sábado, 4 de julho de 2020

Old new economics

Quem conheça a história da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (actual Nova School of Business and Economics) sabe que esta instituição pública esteve sempre na vanguarda da americanização do ensino e da investigação em Portugal, incluindo ao nível do entrelaçamento entre dinheiro público e dinheiro dito privado. Este último não pode ser separado da orientação político-ideológica dominante numa faculdade onde se elaboraram muitas das ideias económicas subjacentes ao cavaquismo e que esteve assumidamente na primeira linha do apoio à troika.

A FEUNL teve sempre uma orientação favorável à economia convencional de matriz neoclássica desde a sua fundação em 1978. Na altura, contrastava com uma paisagem mais diversificada na ciência económica.

Convém entretanto lembrar, como sublinhou um grande historiador do pensamento económico chamado Philip Mirowski, que nem todos os economistas neoclássicos são neoliberais e que nem todos os economistas neoliberais são neoclássicos. No primeiro caso, olhem para Joseph Stiglitz e no segundo para Friedrich Hayek.

Na Nova Economia, os economistas neoclássicos têm sido neoliberais, o que aliás tendeu a ser norma dos anos setenta em diante, em linha com o enviesamento de um quadro analítico atreito a demasiadas idealizações mercantis. Nos anos oitenta, por exemplo, os economistas desta faculdade tiveram uma coluna no jornal Semanário chamada Mão Invisível, onde apelavam, de resto com grande efeito, à desregulamentação, privatização e liberalização da economia portuguesa. O seu Professor Catedrático Aníbal Cavaco Silva daria poder a estas ideias sempre próximas do PSD e do CDS, mas também progressivamente do PS da revisão constitucional de 1989 em diante.

Susana Peralta é uma das excepções a este padrão: neoclássica, mas crítica de algumas dimensões do neoliberalismo. E fá-lo sempre com consistência e desenvoltura. Os seus artigos no Público são um exemplo, concorde-se ou não, de rigor argumentativo e de esforço de divulgação de trabalhos científicos. Qualquer jornal de referência faz bem em tê-la e qualquer direcção de faculdade deve olhar com satisfação para tais exercícios sérios e fundamentados. E o mesmo se aplica às suas intervenções televisivas.

Mas a elitista Nova SBE não é uma instituição qualquer. O dinheiro privado imiscuiu-se ali de tal forma nos últimos anos, a retórica mercantil da “gestão da marca” é de tal ordem, que mesmo a linha encarnada por Susana Peralta parece tornar-se incómoda para quem manda, como nos informou Bruno Faria Lopes na Sábado. A EDP é realmente só a ponta deste icebergue académico.

O mercado das ideias é uma fraude. A integridade e liberdade académicas dependem da autonomia institucional em relação ao poder do dinheiro. Felizmente, esta ainda é uma faculdade pública. Mas também é um aviso. Nem tudo ainda é possível, creio. Ou será, dado que a FEUNL esteve sempre na vanguarda?

Adenda. Foi com satisfação que vi Susana Peralta assinar ontem o seu artigo semanal no Público como Professora da Nova SBE. Espero que nunca o deixe de fazer.
 

14 comentários:

  1. Caro João Rodrigues, foi na Sábado que saiu a história (assinada por mim). Não na Visão. Obrigado. Cumprimentos, BFL

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  2. É preciso dar a maior importância a uma das suas últimas frases: há uma incompatibilidade de natureza entre o pensamento livre e o Mercado! Nunca é de menos reforçar isso...

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  3. Caro Bruno Faria Lopes,
    Peço desculpa pelo erro.
    Cumprimentos,
    João Rodrigues

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  4. A liberdade dos mercados dá-se mal com a liberdade de expressão.
    Aquela está a tentar sufocar esta.
    Quando o conseguir, deixa de ser liberdade, para ser a tirania dos mercados.

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  5. Um robusto texto de João Rodrigues, esclarecedor e bem fundamentado.

    É esta também uma pecha para quem tenta o contraditório com o que se escreve. Na generalidade "vai à volta","anda à volta" ou "atira para os pardais que estão à volta".
    (As idiotices que pairam à volta não contam)

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  6. Já agora. Não é o "pensamento livre" que é aqui chamado. Essa história do "pensamento livre" como se sabe tem pano para mangas.

    O que é lapidar é a afirmação incontestável que "o mercado das ideias é uma fraude. A integridade e liberdade académicas dependem da autonomia institucional em relação ao poder do dinheiro".

    E o desmontar da "mão invisível" que domina e manipula o ensino da Economia.
    Com o montar da tenda armado desde há muitos anos

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  7. A mão oculta, que comanda, o ensino da economia em Portugal, é muito poderosa. Silencia todas as vozes que falam "fora da caixa", tanto no ensino, na comunicação social. Neste caso a RTP, nos seus diversos canais, e nas mais diversas situações, dá tempo de antena quase em exclusivo
    a comentadores alinhados com o sacrossanto mercado/capital. Por onde andam O Prof. Ferreira do Amaral, Ricardo Paes Mamede, Pedro Lains etc. etc.. A RTP, não é isenta, não respeita a pluralidade.

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  8. A tirania dos mercados não se funda no sufoco da liberdade de expressão
    Passa por aí mas é muito mais do que isso

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  9. Esta cena do horror aos mercados tem por única utilidade exibir a ausência de qualquer formulação minimamente racional e suficientemente estruturada do que seria uma sociedade sem mercados.
    Os horrorizados com a tirania dos mercados nem se atrevem a esboçar os contornos tirânicos de uma sociedade sem mercados!

    Mas como fica bem, dá um ar radical e revolucionário, cá temos estas manifestações para épater les bourgeois.

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  10. Fala-se na FEUNL e na fraude do mercado das ideias. Fala-se em faculdade pública e no dinheiro privado que se imiscuiu ali. Fala-se na retórica mercantil da “gestão da marca” e em Susana Peralta que parece tornar-se incómoda para quem manda. Fala-se na EDP como ponta deste icebergue académico...

    E jose atira aos pardais deste jeito lamechas e idiota, totalmente prostrado em adoração evangélica aos mercados

    Jose foge. E reza ao seu deus desta forma verdadeiramente tirânica de tão idiota

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  11. Como a memória de jose já não é o que é, relembremos o que o mesmo dizia há apenas dois dias, num post sobre o mesmo tema, de Ricardo Paes Mamede.

    ( A FEUNL) "tem todo o aspecto de se dedicar ao estudo de um sistema de economia capitalista. É de toda a aparência financiada por agentes activos em tal sistema.
    Haveria de recrutar estudiosos e agentes de outros sistemas para poluir a formação requerida pelo que visam servir?

    Jose revela desta forma três coisas:

    -O seu acalentar de sonhos grotescos pelos tempos em que Salazar definia o rumo ideológico do ensino.

    -A sua defesa do TINA aplicado desta forma mansinha ao ensino universitário ...público

    -O seu amor verdadeiramente religioso e fundamentalista à tirania dos mercados, versão censor em prol da "não poluição" do "estudo da economia capitalista"


    Mais claro que este seu "épater les bourgeois" não será fácil. Na pele dum supremacista da pureza da teoria económica à moda dos seus mentores. A qualquer custo. Sob qualquer tirania. A bem dos mercados e dos seus "agentes activos"

    ( heil?)

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  12. Vale bem a pena ler o último artigo de Peralta sobre a TAP. Quase que assino por baixo.

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  13. Bom dia João Rodrigues

    Somos colegas , eu mais velha, do ISEG, escola agora muito estranha e que emanou tantos economistas bons, humanizados com a missão de transformar este nosso Mundo para melhor. Depois a toxicidade instalou-se nalguns. Muito triste. Deixei de aparecer nos Allumni. E expliquei sempre as razões da minha não comparência. Nunca poderia fazê-lo.Li e ofereci A financeirização do Capitalismo em Portugal. grande e precioso livro de três economistas, João. Agora há que continuar neste caminho salutar, inteligente e de transformação. Estou convosco.
    Abraço amigo.
    Isabel

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  14. A simplista e oligofrénica ideologia fanática dos mercados acima de tudo e de todos tem um final supremo:os mais fortes esmagam livremente os mais fracos. Viva a liberdade, minúscula!

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