segunda-feira, 2 de março de 2009

Afinal, quais são as causas social-liberais?


A esquerda mínima fez uma excelente escolha: Vital Moreira (VM) como cabeça de lista. Sinceramente. Por várias razões. Aqui vão algumas.

Em primeiro lugar, VM é um distinto académico e intelectual público que sempre esteve disposto a sujar as mãos e que combina um domínio total da arte da persuasão com vastíssimos conhecimentos. Os debates vão ser esclarecidos e esclarecedores. Aprender sempre.

Em segundo lugar, VM traduz, melhor do que ninguém, o fim do desfasamento entre a ideologia e a prática política da esquerda mínima. Fica tudo mais claro: social-liberalismo, como Jorge Bateira já aqui indicou. Basta lembrar a sua apologia da falida Terceira Via ou o seu entusiástico apoio a todas as ruinosas engenharias de mercado, sobretudo através de parcerias público-privadas que asseguram a consolidação do Estado Predador, último estádio do neoliberalismo. Tudo isto pode facilitar, e muito, a tarefa da esquerda socialista e europeísta. Até porque os debates fundamentais ocorrerão aqui. A direita está bem entregue aos Borges desta vida.

Em terceiro lugar, VM tem sido uma das vozes que melhor tem revelado o desgraçado europeísmo acrítico que marcou todas as escolhas do bloco central. Ricardo Paes Mamede já aqui e aqui colocou as questões fundamentais: a fixação de VM com o “mercado interno” e com o alastramento sem fim do princípio da concorrência, que o levou, por exemplo, a saudar um inacreditável relatório onde se aconselhava a adopção total do financeirizado modelo anglo-saxónico em França, revela bem as suas opções de fundo.

VM está agora, como todos os social-liberais, em processo de rápida, mas muito parcial, revisão de crenças. Ajustamentos na margem. Na política económica ainda mal se nota. O mesmo se passa nas questões da propriedade pública ou da socialização da economia. No comércio internacional, enfim, é parte do histérico coro liberal que assentou arraiais no PS. Infelizmente, Vital Moreira, como indica Pedro Sales, decidiu agora também rever as suas decentes posições sobre as finuras na CGD. A memória é uma arma.

Em quarto lugar, temos as omissões de VM que impõem questões. Destacava uma por onde tudo o que importa começa: o trabalho e as desigualdades que aí se geram. O que pensa VM do novo código de trabalho? Não sabemos. Concordará com o seu colega Jorge Leite? Dir-me-ão que isto não é uma questão europeia, mas apenas o resultado da direitização das elites do PS. Nada mais errado. O trabalho é a questão europeia. Como diz o outro: isto está tudo ligado. Esta configuração da UE, com as suas opções de política económica e com a sua «regulação assimétrica», foi feita para desmantelar direitos laborais. O apoio entusiástico de VM ao famigerado Tratado de Lisboa, que não altera um virgula em todo este processo, aí está para demonstrar que, no essencial, nada mudou.

13 comentários:

  1. As omissões de VM vão mais longe. Como constitucionalista que diz ser, contribui para ocultar, atrás do discurso jurídico, as profundas deficiências estruturais e a natureza anti-democrática da UE.

    Vai ser deputado a um parlamento que pouco faz, que se congratula com cada competência pequenina que lhe é cedida pelos governos nacionais. Governos estes que são, na realidade, quem tudo decide, fugindo ao custo político-eleitoral, ao controlo democrático e às regras jurídicas (nomeadamente constitucionais) que impediriam boa parte das mesmíssimas decisões a nível nacional.

    Há muito para discutir, não só no plano económico, mas no plano jurídico e político, mas VM vai fugir à discussão, com o eterno argumento do "quem não é por esta UE é contra a ela".

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  2. "Governos estes que são, na realidade, quem tudo decide, fugindo ao custo político-eleitoral, ao controlo democrático e às regras jurídicas (nomeadamente constitucionais) que impediriam boa parte das mesmíssimas decisões a nível nacional."
    Mas, meu caro, os governos não são eleitos democraticamente? não são representativos da vontade popular? e, nalguns países, não serão mesmo eleitos?
    Quanto ao decidir aquilo que as regras jurídicas nacionais impediriam... deve estar a brincar!

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  3. Qual o problema de um social - liberalismo?

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  4. Eu não substimaria os neoliberais. Nunca os vi de dia mas parece que surgem à noite no ciberespaço. É preciso, como este blogue faz e bem contribuir para derrotar os seus argumentos pseudo-económicos.
    Eu deixei o meu modesto contributo contra uma recente "insurgência" em
    http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/03/as-falacias-neoliberais-proposito-de.html

    Carlos

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  5. pirolas: os governos podem ser eleitos por voto, mas dizer que eles são reflexo da vontade popular é uma falácia. Pergunte aos povos dos países europeus que se encontram na UE se aprovaram a financeirização da economia, o desmantelamento dos direitos laborais e das liberalizações e privatizações que têm assolado os destinos de todos estes povos, ou se foram os governos que á socapa iam fragilizando e precarizando a vida dos mesmos povos que os elegeram mas que palavra nenhuma tiveram nas decisões que afectaram as suas vidas?

    Ainda falta muito para chamarmos a este regime uma democracia. Pelo menos para quem acredita na democracia como a vontade soberana do povo.

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  6. Concordo. Ele é de facto o candidato da esquerda mínima. Acho, todavia, que os candidatos à sua esquerda - os cabeças de lista - vão ter de se preparar muito bem. O Vital vai fazer da sua preparação a principal arma da campanha.
    Como eu o vejo:
    http://politeiablogspotcom.blogspot.com/2009/02/escolha-de-vital-moreira.html

    http://politeiablogspotcom.blogspot.com/2009/03/ainda-escolha-de-vital-moreira.html

    JM C Pinto

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  7. Partilho o optimismo de João Rodrigues no que diz respeito a este candidato às europeias, isto porque quero mais votos para a verdadeira esquerda (aquela que quer serviços públicos, fim dos offshores, não socializa os prejuízos da banca...etc).

    Vital Moreira é o pior adversário para a esquerda na óptica do PS, como defensor irracional da Terceira Via e da governação Sócrates é mau candidato para ganhar votos à esquerda. Pior ainda se considerarmos que as eleições europeias são propícias a um voto "descomprometido" e que as pessoas se mobilizarão mais pela via punitiva do que por fortes convicções europeístas.

    Na minha opinião (descartando Manuel Alegre) João Cravinho, Ferro Rodrigues ou, até, Ana Gomes seriam elementos mais susceptíveis de captarem votos à esquerda. Principalmente Cravinho por ter apresentado propostas anti-corrupção em clara colisão com o aparelho partidário. Ou seja, este PS nunca poderia apresentar candidato que fosse uma verdadeira ameaça à esquerda, porque esses teriam necessariamente de alguma forma ter colidido com a política governamental.

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  8. A todos,

    Desculpem a minha insistência mas qual o problema de um social liberalismo?


    ComRevDe,

    "Ainda falta muito para chamarmos a este regime uma democracia"

    É verdade, mas os diferentes povos se indignam e combatem que dá um pequeno passo em tornar a união mais democratica, o que é que acha que aconteceria se a tornassemos verdadeiramente democrática?

    Já agora, para que não haja duvidas, eu defendo uma Europa federal com uma assembleia representativa. Isto é, uma assembleia em que, por exemplo, Portugal não tenha um peso excessivo como acontece actualmente. Vocês defendem o mesmo?

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  9. Pirolas,

    Falando especificamente do caso português:

    1 - o governo não é eleito directamente. Logo, se eu não votei no partido que o apoia na assembleia, ele não me representa. De acordo com a CRP, há uma série de decisões que têm de ser tomadas na assembleia, e algumas com maioria qualificada (impossibilitando que o "partido do governo" decida sozinho). Quando esse tipo de decisões são tomadas na Europa, o governo estabelece a posição que quer defender, sem nenhuma participação dos parlamentares. Mesmo a informação ao parlamento, que noutros países se faz regularmente, mediante mecanismos claramente estabelecidos, aqui quase não existe. Sabia que o Senado alemão é quem decide a posição que o governo tem que defender na Europa em assuntos de competência regional (mesmo que o governo não concorde com ela)? Em Portugal em particular, a UE é usada para fugir a obrigações jurídicas e formais, sim. E eu acho que elas são importantes para a transparência das decisões políticas e das escolhas públicas.

    - As regras jurídicas (nomeadamente constitucionais) nacionais estabelecem, por exemplo:
    - compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito;

    - É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:

    a) Estado e capacidade das pessoas;
    b) Direitos, liberdades e garantias;
    c) Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal;
    d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo;
    g) Bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural;

    São só exemplos de matérias em que a CE/UE já intervém. Uma lei que é aprovada na AR é discutida pelos representantes de todos, do PCP ao CDS. Todos conhecem o projecto, podem propor alterações, podem denunciar o que considerem errado, etc. Quando estes temas são decididos no Conselho, pelos governos, foge-se às normas nacionais (então em matérias laborais e do Estado Social é incrível), não há discussão pública e empobrece-se a democracia.

    Mais ainda: O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem tomado decisões (veja, se lhe apetecer, os Acórdãos Viking e Laval) completamente contrárias àquela que é a posição dos trabalhadores na Constituição portuguesa (goste-se ou não) em nome da liberdade de estabelecimento das empresas.

    Não tenho objecções a uma UE a sério, que tenha instituições realmente democráticas: um parlamento federal, com poderes equiparados aos dos parlamentos nacionais; um governo sujeito a fiscalização parlamentar; que o conselho desapareça e seja substituído por uma segunda câmara, com representantes dos Estados. Isto não vai acontecer, porque quem tem o poder (os governos nacionais) não o cederá voluntariamente. Pois bem, eu também não estou disposta a ceder os meus direitos, previstos na constituição, para que esta UE se aprofunde e denunciá-lo-ei sempre que puder.

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  10. Caro Anonimo,

    "com poderes equiparados aos dos parlamentos nacionais"

    e com a mesma representatividade?

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  11. Caro Stran,

    Sim. Eu não tenho objecções a um modelo federal a sério (parlamento com duas câmaras, uma com representação proporcional e outra com representantes dos Estados, em igual número independentemente do tamanho). Tenho muito poucos sentimentos nacionalistas e acho, de facto, que a UE pode ser um importante espaço de liberdade cívica e bem-estar social. Mas, no momento, ela não é nada disso. É uma instituição anti-democrática e que persegue cegamente um ideário neo-liberal que eu creio, aliás, que não é partilhado maioritariamente pelos povos europeus. As decisões mais representativas disto têm sido tomadas no Tribunal de Justiça e no BCE, órgãos sem nenhuma legitimidade nem controlo democrático.

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  12. Caro Anonimo,

    Parece que partilhamos da mesma visão para a europa! É bom saber que não estou sozinho.

    Só não partilho qa ideia de que a Europa é Anti-democrática. Não é uma verdadeira democracia, mas não é anti-democrática. Não podemos responsabilizar a estrutura da Europa pela falta de cultura democrática e etica pessoal dos nossos politicos.

    De uma vez por todas é altura de colocar a Europa na agenda dos partidos politicos, só assim (e não pela mudança artificial da estrutura) é que a europa pode se tornar mais democrática.

    Quanto ao Tribunal e ao Banco Central, elas são instituições por natureza pouco democráticas. E é um modelo copiado dos diversos Estados-Nações, no entanto é importante que os mesmos não fiquem na alçada do Parlamento (sejam os nacionais ou o europeu) para não existir concentração de poderes.

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  13. Vale acrescentar ainda que VM foi a grande cabeça do novo RJIES e das fundações nas Universidades, aquelas de direito privado...

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