Retomando o tema da minha última posta (a relação entre a penetração do capital financeiro e a crise alimentar mundial - ou, de forma sumária, o nexo finança-fome), gostaria agora de acrescentar algumas notas.
A primeira é para assinalar que, aquando da crise de 2008, o Nuno Teles discutiu já este tema nos Ladrões de Bicicletas - aqui, aqui e aqui.
A segunda é para sublinhar que embora também existam causas “reais” para o aumento dos preços mundiais dos alimentos ao longo dos últimos anos, estas não explicam a crise de 2008, nem a que está actualmente iminente. Como mostra o gráfico em cima, no qual está representada a evolução dos preços mundiais do arroz, trigo e milho (em índice), o que está aqui em causa não é meramente o reflexo ou a antecipação de uma qualquer crise “malthusiana”. Se estivéssemos perante um crescente desequilíbrio de longo prazo entre a procura e a oferta reais, correctamente antecipado pelos “mercados”, não haveria motivos razoáveis para o aumento dos preços ter sido tão brusco a partir de 2006-07, nem para estes terem decaído significativamente a partir de meados de 2008. Seria de esperar, isso sim, um aumento mais ou menos constante dos preços, eventualmente seguido da sua estabilização. Ora, aquilo a que assistimos é uma muito significativa tendência de aumento a par de uma forte e crescente volatilidade.
Existem efectivamente factores “reais” que têm tido algum impacto sobre a tendência – e a eles havemos de regressar numa próxima oportunidade. Mas o que explica a maior parte do aumento e da volatilidade nos últimos 4-5 anos é mesmo o afluxo massivo de capital financeiro com intenções especulativas. Como explica Jayati Ghosh neste artigo, esse afluxo deveu-se a um movimento, de proporções gigantescas, em busca de posições em activos baseados em mercadorias como o ouro ou os produtos alimentares, no contexto do rebentamento de bolhas especulativas em sectores como o imobiliário. Por sua vez, a queda dos preços no final de 2008 deveu-se à necessidade de muitos destes investidores aumentarem os seus níveis de liquidez para fazer face às perdas ocorridas no auge da crise financeira. E voltamos agora a assistir à recuperação em pleno da tendência de aumento dos preços (e à iminência de crises de insegurança alimentar), à medida que estes investidores restabelecem progressivamente as suas posições, beneficiando das gigantescas injecções de liquidez que os bancos centrais proporcionaram ao sistema financeiro. Na ausência de novas regras, o crédito concedido não está a financiar a recuperação económica, mas sim a voltar a alimentar a especulação financeira.
Como também explica Ghosh no artigo referido em cima, para tudo isto contribuiu sobremaneira a Lei da Modernização dos Contratos de Futuros sobre Mercadorias, introduzida em 2000 nos EUA (onde se situa o epicentro do mercado mundial de produtos alimentares). Ao abolir os limites quantitativos sobre os contratos de futuros sobre mercadorias, permitir a entrada no mercado por parte de compradores e vendedores sem qualquer relação com a oferta e procura “reais” e eliminar todos os requisitos em matéria de supervisão, esta Lei veio na prática criar uma gigantesca e volátil procura “fictícia” no mercado de futuros – que se reflecte prontamente nos preços do mercado “spot” (aos quais estão sujeitos os vendedores e compradores “reais” de alimentos).
Desregulação, especulação, aumento e volatilidade dos preços dos alimentos. A fome é política.
O Nexo Política Fome
ResponderEliminarA finança não existe por si
Depende de um sistema político que
a
sustenta
Faz hoje 255 anos que se reduziu a vida das pessoas a jogos de poder
Houve os que tinham direito a comer, direito a passar fome e direito a morrer
Quando se grita ladrões, geralmente grita-se aos ladrões que estão ao nosso nível
E há quem grite mas não se compromete fisicamente pois arrisca-se...
Os pequenos ladrões por vezes defendem-se
Os grandes não necessitam, estão protegidos pela sua dimensão
Pisou a bandeira do país? (um trapo miserável pisado por 40 gerações)e com a bandeira engoliu os recursos?
O grande diz que estava à espera que alguém o acusasse disso para o enforcar, esquartejar ou processar
O pequeno nega
A fome de uns depende da gula de outros
ResponderEliminarquando se queima milho como combustível
ou se produz álcool da cana
ou onde 8 mil milhões de tortilhas
2 megatones de grão
vão alimentar 200mil toneladas de bifes
para aparecerem em 1000milhões de refeições
a 200gramas de bife mais batatas a acompanhar
a política começa consigo
a política não são os outros
todos fazemos parte do problema
Resumindo em português prático:
ResponderEliminarOs ditos "mercados" é uma nova religião inquisidora e monopolista em que seus deuses(humanos?) se divertem a massacrar os povos com seus jogos económico-financeiros,e agora especialmente com os juros da divida aos estados ditos soberanos mas dependentes do sistema escravagista financeiro!
Gostei do 2.o comentário Jah Tah A Akbar.
ResponderEliminarAcrescento, se puder, que a evoluçäo do gráfico mostra que os preços, seja do que for, estäo mais sujeitos à ganäncia especulativa que às intempéries meteorológicas.
Triste? É apenas e só sinal do capitalismo neoliberal (logo selvagem) que se apregoa como "futuro radioso inquestionável", apesar de após 25 anos já ter falhado redondamente nos EUA e GB...
Concordo que aquele pico tem pouco de valor real, mas há aqui dois problemas.
ResponderEliminar1. Os investidores não compram cereais, mas compram futuros, logo tanto podem influenciar o preço para baixo como para cima. É preciso perceber porque apostaram na subida, e não na descida.
2. É necessário fazer ver, que quem comprou futuros quando o preço subia, se lixou totalmente quando o preço caiu. O texto dá a entender que os investidores entraram no mercado e arrasaram tudo, e se foram embora cheios de lucros.
MC,
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário, a que responderei excepcionalmente para dizer que tem toda a razão. Porém, a meu ver os seus comentários funcionam mais como complemento do que como objecção:
1) Seria efectivamente interessante e importante sabermos mais acerca das heurísticas utlizadas pelos especuladores;
2) Naturalmente, alguns especuladores ganha(ra)m e outros perde(ra)m, particularmente no jogo de soma nula que são os derivados. Mas não é preciso que todos saiam a ganhar para que o efeito sobre os consumidores finais de alimentos (particularmente os mais vulneráveis) seja devastador, como tem sido.
gostei muito deste blog visitem este é nosso :
ResponderEliminarhttp://fp-world.blogspot.com/