Não podia estar em maior desacordo com a prescrição federalista do artigo de ontem de Wolfgang Munchau. Ainda assim, também não podia estar em maior acordo com a sua análise da proposta da Comissão Europeia para o chamado fundo de recuperação.
Usando os seus números e outros que recolhi na Ameco para complementar a análise, produzi o quadro resumo abaixo.
Segundo as previsões de Abril do FMI, o PIB nominal da UE cairá 6,8% e o de Portugal 8,2%.
Face a este cenário, descontando os montantes disponibilizados para eventuais empréstimos, montantes que servem apenas para empolar números e encher o olho, o que propõe então a Comissão?
Na UE como um todo, parece que, em 2021 e 2022, se propõe a investir a quantia absolutamente extraordinária de 0,92% do valor do PIB de 2019. Em 2023 e 2024, talvez para que não nos habituemos a estas extravagâncias, aquele montante baixa para 0,56%. Fabuloso.
Perante este forrobodó, já há, claro, quem ache isto inaceitável.
Com Portugal, então, a Comissão excedeu-se em cuidados: 7,3% do PIB do país em 2019 de subsídios, ou seja, 1,83% por ano, durante 4 anos, ou, se quiserem, 0,03% do PIB da UE.
Não digam que a Comissão, ou os governos da Alemanha ou da França, brincam em serviço. Tudo isto, naturalmente, com a condição desta enorme pipa de massa ser aplicada de acordo, não com o interesse do país, mas com os critérios do Semestre Europeu, as tais reformas que tão bons resultados têm gerado. Não digam que vão daqui e não gastem tudo em vinho e mulheres.
Entretanto, num dia em que os jornais noticiam previsões para a evolução do crédito malparado que antecipam a sua multiplicação por um fator entre 1,5 e 3 e um cenário bastante pior do que aquele que enfrentámos na última crise, como se fosse um mero assistente de um jogo com o resultado já decido, o BCE achou por bem vir a público afirmar que “"permanece um risco de que as agências de 'rating' possam diminuir as classificações dos soberanos e/ou dos bancos", o que pode reativar "ciclos negativos do nexo banco-soberano, especialmente para Itália e Portugal, bem como para Espanha, onde os 'ratings' dos bancos estão mais perto do grau de não-investimento [vulgo 'lixo']"”.
Perante tanta candura, não por acaso, ninguém da burocracia europeia se lembrou de vir dizer que as disfuncionalidades sistémicas do euro, do dogma do equilíbrio orçamental até à incapacidade de prevenir e corrigir desequilíbrios nas balanças correntes e ao irracional, injusto e ineficiente desenho institucional do BCE, seriam finalmente consideradas e corrigidas.
E aqui estamos nós perante uma ameaça que já não é velada porque é repetida.
Ninguém pode dizer que não conhecia os riscos. Em 1997, Charles Goodhart num artigo cujo título – “Um Estado, uma moeda” - é todo um acertado programa de política, chamou à atenção para os efeitos perniciosos da separação entre tesouro e banco central implícita na UEM, escrevia:
“Mas o que acontece depois da UEM quando há uma queda na procura de obrigações de um governo nacional em particular? (...) Existe o risco de uma corrida rápida no mercado de títulos que se auto-alimenta: taxas de juros mais altas que agravam o déficite público, o que, por sua vez, simultaneamente, aumenta a necessidade de vender obrigações e reduz a procura por elas. Tal corrida seria equivalente, dentro do UEM, às crises cíclicas do mercado cambial que têm atormentado as economias abertas de média dimensão (como a Grã-Bretanha) ao longo dos anos. Mas essas crises no mercado de títulos poderiam ser muito piores do que as predecessoras no mercado cambial se o contágio ameaçasse espalhar-se da dívida pública para a dos bancos, e o próprio sistema financeiro fosse comprometido”.
Premonitório, de facto. Já o era na crise financeira anterior. Em Portugal, o resgate da banca a operar em território nacional, resgate necessário para que os bancos do centro pudessem livrar-se de dívida periférica, já custou cerca de 20 mil milhões de Euros e continua a somar.
Assim sendo, os 15,5 mil milhões, a pagar em quatro tranches, anunciados como a parcela nacional do momento Hamiltoniano da UE, valor que representa cerca de 4/5 do dinheiro público injetado no sistema financeiro, serão bazuca ou flober?
Excelente texto.
ResponderEliminarDuma enorme clareza e objectividade
Queixinhas, parece ser o alvo da mais aturada pesquisa económica no tempo actual.
ResponderEliminarRecordo um tempo em que a pesquisa era sobre o quanto investir em quê, e o benefício que daí adviria.
Queixinhas????
EliminarMais fantochada escrita em letra de forma?
A clareza assusta e faz sair coisas deste jaez:
Um queixinhas lastimável a queixar-se que os outros ê que o são
Entupiu e só lhe saem estas idiotices.
Tão cristalinamentte transparente
"já custou cerca de 20 milhões de Euros e continua a somar."
ResponderEliminar20 mil milhões, acho
Muitos parabéns pelo texto
Corrigido. Obrigado.
ResponderEliminarComo dizia o Rui Tavares, a América, a grande nação americana, arde por dentro, presidida por um adolescente mimado que não pensa noutra coisa que não em si. O nacionalismo é a Guerra, como dizia Mitterrand, e neste caso poderá mesmo ser a Guerra Civil (à atenção do João Rodrigues)...
ResponderEliminarO Reino Unido, esse outro exemplo de o que uma política monetária independente pode fazer, consegue a proeza de ombrear com a Espanha, um dos primeiros países a ser atingidos pela pandemia, no número de mortes por milhão, fruto da incompetência de um PM que defende afinal que as regras que se aplicam à nova elite não são as mesmas que se aplicam à população em geral e que insiste que o Brexit é mesmo para se consumar a 31 de Dezembro, com ou sem acordo, independentemente da crise que se avizinha.
Entre nós, a Esquerda ocupa o seu tempo a dizer-nos o que sabíamos há muito tempo, que o Euro é uma má ideia. Portanto vamos a Bruxelas e dizemos que queremos sair e pronto? Senhores, tiveram tempo desde 2012 para estudar cenários e nos apresentar um plano de que podemos bem vir a precisar. Mas não, isso é trabalho árduo, nunca foi feito e se calhar para alguns uma grande crise pode dar jeito. Enganam-se, a única coisa que uma grande crise fará é ajudar a guindar a Extrema-Direita ao poder...
O fundo europeu é uma pressão de ar? Talvez, mas é a única coisa que temos em face da incapacidade da Esquerda de fazer outra coisa que não queixar-se. Cresçam e apareçam, é que já não há pachorra para tanta impotência disfarçada de indignação.
José Reis reconhecia em artigo do Público não assim há tanto tempo que os diagnósticos estão feitos, agora falta a alternativa. Construam-na... Mas leiam o artigo primeiro, é francamente recomendável...
Jose fala em queixinhas.
ResponderEliminarE todo entusiasmado recorda "um tempo em que a pesquisa era sobre o quanto investir em quê, e o benefício que daí adviria".
Admire-se o silêncio do jose sobre o desmontar da flober que se fazia passar por bazuka
Já não se admire o entusiasmo de jose sobre os benefícios de daí adviriam. Foi assim já com os fundos sociais europeus nos anos 80, em que a UGT e as confederações patronais souberam bem se beneficiar. Daquela forma típica e característica que lhes permitiu escapar à justica
Eu sinceramente não sei se o Rui Tavares disse que a América é presidida por um adolescente mimado
ResponderEliminarO que eu sei é que a reprodução de imbecilidades não ajuda nada a um julgamento adequado dos factos e das suas circunstâncias. Considerar os EUA como equivalentes à América já demonstra o olhar umbilical desvelado para com os states. Um baixar de bola ao domínio imperial
Por outro considerar Trump um "adolescente mimado"... é um magnífico sinal da profundidade analítica de quem assim o retrata
JS chama a atenção a João Rodrigues: o "nacionalismo é a guerra" de acordo com Miterrand (que como se sabe esteve do lado errado da guerra, colaborando com o governo de Vichy, mas adiante).
ResponderEliminarOra bem . Manda a verdade dos factos que JR está farto de dizer,escrever, repisar,que não há nacionalismo. Há nacionalismos.
Há até uma sua crónica recente , "Nacionalismos há muitos" em que JR começa assim:
"Os crimes genocidas do nazismo e dos seus aliados trouxeram o descrédito ao tipo de nacionalismo que representavam, mas não a outros, até porque a oposição ao nazismo e seus aliados recorreu à mobilização nacionalista, associada à defesa das pátrias invadidas e mesmo, no caso dos aliados ocidentais, à das suas tradições políticas liberais e democráticas. Depois da Segunda Guerra Mundial, o nacionalismo inspirou o movimento de descolonização, apresentado como de libertação nacional contra a dominação colonial e o racismo."
Nacionalismos no plural
Qual a necessidade que JS tem de deturpar o que os outros dizem? Só para mostrar que não se onsegue afastar desse trilho medíocre e difamatório?
JS depois marca mais alguns pontos
ResponderEliminarEstamos a falar de alhos, JS fala de bugalhos
"O Reino Unido, esse outro exemplo de o que uma política monetária independente ..." é assim que começa JS mais um parágrafo típico. Porque de repente muda o flanco para o Covid e as medidas tomadas pelo seu primeiro ministro
A formação (ou deformaçâo) democrática de JS tem destas coisas.O que tem a ver a atitude tomada por Boris Johnson no que diz respeito à pandemia, com a decisão soberana do RU de mandar a UE às urtigas? Pode comparar o comportamento das elites na Grâ-Bretanha no que diz respeito ao Covid, com o das nossas elites no que diz respeito à UE. Em ambos os casos são elites que demonstram a sua ( das elites) medíocridade acéfala. Mas não pode fazer extrapolações demagógicas e vazias de conteúdo
Porque a pergunta mantem-se. O que tem o número de mortos por milhão de habitantes a ver com a política monetária independente?
À data:
S Marino-1238 mortos por milhão de habitantes
Bélgica-822
Andorra- 660
UK- 585
Espanha-580
Itália- 556
Suécia- 450
França- 445
O que irá JS inventar para justificar estes números com o Brexit ?
Porque motivo tem JS tal aversão ao respeito pela legitimidade democrática?
Já não me merecem comentários uma frase de JS:
ResponderEliminar"Entre nós, a Esquerda ocupa o seu tempo a dizer-nos o que sabíamos há muito tempo, que o Euro é uma má ideia."
Sabiam?
Quem sabia? O que andou por aí JS a dizer e a repetir?
Acho que, a propósito desta frase de JS, é altura de recorrer a uma outra frase de Groucho Marx, um autor que JS cita com frequência:
"Estes são meus princípios. Se você não gosta deles, tenho outros!"
Outra frase de JS:
ResponderEliminar"a única coisa que uma grande crise fará é ajudar a guindar a Extrema-Direita ao poder..."
Esta é daquelas frases de ouro de JS. Repare-se na evolução de JS sobre a UE. Primeiro era o paraíso na terra. Depois pouco a pouco é esta vil e apagada tristeza, qual macambúzio a justificar a sua impotência.
E à medida que a esquerda bramane toma conta do quintal ordo-liberal, como se de coisa sua fosse, abandonando princípios, programas,ideias, ideais... vamos vendo que vai deixando espaço ao avanço da extrema-direita
Exemplos há muitos. Aquele holandês Dijsselbloem,do grupo socialista, quais foram os seus resultados eleitorais? O PS francês,onde foi parar, insuflando Macron, um polichinelo banqueiro, ao serviço de interesses económicos que vão enchendo o papo da Frente Nacional?
E a este magnífico e bem elucidativo post de Paulo Coimbra, a como responde a isto JS?
"O fundo europeu é uma pressão de ar"
Do mundo da terra e do mel, com os media a vomitarem as somas astronómicas que iriam desabar sobre Portugal, por vontade divina e mão da UE, o que resta?
Um flober que JS traduz para uma pressão de ar.
É mesmo deste jeito que a Extrema-direita cresce.
Finalmente JS:
ResponderEliminar"a única coisa que temos em face da incapacidade da Esquerda de fazer outra coisa que não queixar-se. Cresçam e apareçam, é que já não há pachorra para tanta impotência disfarçada de indignação."
Não vale a pena JS tentar fazer olhinhos a José Reis, sobre os diagnósticos feitos.
Não vale a pena sublinhar que os diagnósticos de JS são substancialmente diferentes dos da esquerda, que não a bramane. São de tal forma diferentes que as soluções para JS são as do tipo: "dêem-me a banca privada espanhola".
Pelo que não vale a pena estas demagogas,falsas e idiotas afirmações sobre "diagnósticos feitos"
Pelos diagnósticos de JS passa Blair e o seu charme ao centro, maneira de domesticar o voto, para o servir numa salva ao neoliberalismo que o precedeu. Mas pelas conclusões de JS não passa sequer a ideia de que ele desta forma está a servir um criminoso de guerra, prostituto de Bush, amante do petróleo e do sangue iraquiano
Pelo que essa história dos diagnósticos tem a perna tão curta como a demagogia cobarde de quem se esconde atrás dos diagnósticos unanimemente feitos
JS confunde outra coisa. Confunde o desnudar dos amanhãs que cantam, cantados pelos europeísmos triunfantes, com "queixas"
Por favor. Digam a JS que queixas é o que ele passa aqui o tempo todo a fazer.Neste seu comentário por exemplo, queixa-se do nacionalismo, do adolescente mimado, de joão Rodrigues, do Brexit,do vírus,da esquerda, do apoio à extrema-direita, da pressão de ar, das queixas da esquerda...
Até se queixa da sua falta de pachorra para a impotência disfarçada de indignação
JS está equivocado. Um hipócrita ( como JS?) assume a indignação como forma de esconder a pusilanimidade de quem se vende a troco de. Não se indigna, Faz como se o fizesse. E ainda perora sobre o não destino de Portugal como país independente após a perda do império colonial
Ora bem. Nesta altura do campeonato JS já devia saber que nem todos são como ele
Que nem todos escondem a sua impotência atrás das grilhetas de Bruxelas.
Pelo que a potência de JS declina-se em função da subserviência ao directório da UE.