terça-feira, 2 de junho de 2020

Notícias do fundo de recuperação ou da flober que se fazia passar por bazuca

Não podia estar em maior desacordo com a prescrição federalista do artigo de ontem de Wolfgang Munchau. Ainda assim, também não podia estar em maior acordo com a sua análise da proposta da Comissão Europeia para o chamado fundo de recuperação.

Usando os seus números e outros que recolhi na Ameco para complementar a análise, produzi o quadro resumo abaixo.


Segundo as previsões de Abril do FMI, o PIB nominal da UE cairá 6,8% e o de Portugal 8,2%.

Face a este cenário, descontando os montantes disponibilizados para eventuais empréstimos, montantes que servem apenas para empolar números e encher o olho, o que propõe então a Comissão?

Na UE como um todo, parece que, em 2021 e 2022, se propõe a investir a quantia absolutamente extraordinária de 0,92% do valor do PIB de 2019. Em 2023 e 2024, talvez para que não nos habituemos a estas extravagâncias, aquele montante baixa para 0,56%. Fabuloso.

Perante este forrobodó, já há, claro, quem ache isto inaceitável.   

Com Portugal, então, a Comissão excedeu-se em cuidados: 7,3% do PIB do país em 2019 de subsídios, ou seja, 1,83% por ano, durante 4 anos, ou, se quiserem, 0,03% do PIB da UE. 

Não digam que a Comissão, ou os governos da Alemanha ou da França, brincam em serviço. Tudo isto, naturalmente, com a condição desta enorme pipa de massa ser aplicada de acordo, não com o interesse do país, mas com os critérios do Semestre Europeu, as tais reformas que tão bons resultados têm gerado. Não digam que vão daqui e não gastem tudo em vinho e mulheres

Entretanto, num dia em que os jornais noticiam previsões para a evolução do crédito malparado que antecipam a sua multiplicação por um fator entre 1,5 e 3 e um cenário bastante pior do que aquele que enfrentámos na última crise, como se fosse um mero assistente de um jogo com o resultado já decido, o BCE achou por bem vir a público afirmar que “"permanece um risco de que as agências de 'rating' possam diminuir as classificações dos soberanos e/ou dos bancos", o que pode reativar "ciclos negativos do nexo banco-soberano, especialmente para Itália e Portugal, bem como para Espanha, onde os 'ratings' dos bancos estão mais perto do grau de não-investimento [vulgo 'lixo']"”.

Perante tanta candura, não por acaso, ninguém da burocracia europeia se lembrou de vir dizer que as disfuncionalidades sistémicas do euro, do dogma do equilíbrio orçamental até à incapacidade de prevenir e corrigir desequilíbrios nas balanças correntes e ao irracional, injusto e ineficiente desenho institucional do BCE, seriam finalmente consideradas e corrigidas.

E aqui estamos nós perante uma ameaça que já não é velada porque é repetida

Ninguém pode dizer que não conhecia os riscos. Em 1997, Charles Goodhart num artigo cujo título – “Um Estado, uma moeda” - é todo um acertado programa de política, chamou à atenção para os efeitos perniciosos da separação entre tesouro e banco central implícita na UEM, escrevia: 

Mas o que acontece depois da UEM quando há uma queda na procura de obrigações de um governo nacional em particular? (...) Existe o risco de uma corrida rápida no mercado de títulos que se auto-alimenta: taxas de juros mais altas que agravam o déficite público, o que, por sua vez, simultaneamente, aumenta a necessidade de vender obrigações e reduz a procura por elas. Tal corrida seria equivalente, dentro do UEM, às crises cíclicas do mercado cambial que têm atormentado as economias abertas de média dimensão  (como a Grã-Bretanha) ao longo dos anos. Mas essas crises no mercado de títulos poderiam ser muito piores do que as predecessoras no mercado cambial se o contágio ameaçasse espalhar-se da dívida pública para a dos bancos, e o próprio sistema financeiro fosse comprometido”. 

Premonitório, de facto. Já o era na crise financeira anterior. Em Portugal, o resgate da banca a operar em território nacional, resgate necessário para que os bancos do centro pudessem livrar-se de dívida periférica, já custou cerca de 20 mil milhões de Euros e continua a somar. 


Assim sendo, os 15,5 mil milhões, a pagar em quatro tranches, anunciados como a parcela nacional do momento Hamiltoniano da UE, valor que representa cerca de 4/5 do dinheiro público injetado no sistema financeiro, serão bazuca ou flober

13 comentários:

  1. Excelente texto.

    Duma enorme clareza e objectividade

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  2. Queixinhas, parece ser o alvo da mais aturada pesquisa económica no tempo actual.

    Recordo um tempo em que a pesquisa era sobre o quanto investir em quê, e o benefício que daí adviria.

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    1. Queixinhas????

      Mais fantochada escrita em letra de forma?
      A clareza assusta e faz sair coisas deste jaez:

      Um queixinhas lastimável a queixar-se que os outros ê que o são

      Entupiu e só lhe saem estas idiotices.

      Tão cristalinamentte transparente

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  3. "já custou cerca de 20 milhões de Euros e continua a somar."
    20 mil milhões, acho

    Muitos parabéns pelo texto

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  4. Como dizia o Rui Tavares, a América, a grande nação americana, arde por dentro, presidida por um adolescente mimado que não pensa noutra coisa que não em si. O nacionalismo é a Guerra, como dizia Mitterrand, e neste caso poderá mesmo ser a Guerra Civil (à atenção do João Rodrigues)...

    O Reino Unido, esse outro exemplo de o que uma política monetária independente pode fazer, consegue a proeza de ombrear com a Espanha, um dos primeiros países a ser atingidos pela pandemia, no número de mortes por milhão, fruto da incompetência de um PM que defende afinal que as regras que se aplicam à nova elite não são as mesmas que se aplicam à população em geral e que insiste que o Brexit é mesmo para se consumar a 31 de Dezembro, com ou sem acordo, independentemente da crise que se avizinha.

    Entre nós, a Esquerda ocupa o seu tempo a dizer-nos o que sabíamos há muito tempo, que o Euro é uma má ideia. Portanto vamos a Bruxelas e dizemos que queremos sair e pronto? Senhores, tiveram tempo desde 2012 para estudar cenários e nos apresentar um plano de que podemos bem vir a precisar. Mas não, isso é trabalho árduo, nunca foi feito e se calhar para alguns uma grande crise pode dar jeito. Enganam-se, a única coisa que uma grande crise fará é ajudar a guindar a Extrema-Direita ao poder...

    O fundo europeu é uma pressão de ar? Talvez, mas é a única coisa que temos em face da incapacidade da Esquerda de fazer outra coisa que não queixar-se. Cresçam e apareçam, é que já não há pachorra para tanta impotência disfarçada de indignação.

    José Reis reconhecia em artigo do Público não assim há tanto tempo que os diagnósticos estão feitos, agora falta a alternativa. Construam-na... Mas leiam o artigo primeiro, é francamente recomendável...

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  5. Jose fala em queixinhas.

    E todo entusiasmado recorda "um tempo em que a pesquisa era sobre o quanto investir em quê, e o benefício que daí adviria".


    Admire-se o silêncio do jose sobre o desmontar da flober que se fazia passar por bazuka

    Já não se admire o entusiasmo de jose sobre os benefícios de daí adviriam. Foi assim já com os fundos sociais europeus nos anos 80, em que a UGT e as confederações patronais souberam bem se beneficiar. Daquela forma típica e característica que lhes permitiu escapar à justica

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  6. Eu sinceramente não sei se o Rui Tavares disse que a América é presidida por um adolescente mimado

    O que eu sei é que a reprodução de imbecilidades não ajuda nada a um julgamento adequado dos factos e das suas circunstâncias. Considerar os EUA como equivalentes à América já demonstra o olhar umbilical desvelado para com os states. Um baixar de bola ao domínio imperial

    Por outro considerar Trump um "adolescente mimado"... é um magnífico sinal da profundidade analítica de quem assim o retrata

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  7. JS chama a atenção a João Rodrigues: o "nacionalismo é a guerra" de acordo com Miterrand (que como se sabe esteve do lado errado da guerra, colaborando com o governo de Vichy, mas adiante).

    Ora bem . Manda a verdade dos factos que JR está farto de dizer,escrever, repisar,que não há nacionalismo. Há nacionalismos.

    Há até uma sua crónica recente , "Nacionalismos há muitos" em que JR começa assim:
    "Os crimes genocidas do nazismo e dos seus aliados trouxeram o descrédito ao tipo de nacionalismo que representavam, mas não a outros, até porque a oposição ao nazismo e seus aliados recorreu à mobilização nacionalista, associada à defesa das pátrias invadidas e mesmo, no caso dos aliados ocidentais, à das suas tradições políticas liberais e democráticas. Depois da Segunda Guerra Mundial, o nacionalismo inspirou o movimento de descolonização, apresentado como de libertação nacional contra a dominação colonial e o racismo."

    Nacionalismos no plural

    Qual a necessidade que JS tem de deturpar o que os outros dizem? Só para mostrar que não se onsegue afastar desse trilho medíocre e difamatório?

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  8. JS depois marca mais alguns pontos

    Estamos a falar de alhos, JS fala de bugalhos

    "O Reino Unido, esse outro exemplo de o que uma política monetária independente ..." é assim que começa JS mais um parágrafo típico. Porque de repente muda o flanco para o Covid e as medidas tomadas pelo seu primeiro ministro

    A formação (ou deformaçâo) democrática de JS tem destas coisas.O que tem a ver a atitude tomada por Boris Johnson no que diz respeito à pandemia, com a decisão soberana do RU de mandar a UE às urtigas? Pode comparar o comportamento das elites na Grâ-Bretanha no que diz respeito ao Covid, com o das nossas elites no que diz respeito à UE. Em ambos os casos são elites que demonstram a sua ( das elites) medíocridade acéfala. Mas não pode fazer extrapolações demagógicas e vazias de conteúdo

    Porque a pergunta mantem-se. O que tem o número de mortos por milhão de habitantes a ver com a política monetária independente?

    À data:

    S Marino-1238 mortos por milhão de habitantes
    Bélgica-822
    Andorra- 660
    UK- 585
    Espanha-580
    Itália- 556
    Suécia- 450
    França- 445

    O que irá JS inventar para justificar estes números com o Brexit ?

    Porque motivo tem JS tal aversão ao respeito pela legitimidade democrática?

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  9. Já não me merecem comentários uma frase de JS:

    "Entre nós, a Esquerda ocupa o seu tempo a dizer-nos o que sabíamos há muito tempo, que o Euro é uma má ideia."

    Sabiam?

    Quem sabia? O que andou por aí JS a dizer e a repetir?

    Acho que, a propósito desta frase de JS, é altura de recorrer a uma outra frase de Groucho Marx, um autor que JS cita com frequência:

    "Estes são meus princípios. Se você não gosta deles, tenho outros!"

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  10. Outra frase de JS:

    "a única coisa que uma grande crise fará é ajudar a guindar a Extrema-Direita ao poder..."

    Esta é daquelas frases de ouro de JS. Repare-se na evolução de JS sobre a UE. Primeiro era o paraíso na terra. Depois pouco a pouco é esta vil e apagada tristeza, qual macambúzio a justificar a sua impotência.

    E à medida que a esquerda bramane toma conta do quintal ordo-liberal, como se de coisa sua fosse, abandonando princípios, programas,ideias, ideais... vamos vendo que vai deixando espaço ao avanço da extrema-direita

    Exemplos há muitos. Aquele holandês Dijsselbloem,do grupo socialista, quais foram os seus resultados eleitorais? O PS francês,onde foi parar, insuflando Macron, um polichinelo banqueiro, ao serviço de interesses económicos que vão enchendo o papo da Frente Nacional?

    E a este magnífico e bem elucidativo post de Paulo Coimbra, a como responde a isto JS?

    "O fundo europeu é uma pressão de ar"

    Do mundo da terra e do mel, com os media a vomitarem as somas astronómicas que iriam desabar sobre Portugal, por vontade divina e mão da UE, o que resta?

    Um flober que JS traduz para uma pressão de ar.

    É mesmo deste jeito que a Extrema-direita cresce.

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  11. Finalmente JS:
    "a única coisa que temos em face da incapacidade da Esquerda de fazer outra coisa que não queixar-se. Cresçam e apareçam, é que já não há pachorra para tanta impotência disfarçada de indignação."

    Não vale a pena JS tentar fazer olhinhos a José Reis, sobre os diagnósticos feitos.

    Não vale a pena sublinhar que os diagnósticos de JS são substancialmente diferentes dos da esquerda, que não a bramane. São de tal forma diferentes que as soluções para JS são as do tipo: "dêem-me a banca privada espanhola".

    Pelo que não vale a pena estas demagogas,falsas e idiotas afirmações sobre "diagnósticos feitos"

    Pelos diagnósticos de JS passa Blair e o seu charme ao centro, maneira de domesticar o voto, para o servir numa salva ao neoliberalismo que o precedeu. Mas pelas conclusões de JS não passa sequer a ideia de que ele desta forma está a servir um criminoso de guerra, prostituto de Bush, amante do petróleo e do sangue iraquiano

    Pelo que essa história dos diagnósticos tem a perna tão curta como a demagogia cobarde de quem se esconde atrás dos diagnósticos unanimemente feitos

    JS confunde outra coisa. Confunde o desnudar dos amanhãs que cantam, cantados pelos europeísmos triunfantes, com "queixas"

    Por favor. Digam a JS que queixas é o que ele passa aqui o tempo todo a fazer.Neste seu comentário por exemplo, queixa-se do nacionalismo, do adolescente mimado, de joão Rodrigues, do Brexit,do vírus,da esquerda, do apoio à extrema-direita, da pressão de ar, das queixas da esquerda...

    Até se queixa da sua falta de pachorra para a impotência disfarçada de indignação

    JS está equivocado. Um hipócrita ( como JS?) assume a indignação como forma de esconder a pusilanimidade de quem se vende a troco de. Não se indigna, Faz como se o fizesse. E ainda perora sobre o não destino de Portugal como país independente após a perda do império colonial

    Ora bem. Nesta altura do campeonato JS já devia saber que nem todos são como ele

    Que nem todos escondem a sua impotência atrás das grilhetas de Bruxelas.

    Pelo que a potência de JS declina-se em função da subserviência ao directório da UE.

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