domingo, 5 de julho de 2020
Quando a capa de um jornal não bate certo com o seu editorial
1. A 27 de junho, com a divulgação da ordenação de escolas, Manuel Carvalho defendeu, em editorial no Público, que «os rankings não servem para criar hierarquias de escolas no sistema» mas sim, «pelo contrário, para provar que, em igualdade de circunstâncias, há escolas que brilham e outras nem tanto». E acrescenta, aproveitando para criticar os críticos, que hoje «os pais ou os professores sabem que a ordenação de acordo com as notas tem apenas uma função indicativa». Ou seja, «sabem que não é possível comparar uma escola pública de um bairro urbano de classe média alta com uma outra de um bairro habitado por população desfavorecida».
2. Talvez Manuel Carvalho não se tenha apercebido, mas quando se escolhe para destaque, na primeira página do jornal, que «os colégios privados ganharam terreno» face à escola pública, o Público presta justamente serviço àquilo para que os rankings «não servem», segundo o seu diretor (isto é, para «criar hierarquias de escolas no sistema»). Porquê? Porque continuando os colégios a não disponibilizar dados sobre o perfil sócio-económico dos seus alunos (habilitações dos pais e benefício de Ação Social Escolar), ao contrário do que fazem as escolas públicas, não é possível demonstrar, em termos de comparação público-privado, que «em igualdade de circunstâncias, há escolas que brilham e outras nem tanto». Ou seja, aquilo para que os rankings «servem», segundo o próprio Manuel Carvalho.
3. Por outro lado não sabemos, e era importante sabermos, em que é que o diretor do Público se baseia para afirmar que hoje «os pais ou os professores sabem que a ordenação de acordo com as notas tem apenas uma função indicativa», não sendo influenciados nas suas escolhas, deduz-se, pela simples ordenação das médias de exames. Fez algum inquérito, conhece algum estudo? Tem algum dado objetivo que suporte essa ideia ou é mesmo só «achismo»? Como explica Manuel Carvalho que as escolas privadas continuem reiteradamente a não fornecer dados do perfil sócio-económico dos seus alunos, se os pais, como diz, sabem que não é possível comparar uma escola «de um bairro urbano de classe média alta com uma outra de um bairro habitado por população desfavorecida»? Tem a certeza de que não é pelo risco de os privados saírem mal na comparação, por procederem à seleção dos seus alunos?
4. Se o diretor do Público quiser mesmo levar a sério a «utilidade» dos rankings, nos moldes em que o próprio a define («provar que, em igualdade de circunstâncias, há escolas que brilham e outras nem tanto»), faça uma opção editorial em coerência no próximo ano: exclua da análise, logo à partida, todas as escolas privadas que não lhe fizerem chegar dados sobre a informação sócio-económica dos seus alunos, evitando assim manchetes e conteúdos manhosos, redutores e, por isso, perversamente desinformativos.
Adenda: Como é sabido, o Ministério da Educação está desde 2001 obrigado, por força de decisão judicial, a fornecer os resultados dos exames aos meios de comunicação social, que procedem, eles próprios, à elaboração de rankings. Isto é, não podendo exigir-se ao ministério que apenas disponibilize informação relativa às escolas que enviam dados sobre o perfil sócio-económico dos seus alunos, cabe aos próprios meios de comunicação (e às escolas privadas que concordem com a partilha desses dados, por uma questão de transparência ou pelo facto de não incorrerem em práticas de seleção de alunos), assegurar a necessária seriedade e rigor do processo.
Negar a importância do meio sócio-económico seria evidentemente um disparate.
ResponderEliminarÉ todavia evidente que que nos dois factores em presença, social e económico, haveria que processá-los diferenciando os seus contributos para o sucesso escolar.
Este pacote deixa obscurecido o factor determinante do sucesso escolar: valorizar o empenho na aquisição de conhecimento.
O ensino é um dos pilares da ideologia neoliberal.
ResponderEliminarA atitude subserviente em relação ao "mercado privado" da educação não faria sentido se não tivesse uma agenda por trás.
A agenda passa, em primeiro lugar, por destruir o sistema público de educação.
Mas, se a maioria da população não tem dinheiro para pagar os custos das escolas privadas, que ganham os neoliberais com isso?
Nemhum anda atrás de uma medalha de "bom aluno" como o outro...
Não, isto é uma estratégia desenhada a regua e esquadro e devidamente financiada, para que os manueis façam o seu trabalhinho sujo nos pasquins dos oligarcas.
Mas, então, onde está o wally?
O wally está no dinheiro que o estado gasta nas escolas públicas.
Há mil e um esquemas para que o estado financie os sistemas privados, em vez dos públicos.
Até já conhecemos bem um deles.
Era o contrato de associação.