em Portugal).
Ecoando o que outros líderes têm defendido, Durão Barroso já garantiu que quer acabar com os paraísos fiscais… desde que outros países façam o mesmo. A verdade é que o poder económico e político da UE seria mais do que suficiente para proibir eficazmente as actividades nos ‘offshores’, mas os interesses instalados nas instituições europeias – e a ideologia liberal que ainda as domina, não obstante a crise – não deixam grandes esperanças. Esperanças ainda vão chegando do EUA, onde o novo presidente fez do ataque aos paraísos fiscais um tema central da campanha eleitoral. Caso tal venha a traduzir-se em medidas concretas, como diz um ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao JdN, «isso terá consequências sistémicas». Por outras palavras, o capitalismo neoliberal, que não sobrevive sem esquemas de fraude generalizada, terá os dias contados.
É aqui que vamos ver se a retórica anti-neoliberal, que hoje caracteriza os discursos dos principais dirigentes políticos mundiais, é mais do que palavras de circunstância.
Acabar com este disparate dos PF's é provavelmente a medida mais radical, eficaz e súbita que pode ser tomada também em relação ao relançamento da economia. Quantos bailouts pagam o aparecimento das receitas fiscais? Quanta impunidade acabaria ou emergeria?
ResponderEliminarFico optimista porque Obama mostrou que não há um risco político em anunciar uma medida de choque como esta.
Á medida que o cenário económico vá agravando até é bem provável que eleitores por todo o mundo o venham a exigir muito em breve.
O post ia muito direitinho até ao "Por outras palavras, o capitalismo neoliberal, que não sobrevive sem esquemas de fraude generalizada." Parece um passo de gigante, sem premissas que o sustentem. Podes por favor fundamentar? Não é uma questão de fé, certo?
ResponderEliminarManuel A,
ResponderEliminarHá duas verões da resposta à tua pergunta, uma longa e outra curta. Deixo a primeira para outras ocasiões. A curta (mais ou menos) é a seguinte: o neoliberalismo corresponde a uma alteração dramática do poder negocial entre trabalho e capital a favor do último; esta alteração da correlação de forças assenta na criação de mecanismos que permitem ao capital, nomeadamente o financeiro, tirar partido da sua característica distintiva - a facilidade com que se move através das fronteiras nacionais; a liberalização dos movimentos de capitais e a permissão da existência (quando não promoção activa) de paraísos fiscais são os exemplos máximos destes mecanismos; eles criam a oportunidade para isentar o capital das suas responsabilidades (fiscais, sociais, laborais), ao mesmo tempo que fornecem um argumento fácil para a não interferência dos governos nacionais (não podemos fazer nada, se outros não fizerem também...); o resultado é a fraude generalizada - o capital financeiro tira partido de todos os bens públicos de uma sociedade (serviços básicos, infraestruturas, instituições reguladoras e de manutenção da ordem, etc.), contribuindo cada vez menos para a sua manutenção.
Se é uma questão de fé? vê os dados que temos vindo a apresentar sobre fontes de financiamento dos estados e sobre desigualdade de rendimentos.