“Os vinte contributos reunidos no livro não esgotam o mapeamento do progressismo”, afiançam as coordenadoras. Tenho dificuldade em compreender o que leva pessoas que se dizem radicalmente de esquerda a dinamizar e participar num livro que junta, no meio de gente de facto progressista, liberais apoiantes da troika e do atual governo e/ou do genocídio perpetrado por Israel. Sistematizando, esta dificuldade assenta em quatro razões.
Em primeiro lugar, o livro em causa reage diretamente a um outro livro coletivo, abertamente reacionário, deixando inadvertidamente que seja este último a fixar a linha de fronteira do debate, assim puxado para a direita, como se estivéssemos intelectualmente em plena França macronista.
Em segundo lugar, um livro coletivo deste calibre é muito diferente do excelente, até porque consistente, manifesto de João Costa. Nada lhe acrescenta.
Em terceiro lugar, o livro tem logicamente muito menos espaço do que o que seria recomendável neste contexto para os temas do feminismo socialista, os da reprodução social e sua repartição, os das relações laborais e suas formas de exploração, etc. Lembro, entretanto, que a troika foi a maior adversária recente das famílias da classe trabalhadora em toda a sua diversidade. E que as regras europeias austeritárias o continuam a ser.
Em quarto lugar, o livro permite que figuras nada recomendáveis, objetiva e/ou subjetivamente de direita, estejam sempre em pé e possam passar por progressistas, em modo “neoliberalismo progressista” versus “neoliberalismo reacionário” (mais uma útil dicotomia da autoria de Nancy Fraser), como se o primeiro tivesse alguma coisa que ver com o progresso, um truque de colonizador em que algumas destas “personalidades” de resto se especializaram. A esquerda não sobrevive com esta complacência em relação a elas.
Não, por uma vez não me apetece mencionar nomes, estão na capa, andam por aí, com todo o mediatismo, com todo o capital. Apetece-me antes lembrar Amílcar Cabral: “não se trata de unir todos em torno da mesma causa, por mais justa que ela seja, de realizar a unidade absoluta, de unir-se não importa com quem”.
A ligeireza deste artigo parece desligada da linguagem mais incisiva doutros artigos seus. Eu diria o seguinte: a maioria dos contribuidores desse livro são reaccionários, precisamente por alinharem no discurso liberticida da igualdade abstracta, por aceitarem esta convergência. O João bem diz que vira o discurso à direita, mas então alguém colocou o seu nome nesse livro com uma arma apontada à cabeça? Podemos discutir se ser de esquerda é uma questão de intenções, mas já dizia o outro que o inferno... Diga-se de resto que o debate ideológico está completamente minado por ideólogos pós-modernistas americanos (originalmente do Norte mas muito do Sul também, com o Brasil à cabeça). O próprio João refere-se a um suposto "feminismo socialista", aceitando tacitamente que existe uma luta pelos direitos das mulheres que não a dos trabalhadores. Provavelmente uma das grandes vitórias do pós-modernismo foi ter-nos convencido que as socialistas proponentes do Dia da Mulher afinal eram feministas (mesmo que elas próprias se opusessem a tal designação)
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