quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

A direita quer que o mercado crie riqueza para quem?

O líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, diz que a economia portuguesa é pouco competitiva e que "somos pobres no contexto europeu". Apesar de reconhecer que "não há fórmulas mágicas", Miranda Sarmento diz que "a única maneira que temos de melhorar é com crescimento económico" e aponta um caminho: reduzir a taxa de imposto sobre as empresas (IRC) para que o país possa crescer no contexto europeu. No fundo, "temos de deixar o mercado funcionar para criarmos riqueza", explica.

A direita tem repetido à exaustão que os cortes de impostos para as empresas estimulam o crescimento económico. A ideia é relativamente intuitiva: menos impostos sobre as empresas permitir-lhes-iam aumentar o reinvestimento dos lucros, contribuindo não apenas para reforçar a sua capacidade de produção, mas também para fomentar a inovação e os ganhos de produtividade. Para o conjunto da economia, estes efeitos teriam como resultado maior dinamismo e crescimento.

Apesar de ser uma ideia frequentemente repetida no debate público, não é isso que nos diz a evidência empírica. Os economistas Sebastian Gechert e Philipp Heimberger publicaram recentemente o estudo "Os cortes de impostos para as empresas estimulam o crescimento económico?", no qual analisam dezenas de estudos empíricos que usam diferentes indicadores, diferentes horizontes temporais e que reportam resultados muito diversos. A conclusão dos autores é que, ao contrário do que boa parte dos economistas insiste, não há evidência empírica que nos permita afirmar que esses cortes promovem o crescimento dos países que os aplicam.

Além disso, Miranda Sarmento refere-se à taxa máxima estatutária de IRC (31,5%). Ao fazê-lo, insiste numa meia-verdade que se tem tornado habitual no debate público. O problema deste argumento é que é muito difícil (para não dizer impossível) encontrar uma empresa que pague mesmo essa taxa de imposto. A taxa geral de IRC é de 21%. Para uma empresa atingir a taxa máxima de IRC, teria de ser sujeita não apenas à derrama municipal, que varia entre 0% e 1,5% consoante o município em questão, como também à derrama estadual, que pode ir dos 3% aos 9% e que se aplica apenas a empresas que apresentem um rendimento coletável superior a €1,5 milhões, que perfazem... menos de 1% do tecido empresarial português.

É por isso que o dado mais relevante é o da taxa efetiva de imposto: a taxa que corresponde ao que a maioria das empresas paga efetivamente depois de se considerarem os vários benefícios fiscais e deduções. Estes dados são calculados pela Autoridade Tributária para cada ano. Se olharmos para os relatórios publicados pela AT, o que vemos é que a taxa efetiva de imposto é substancialmente inferior à taxa máxima, correspondendo a pouco mais de metade do seu valor (18,9%). O que isto significa é que a maioria das empresas paga bastante menos impostos do que se poderia supor quando se olha apenas para a taxa máxima estatutária.

É verdade que não há "fórmulas mágicas" para resolver o problema da estagnação da economia portuguesa nos últimos vinte anos. Mas dificilmente se encontram respostas sem começar por identificar as verdadeiras raízes do problema: o perfil de especialização assente em setores pouco produtivos, favorecido pelas forças de mercado no contexto da integração europeia e da perda de instrumentos de intervenção pública na economia (como discutido aquiaqui ou aqui).

Além de não resolver estes problemas estruturais, a redução da tributação serve essencialmente para beneficiar os acionistas das empresas, enquanto o Estado abdica de receita fiscal com que se podem financiar os serviços públicos, limitando a função redistributiva dos impostos. De resto, a taxa de IRC já foi substancialmente reduzida nos últimos trinta anos A direita quer apenas continuar a corrida para o fundo e concentrar ainda mais a riqueza criada. As fórmulas mágicas que oferece não fazem falta.

2 comentários:

  1. Esqueceu-se da lavandaria Zona Franca da Madeira.

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  2. Eu gostava que a direita respondesse... que governo fez o maior aumento de impostos da democracia portuguesa?

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