Em 2004 escrevi um artigo no jornal Público intitulado 'Estado Estratega' (ver o artigo aqui). Em dado passo dizia o seguinte:
"Consciente das limitações do mercado e do Estado, mas também assumindo a sua interdependência, Manuel Alegre veio propor-nos a ideia de um "Estado estratega". Arrumando preconceitos, tanto dos defensores de sempre mais mercado, como dos nostálgicos do Estado de uma idade de ouro, parte-se do princípio que é possível combinar Estado e mercado à medida de cada situação concreta, tendo em vista o desenvolvimento da sociedade. Tal combinação de instrumentos comporta tensões e exige uma contínua reavaliação, o que decorre das limitações atrás referidas. Por outro lado, reconhecendo as interdependências entre os vários mercados (e dimensões da vida social), o que está em causa é a exigência de uma intervenção do Estado que organize essas mesmas interdependências em favor da autonomia e bem-estar do todo nacional. Daí a necessidade de uma intervenção pública de índole estratégica."
Pois bem, no Congresso do Partido Socialista, Alberto Martins, utilizou a ideia do Estado "estratego, supervisor e regulador", acrescentando que os "resultados das empresas não têm só a ver com os seus accionistas, mas com a sociedade em geral", algo que também tem sido defendido nas postas mais recentes deste blogue.
Para mim, este 'plágio' diz muito sobre quem andou quatro anos a praticar o contrário do que agora apregoa. A conjuntura de crise, e a fidelidade ao líder, obriga algumas pessoas por quem tenho respeito pessoal a dar estas cambalhotas. Sem qualquer pudor.
Caro Jorge Bateira, o que vale é que o “plágio” na política fica curto. Avalia-se pela praxis. Estado estratega e supervisor – lá dizem eles... Em quê? No sector financeiro? Na transparência -e priorização- do investimento público? Na democratização do Estado?
ResponderEliminarFalta de pudor, cambalhota, crise de identidade. Tudo isso acompanhado pela criação de alguns mitos, tais como:
- “A viragem do PS à esquerda” (por acaso até inclui uma meia verdade: que governa à direita)
- “ Sem a maioria absoluta do PS, o país torna-se ingovernável” (Aprés nous, le déluge!)
- “O crescimento da Esquerda à esquerda põe em risco a democracia portuguesa” (típico de um comentador esponjoso do centrão para quem o PS é esquerda)
É preciso derrubar estes mitos!
Nem o país sai da cepa torta, nem as expectativas para a grande maioria dos portugueses, especialmente o das gerações mais novas, são palpáveis.
-Ou ando muito confundido ou há gente que adora pôr se em bicos de pés... utiliza o plagio e depois diz-se plagiada. O que lhes vale é o autor ter morrido. -Seria lindo ver esta gente toda processada por "PLAGIO"
ResponderEliminarConvido os doutos comentadores a não se precipitarem.
ResponderEliminarPrimeiro,era bom que procurassem saber quem foi o responsável no seio da comissão que elaborou o texto que viria a ser moção de Alegre, pelas partes em que se recorreu ao conceito de Estado-Estratega.
Segundo, será bom lembrar que essa noção fora em França suficientemente difundida para integrar títulos de livros, ainda nos anos 90.
Terceiro,embora na campanha de 2004 Alegre se tenha entusiasmado com ele, estamos longe de estar perante um conceito que, em si próprio,implique necessariamente uma perspectiva de esquerda. Ou será que o Sr. Bayrou se tornou num expoente da esquerda europeia?
Enfim, desta vez um dos ladrões de bicicletas teve uma saída em falso...de polícia.
Uma pequena precisão apenas, na linha do que foi dito no comentário anterior. Efectivamente o tratamento da adjectivação prolífica do Estado nos últimos anos não é novo. Em termos de teoria do Estado e do direito constitucional,por exemplo, noções como as de "Estado estratega", "propulsor", "supervisor", "de saberes e competências", etc. foram introduzidas (e/ou traduzidas) pelo Doutor Gomes Canotilho, a partir sobretudo de sugestões francesas e alemãs.
ResponderEliminarLuís Meneses do Vale
Caros leitores,
ResponderEliminarEsta posta chama a atenção para um facto político incontornável: um destacado apoiante de Manuel Alegre no confronto eleitoral com José Sócrates para o cargo de secretário-geral, responsável pela introdução da expressão "estado estratego" na respectiva moção, aceitou ocupar um lugar de primeira linha na defesa de um governo que assumiu os princípios básicos do neoliberalismo na economia e nos serviços públicos (ver meu artigo no Le Monde Diplomatique, "Autópsia a um reformismo iluminado").
Os comentários que se distraem com a pseudo-questão do 'plágio' do conceito fogem à questão que suscitei. Não assumem que estamos perante um plágio político (agora sem aspas). Em vésperas de eleições, face a uma crise que estragou os planos de Sócrates, deu jeito virar a retórica à esquerda, como se ninguém tivesse memória do que foi o Partido Socialista durante esta legislatura. Sem qualquer pudor.
É só isto. Para alguns, será difícil reconhecer o facto. Até a mim me custa.
Nota: Reitero que a ideia de estado estratega (alguns autores anglo-saxónicos usam a expressão 'developmental state') é parte (apenas parte) da actual visão da esquerda socialista quanto à relação do Estado com a economia. Mas essa discussão terá de ficar para outra altura. Remeto os interessados para um outro artigo no Le Monde Diplomatique, "Política de inovação - a crise como oportunidade".