segunda-feira, 2 de junho de 2025

Ainda a propósito de Sócrates e dos equívocos que o rodeiam


Também não vi e não faço tenção de ver mais uma aparição pública de Sócrates. Talvez não só em Portugal, mas no nosso país, seguramente, a meu ver, as televisões tornaram-se impróprias para consumo cidadão e a imprensa escrita não está, infelizmente, muito melhor. Do episódio da espera a Sócrates, em 2014, no aeroporto, numa violação clara e grosseira do segredo de justiça, ao favorecimento descarado ao Ch*ega, tudo é insuportavelmente insalubre.

É este clima mediático, onde muito se grita e pouco se discute, que tem permitido que uma mentira tão básica como facilmente desmontável, como a ideia segundo a qual Sócrates levou o país à bancarrota em 2011, continue a ter tração na cena política portuguesa.

Uma mentira repetida tantas vezes que, diga-se, até o próprio Partido Socialista acreditou nela. É o resultado da cobardia política e da adesão ao social-liberalismo, a uma ortodoxia económica equivocada, para usar os termos de Galbraith, da qual Centeno, no extremo-centro-esquerda, é um excelente exemplo.

Não. Por mais que a Direita grite e a comunicação social reproduza o barulho, em 2011 o país não foi mergulhado numa bancarrota pela incúria despesista de Sócrates, mas foi, sim, alvo de um golpe  orquestrado na União Europeia e implementado pela inação culposa do BCE, tudo isto no contexto de uma integração europeia que continua hoje tão ou mais disfuncional que antanho.

A meu ver, enquanto o Partido Socialista não tiver isto claro, enquanto não rejeitar o pensamento mágico neoliberal de economistas como Rogoff e não regressar, pelo menos, a Keynes, continuará politicamente manietado, enterrado numa espécie de economia da idade das trevas, mantendo-se como parte do problema.

Por fim deixo-vos com um pequeno apontamento extraído de um debate onde participaram Rogoff e Galbraith e onde, para benefício do público, se discutiu política orçamental e monetária de forma proveitosa também para o assunto que aqui vos trago.

(Transcrição e tradução abaixo)

Kennet Rogoff: 

“Eu diria que a [Teoria Monetária Moderna] não é moderna, não é monetária e não é uma teoria. A ideia remonta a Abba Lerner, em 1940, essa ideia de finanças funcionais, trata-se realmente de política orçamental. Trata-se da ideia de que é possível ter défices elevados. Não se vêem realmente equações. Penso que é justo dizer que não existe uma teoria unificada. Também não é realmente empírica. Se olharmos para a história, vemos que muitos países latino-americanos utilizaram algo semelhante à Teoria Monetária Moderna”.

James K. Galbraith: 

“A Teoria Monetária Moderna é uma análise descritiva de como os sistemas monetários baseados no crédito realmente funcionam. E tem implicações políticas. A palavra «moderna» foi tomada de empréstimo do Tratado sobre o Dinheiro, de John Maynard Keynes, que nas suas páginas iniciais descreve os sistemas monetários modernos como aqueles que estão em vigor há pelo menos 5000 anos. Portanto, a questão do que é moderno e do que não é pode ser discutida, mas esse é o significado do termo. 

Num sistema baseado no crédito, a liquidez é criada através do crédito. Quando um banco concede empréstimos, isso cria um depósito, que é dinheiro bancário. Ou pode ser criado por fiat, ou seja, pela despesa do Estado. Os impostos e os contratos de empréstimo executórios são necessários, mas não são necessários para angariar dinheiro para o Estado ou para o banco, mas sim para dar valor ao dinheiro que é criado. É preciso ter o dinheiro do Estado para pagar os impostos do Estado. Um país com controlo soberano sobre o seu dinheiro, e esses países existem, é limitado pelos seus recursos reais. Não é limitado por fatores financeiros. E é por isso que, quando Keynes escreveu sobre isto, o que ele disse na década de 1930 foi que «tudo o que podemos realmente fazer, podemos pagar». 

O financiamento destas questões não é uma restrição, a menos que sejam tomadas medidas arbitrárias, caprichosas e desnecessárias, resultado de se seguir uma ortodoxia económica equivocada. Portanto, a Teoria Monetária Moderna está do lado de Keynes, está do lado de Abba Lerner e está do lado do senso comum de como os sistemas monetários e de crédito realmente funcionam.”

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