segunda-feira, 30 de junho de 2025

Manifesto


Todos os dias vemos crianças, mulheres e homens a serem mortas em direto e nada é feito pela chamada “comunidade internacional”. 

Todos os dias vemos palestinianos famintos a ir buscar comida a uma entidade dirigida pelo exército israelita e pelos Estados Unidos da América e regressar às suas famílias de mãos vazias, desmembrados ou mortos. 

Na União Europeia dizem que “Israel tem o direito a defender-se”, e ninguém põe fim a este Genocídio. 

Em 2003, milhões de pessoas saíram às ruas em centenas cidades de todo o mundo erguendo a voz contra a invasão do Iraque, desencadeada com o pretexto de que o país tinha armas de destruição maciça. 

O resto do manifesto pode ser lido e subscrito no site da Iniciativa dos Comuns. Todos somos poucos no combate anti-imperialista pela paz, pela liberdade e pelo Estado social.

Os juros tinham de subir para travar a inflação?

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O fórum do Banco Central Europeu (BCE) começa esta segunda-feira em Sintra. A reunião anual acontece numa altura em que se discute se o banco central deve continuar a baixar as taxas de juro, uma vez que a inflação se encontra controlada, ou se vai fazer uma pausa, tendo em conta a incerteza sobre o impacto das tarifas na economia europeia.

Para saber se os juros devem ou não descer, é preciso perceber porque é que subiram inicialmente. Desde que, em 2022, a inflação começou a aumentar e atingiu valores a que não estávamos habituados, a prioridade expressa pelos bancos centrais foi a de fazer com que esta regressasse aos 2%. Este é o “alvo” que a maioria dos bancos centrais define e em torno do qual se centra o seu mandato: tomar as medidas necessárias para garantir que o ritmo de aumento dos preços não é superior (ou, nalguns casos, inferior) a 2%, pelo menos durante muito tempo.

A resposta adotada pela maioria dos bancos centrais passou pelo aumento das taxas de juro. Os juros subiram de forma substancial ao longo de 2022 e 2023, atingindo 4,5% na Zona Euro e mais de 5% nos EUA e no Reino Unido, depois de um longo período em que tinham sido mantidos em valores muito próximos de 0%.


A partir de 2023, a taxa de inflação diminuiu a um ritmo semelhante ao que tinha registado durante o período de subida. Na Zona Euro, a taxa de inflação já regressou ao alvo dos 2% e, para já, não parece haver sinais para alarme. Esta descida tem sido lida como um sinal de sucesso da política monetária. No entanto, o papel da política monetária neste processo é bastante discutível - não só pela eficácia duvidosa, mas também pelos impactos desiguais provocados.

Fonte: Bloomberg

Porque é que os juros aumentaram?

Os bancos centrais atuam com base no pressuposto de que as pressões inflacionistas resultam de um excesso de procura na economia. Se, num determinado momento, existe um aumento da despesa pública ou uma subida excessiva dos salários (e, em consequência, do consumo) e passa a haver demasiada procura para a oferta existente, isso provoca uma pressão sobre as empresas para aumentar os preços.

Neste caso, costuma dizer-se que a economia está “sobreaquecida”. A subida das taxas de juro tem como principal objetivo arrefecê-la: ao subir os juros, os bancos centrais tornam mais caro o recurso ao crédito, o que se pressupõe que dificulta o acesso a empréstimos por parte das empresas e, por isso, acaba por reduzir o investimento. A ideia passa por comprimir a atividade económica (e o emprego) de forma a estancar as pressões inflacionistas.

O problema desta abordagem é que é cega em relação às origens da inflação. As pressões inflacionistas podem não ser motivadas por problemas do lado da procura, mas sim da oferta. E é isso que sugerem os dados disponíveis sobre os últimos anos, tanto nos EUA como na Zona Euro: sem sinais de excesso de procura, o que motivou a subida inicial dos preços da energia, que depois se alastraram ao resto das atividades económicas que a utilizam, foram os constrangimentos da oferta provocados pelas medidas de confinamento e pela guerra na Ucrânia, que fez disparar os preços do petróleo e do gás.

Fonte: QERY, com base em dados do Eurostat

É difícil perceber que papel desempenhou a política monetária na descida da taxa de inflação para valores próximos dos 2%. A redução da pressão sobre os preços não aconteceu por via do arrefecimento da economia e do mercado de trabalho, visto que, durante a subida e a descida da taxa de inflação, tanto o desemprego como o rácio de ofertas de emprego (job vacancy ratio) mantiveram-se essencialmente inalterados. O que se verificou foi uma descida dos preços da energia e uma diminuição dos constrangimentos do lado da oferta, o que pode ajudar a explicar porque é que a redução da inflação aconteceu também em países onde o banco central não aumentou a taxa de juro diretora, como o Japão.

Aumentar as taxas de juro não tem nenhum efeito óbvio sobre os preços da energia. Como escreveu Joseph Stiglitz, “a desinflação ocorreu apesar das ações dos bancos centrais e não por causa delas”. No entanto, o mandato dos bancos centrais determina que utilizem o único instrumento de que dispõem. Para quem só tem um martelo, todos os problemas parecem pregos.

Porque é que o alvo são os 2%?

Ainda que o mandato dos bancos centrais não seja igual em todo o lado, o alvo dos 2% é oficial em mais de 60 países por todo o mundo. A pergunta óbvia é: de onde é que veio este número? Ao contrário do que se possa pensar, o alvo não foi definido por nenhuma das maiores potências económicas que hoje o adotam, como os EUA, a Zona Euro, o Reino Unido ou o Japão. O primeiro país a adotar formalmente os 2% de inflação como alvo do banco central foi a Nova Zelândia, em 1989. E a história de como se chegou ao valor é ainda mais surpreendente.

A Nova Zelândia - à semelhança do resto do mundo - enfrentava níveis de inflação elevados após os choques petrolíferos da década de 1970. O presidente do banco central, Don Brash, e o ministro das Finanças, David Caygill, receberam instruções para definir um alvo para a inflação. Durante este processo, um ex-ministro das Finanças do país disse publicamente que o governo pretendia garantir que a inflação se fixasse entre 0% e 1%. Como Brash explicou mais tarde, “Foi quase uma frase ao calhas […] o número surgiu do nada para influenciar as expectativas na opinião pública”. A verdade é que teve impacto no processo de decisão. Brash e Caygill consideraram que seria melhor ter uma margem de manobra ligeiramente maior e acabaram por definir o alvo do banco central nos 2%. A taxa de inflação da Nova Zelândia atingiu esse valor ao fim de dois anos e o alvo começou a ser adotado por países como o Canadá ou o Reino Unido, tendo depois sido generalizado.

Não havia nenhuma justificação económica para o alvo dos 2%, como os próprios intervenientes reconhecem. Este número não é o resultado de nenhum estudo académico ou de cálculos rigorosos. Foi um número que “caiu do céu” e se tornou a norma adotada pela maioria dos países.

Desde então, tem havido várias tentativas de encontrar evidências para justificar o alvo dos 2%. Uma das ideias é a de que a inflação constitui um entrave ao crescimento. Contudo, não é isso que a história das economias sugere. A história mostra que níveis de inflação relativamente mais altos estão associados a períodos de crescimento real mais robusto. A investigação de Robert Pollin e Hannae Bouazza, investigadores na Universidade de Amherst (EUA) que analisaram uma amostra de 130 países ao longo de seis décadas, sugere que o crescimento das economias é superior quando a inflação se encontra entre 4% e 5%.

Mesmo olhando apenas para os 37 países classificados pelo Banco Mundial como sendo de “rendimento elevado”, com PIB per capita superior, o resultado é semelhante: as economias tendem a crescer mais (em termos reais) quando a inflação é relativamente superior a 2%. Se este fosse o critério, não faria sentido fixar limites tão baixos para a inflação.

Fonte: The American Prospect, com base na investigação de Pollin e Bouazza

Ou seja: a política monetária dos últimos anos foi definida com base em pressupostos discutíveis sobre a origem da inflação e o seu principal objetivo é atingir um alvo para o qual não existe uma justificação teórica sólida. Assim, resta perceber porque é que não se consideraram alternativas a esta política.

Quem é que define a política monetária?

Desde a década de 1970, na maioria dos países, a política monetária passou a ser definida por bancos centrais independentes do poder político. A ideia era impedir que os governos interferissem no objetivo de garantir estabilidade de preços. Este paradigma baseou-se nas hipóteses de que existe uma relação inversa entre o desemprego e a taxa de inflação (uma relação que ficou conhecida como a “curva de Phillips”) e de que os políticos teriam tendência para querer reduzir o desemprego, sacrificando a estabilidade de preços por motivos eleitorais.

Se os trabalhadores começassem a esperar níveis de inflação mais elevados no futuro, começariam a exigir maiores aumentos salariais, levando as empresas a aumentar os preços para poderem manter as suas margens, e assim sucessivamente. O resultado seria uma espiral inflacionista. Como o risco de deixar a política monetária nas mãos dos governos era demasiado grande, a conclusão é que seria melhor entregá-la a instituições formalmente independentes.

O facto da inflação ter diminuído nas décadas seguintes foi visto como prova do sucesso da independência dos bancos centrais. No entanto, alguns estudos (aqui ou aqui) têm demonstrado que não é possível estabelecer uma relação entre as duas coisas. Há bons motivos para crer que outros fatores foram determinantes: a moderação da inflação esteve associada à globalização, que permitiu o acesso a matérias-primas e produtos baratos, e com a supressão do poder negocial dos trabalhadores, que levou à estagnação dos salários.

A verdade é que, nas últimas décadas, a relação entre o desemprego e a inflação parece-se cada vez menos com a hipótese da curva de Phillips. Recentemente, um estudo de dois economistas da Reserva Federal dos EUA, intitulado “Quem Matou a Curva de Phillips? Um Mistério Policial”, debruçou-se sobre este fenómeno e concluiu que a quebra da relação inversa entre as variáveis se deveu à erosão do poder negocial do trabalho. Ou seja, menores níveis de desemprego não levam necessariamente a mais inflação.

Além disso, na década que se seguiu à crise financeira de 2007-08, o BCE reduziu as taxas de juro para valores próximos de 0% com o objetivo de estimular a economia e isso não se traduziu num aumento da inflação, o que põe em causa a ideia de que existe uma relação direta entre as taxas de juro e a evolução dos preços.


Pode tirar-se a política da política monetária?

O grande problema da suposta “independência” dos bancos centrais está em assumir que as decisões sobre as taxas de juro são de natureza técnica ou científica e que as opções de política monetária são neutras, quando não são. A política monetária, tal como a política orçamental, é política: depende de pressupostos discutíveis e de avaliações sobre os custos e os benefícios da inflação.

A subida das taxas de juro afeta de forma diferente grupos diferentes. Por um lado, tende a prejudicar quem tem dívidas e paga juros, penalizando sobretudo os que se encontram nos escalões de rendimento mais baixos, e a beneficiar os credores e/ou detentores de ativos financeiros, tipicamente nos escalões mais altos. Por outro lado, se comprimir a atividade económica e aumentar o desemprego, que atinge primeiro os trabalhos mais precários e com piores salários, também prejudica quem ganha menos.

Ao definir um alvo demasiado baixo para a inflação considerada aceitável, os bancos centrais são mandatados para aplicar uma política de subida dos juros que não afeta todos da mesma maneira. No caso da Zona Euro, as decisões do BCE não só afetam de forma diferente grupos sociais diferentes, como têm impactos diferentes nos diferentes países. A subida das taxas de juro, que fez aumentar as prestações dos empréstimos à habitação, levou a maior perda de poder de compra nos países com maior peso dos empréstimos a taxas variáveis. Portugal foi o país onde as famílias foram mais afetadas pela subida dos juros e das prestações das casas, segundo um estudo do FMI.

Não existe verdadeira independência quando a atuação dos bancos centrais não é neutra. O historiador económico Adam Tooze resume-o: "As hipóteses sobre a economia nunca foram mais que uma interpretação parcial da realidade. A visão alarmista [sobre a espiral inflacionista] não era tanto uma descrição da realidade, mas sim um meio de impor a disciplina de mercado". As decisões sobre a política monetária assentam em pressupostos discutíveis e não afetam todos os grupos da mesma forma, o que implica que não podem ser tomadas à margem da democracia.

Apoio António Filipe


Fiquei mesmo contente com o anúncio da candidatura presidencial de António Filipe. É que há tantas, mas tantas, razões para um apoio. Deixo apenas meia dúzia. 

Em primeiro lugar, num quadro de candidaturas tão perigosas quanto de direita, aparece no tempo certo a candidatura que se lhes opõe, a do campo democrático e da paz. 

Em segundo lugar, António Filipe encarna a razão comunista e o iluminismo radical na prática política presidencial, sendo fiel a uma tradição, mas não se deixando circunscrever por ela, alargando um campo imprescindível. 

Em terceiro lugar, o jurista estudioso conhece muito bem a Constituição da República Portuguesa que tantos apoucam, sabendo interpretar como ninguém a definição: “garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas”. 

Em quarto lugar, foi um parlamentar íntegro e competente durante décadas, respeitado por todos, como se viu quando assumiu interinamente as funções de Presidente da Assembleia da República, e a Presidência exige um percurso com provas feitas e dadas

Em quinto lugar, António Filipe é um homem culto politicamente, da melhor cultura antifascista, sabendo bem que se trata de resistir, começando nos locais onde se trabalha, onde cria tudo o que tem valor, mas também de propor com esperança, começando pelo poder da palavra dada e honrada. 

Finalmente, António Filipe é um homem bom, bastando olhar e ver.

Passado

O PS já tinha perdido o S de socialista há muito. Agora, com Carneiro, perderá o P de Partido. 

No seu melhor, teve momentos social-democratas; no seu normal, foi conivente com neoliberalismo pelo menos desde 1983, tendo de resto o recorde de privatizações neste país e responsabilidade pesada pela queda na armadilha do euro. 

Aposto que já podemos começar a falar no passado. Seja qual for o destino prático do chamado PS, a social-democracia não passará por quem, por ação ou omissão, defende a corrida armamentista que vai erodir decisivamente o Estado social.

Há sempre dinheiro


Em Portugal, não há dinheiro para as pessoas terem casa, não há dinheiro para investir na saúde, não há dinheiro para melhorar a qualidade de vida. Mas há dinheiro para baixar impostos dos ricos, para esbanjar a mando de Trump e comprar armas estimulando a economia dos EUA. 

Pedro Prola não costuma falhar. É um intelectual brasileiro, militante do PT e coordenador do seu núcleo de Lisboa, que nos mostra como a social-democracia a sul não está contaminada pelo vírus eurocêntrico liberal. E isto ao contrário do que acontece por aqui, dentro e fora do PS. 

Prola cultiva um internacionalismo que começa pela identificação do sistema imperialista, comandado pelos EUA, como inimigo principal dos povos e da autodeterminação coletiva, primeiro direito humano, condição necessária para todos os outros direitos. 

Pela minha parte, lembro a regra número um numa economia monetária de produção capitalista: há sempre dinheiro, sobretudo para o que a classe dominante acha útil e que geralmente é inútil para a maioria. 

A combinação entre duas teorias práticas, mesmo, ou se calhar sobretudo, nas suas versões mais simples – teoria marxista e teoria monetária moderna –, permite conhecer as regras deste jogo enviesado e a forma como podemos jogar outros jogos.

sábado, 28 de junho de 2025

Da falsa propaganda do rearmamento


«A falsa propaganda de rearmamento cria a vã ilusão de que a supremacia resolve os problemas ao alimentar o ódio e a vingança. (...) O meu coração sangra quando penso na Ucrânia, na situação trágica e desumana em Gaza e no Médio Oriente, devastado pela expansão da guerra. (...) A força do direito internacional e do direito humanitário já não parece vinculativa, substituída pelo suposto direito de obrigar os outros pela força. (...) Isto é indigno da humanidade, vergonhoso para a humanidade e para os responsáveis destas nações. Como se pode acreditar, depois de séculos de história, que as guerras trazem a paz e que não se voltam contra aqueles que as travam? Como se pode pensar em lançar as bases para o amanhã sem coesão, sem uma visão global impulsionada pelo bem comum? (...) As pessoas desconhecem cada vez mais a quantidade de dinheiro que acaba nos bolsos dos mercadores da morte, com o qual se poderiam construir hospitais e escolas, e, em vez disso, os já construídos são destruídos».

Na senda de Francisco, Leão XIV a recusar juntar a sua voz ao transe bélico perigoso, irresponsável e desumano em curso.

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Antifascista


Este livro reúne, por ordem cronológica invertida, cinco ensaios, sendo inédito apenas o primeiro – A economia política do antifascismo –, com destaque no título do livro. Os quatro ensaios restantes foram publicados entre 2018 e 2024, em revistas ou capítulos de livros, tendo merecido uma revisão posterior, no contexto da presente publicação, beneficiando dos comentários de Francisco Melo e de Rui Mota, a quem muito agradeço. De resto, sem o estímulo de Rui Mota para publicar na editora Página a Página, não creio que tivesse alimentado a expetativa de a sua compilação poder dar origem a um todo que é diferente da soma das partes, cabendo ao leitor decidir se é mais do que essa soma. Vamos, então, por partes.

Assim começa um livro que irá para a gráfica em breve e que será apresentado na Festa do Avante. Argumento que a lógica antifascista se traduz intelectualmente numa aliança entre o marxismo e o keynesianismo progressista, num quadro soberanista que desafie o mercado único e a moeda única, levando a sério a ideia de economia mista plasmada na nossa Constituição.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Hoje e sempre


Soube, graças a Alexandre Hoffman Castela, que o imortal Salvador Allende faz hoje anos, 117 anos. Parabéns, Presidente, hoje e sempre. Tenho há anos uma fotografia dele, com Neruda, em A3, o que agradeceu ao Partido por não terminar nele mesmo, amor comunista em estado puro. 

Comprei a foto numa banca do heróico Partido Comunista Chileno na Festa do Avante. Hoje, pedi para me fazerem uma moldura. Vai para a sala. Nunca fui e talvez nunca irei ao querido Chile, é do outro lado do mundo. Simplesmente, sou internacionalista e lembro os heróis desta grande tradição.

Obcecado, obsesionado, obsédé, obsessed


Em resposta às críticas que lhe dirigi em o Anti-da-Silva, Francisco Mendes da Silva chamou-me “obcecados” no Twitter, assim no plural. Antes, tinha-se armado ao pingarelho, com uns jornais cuidadosamente dispostos, toda uma mise-en-scène

“Beria da Beira” é outro argumento, digamos, com a sua piada mas que me sobrestima. É que é tudo embaraçosamente público, basta a memória: o principal, de que não me desvio, é mesmo o seu apoio ao colonialismo genocida. 

Entretanto, e curiosamente, “obsessão” é uma palavra que tem surgido na propaganda colonialista sionista, mais recentemente para apoucar os que denunciam o genocídio e os que o apoiaram. 

Por exemplo, o Público, que também perdeu todas as referências ético-políticas, trazia um artigo de opinião aberto, de teor nazi-sionista, puro lixo a céu aberto, onde se falava precisamente de “ativistas obcecados”. 

A palavra repete-se em estrangeiro: obsesionado, obsédé, obsessed. Sabemos bem da esmagadora máquina de propaganda internacional de “Israel”, aqui e ali exposta por jornalistas corajosas, como Alexandra Lucas Coelho. 

Se quisesse, por exemplo, acho que podia ter ido lá de graça e tudo, naquelas viagens de “formação”. Podia ter sido, quiçá, o início de uma relação lucrativa, mas não há nada como olhar-me ao espelho, à noite, com a consciência tranquila. 

Há muitos académicos e outros intelectuais públicos a soldo, jornalistas, advogados e assim, isso é certo, sobretudo os que vão à televisão. Há de certeza manuais de “argumentação” que são distribuídos, etc. Sei que os EUA assim procedem e o Estado colonialista é um posto avançado do sistema imperialista.

Pena é que não haja praticamente jornalismo de investigação em Portugal.

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Sexta-feira, na Figueira da Foz


Integrado no Ciclo Cidade Aberta, dinamizado pelo Grupo Habitar - Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional, realiza-se na próxima sexta-feira, na Figueira da Foz, um debate sobre o «Papel da Sociedade Civil na Construção do Habitar Colectivo» e na dinamização de políticas urbanas e territoriais. Participarei na sessão, moderada por Carlos Figueiredo, juntamente com Rui Fernandes (arquitecto), Teresa Pedrosa e Pedro Bingre do Amaral (engenheiro). O debate/conversa tem lugar no Pequeno Auditório do Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz (CAE), a partir das 16h00. Estão todos convidados.

Sabujice militarista


Este cerimonial vebleniano de vassalagem e de pagamento de tributo surpreende zero pessoas. Fica aqui, contudo, para memória futura.

Na crise de 2010-11, Espanha lá evitou a intervenção golpista da troika.

Nesta aventura militarista, fuga para a frente de capitalismos nacionais pressionados pela emergência da China, Espanha tenta resistir à rendição externa total.


Ao contrário, sem tugir nem mugir, no nosso país, a incapacidade, o egoísmo carreirista, a cobardia e europeísmo cego do extremo-centro, acomoda-se ao keynesianismo militar da direita e da extrema direita, que nesta política encontra o consentimento externamente produzido para a privatização do que resta das funções sociais do Estado e das nossas pensões.

Obedecer aos norte-americanos é o programa de sempre e, para mais, esta sua Administração tem razões para se recusar a continuar a alimentar o gordo superávite da Alemanha, uma política comercial agressiva para os seus parceiros comerciais e regressiva para os seus trabalhadores que assim se veem privados de consumir o que produzem, um superávite que nem os limites da União Europeia respeita.


Face à falência do modelo germânico de brutal contenção da procura interna, exportação de bens e desemprego com base em energia barata que os americanos tornaram cara com o seu aplauso, todos pagamos para reconverter a sua moribunda indústria automóvel em indústria militar. O tributo exigido pelos EUA em compra de equipamento militar também é a compensação que estes exigem pela prática comercial mercantilista da Alemanha. Eles abusam do comércio externo, a factura é a dividir.


Para estes golpistas da alegada ordem baseada em regras, que os tratados da UE proíbam especificamente que o orçamento comum seja utilizado para “despesas decorrentes de operações com implicações militares ou de defesa” é um detalhe sem qualquer importância.

Entretanto, o Conselho Orçamental Europeu (já sabiam como se auto-designam agora aqueles que de facto mandam no orçamento do Estado português?) já anunciou que “[f]lexibilidade na defesa não deve ser atalho para um orçamento expansionista” e “diz aos governos para começarem a apresentar estratégias para, a médio prazo, compensarem o esforço com defesa com a realocação de outras despesas”, leia-se corte da despesa pública não militar.

Mais despesa militar, igual distópico ordenamento europeu das contas alegadamente certas, necessidade de pagar 30 mil milhões de euros por ano do empréstimo pandémico, mesmo orçamento da UE limitado a cerca de 200 mil milhões, recusa da Alemanha, surda para o idealismo sem qualquer base material de Rui Tavares e outros fãs de uma UE que não existe, em aumentar a sua contribuição para aquele orçamento e de permitir mais endividamento comum, resta a austeridade bélica em que vamos viver enquanto esta política não for derrotada.

Tudo isto enquanto, sob um manto de quase invisibilidade no debate público, de forma totalmente arbitrária, bancos centrais paulatinamente transferem milhares de milhões de recursos públicos para os bancos privados, o que aumenta a pressão para cortar na restante despesa pública não militar.

“Os políticos de extrema direita, Ted Cruz e Nigel Farage, querem cortar os enormes subsídios concedidos aos bancos pelos bancos centrais. É lamentável que os políticos tradicionais permaneçam em silêncio sobre este escândalo. Não é a primeira vez que permitem que a extrema direita ganhe pontos”, afirma Paul de Grauwe.

É mesmo necessário recusar esta UE e a bajulice ao sistema imperial de que esta é parte subordinada. Não o fazer é aceitar que não há alternativa a este caos liberal até dizer chega.

Capacidade intelectual e cansaço político

Miguel Costa Matos é um jovem e capaz intelectual social-democrata, o que torna os impasses do seu último artigo particularmente instrutivos. 

Em primeiro lugar, indica que “Gaza e Ucrânia não eram, pelos vistos, guerra suficiente”. Gaza não é uma guerra, é um genocídio de um povo desgraçadamente indefeso perpetrado por uma potência nuclear. 

Em segundo lugar, faz com que tudo pareça responsabilidade de Trump. Por isso, é preciso recordar, entre muitas outras: Biden, em linha com a sua história de décadas de alinhamento intransigente com o colonialismo sionista, apoiou o genocídio e continuou a política trumpista de cerco à China. Confirma-se que o sistema imperialista, comandado pelos EUA, é, bom, sistémico, do complexo-militar industrial, servido por centenas de bases no estrangeiro, ao dólar ainda hegemónico.


Em terceiro lugar, defende que o que podemos designar por “geopolítica do caos”, e isto porque me lembrei de um livro premonitório de Ignacio Ramonet dos anos 1990, é também o resultado “do enfraquecimento do poder do ocidente”. Na realidade, foi antes o resultado do exercício unilateral desse mesmo poder no interlúdio unipolar, depois da catastrófica derrota da União Soviética, com o desaparecimento do campo socialista, freio e contrapeso. 

Em quarto lugar, pergunta: “E a Europa? Esse projeto de paz, esse continente de valores?” O que dizer desta ilusão teimosa sobre a UE, sempre equivocadamente sinónimo de Europa? Teria sido uma ideia interessante, lembrando a ironia de Gandhi. 

Em quinto lugar, tem lugar a complacência: “o mesmo Mark Rutte que era tão frugal há uns meses como primeiro-ministro holandês, hoje ordena os aliados europeus a gastarem 5% do seu PIB em defesa – resta saber com que consequência para o investimento no Estado Social ou na transição climática”. Costa Matos tem a obrigação de conhecer muito bem a consequência da vassalagem por mensagem do telemóvel de Rutte e tudo. 

Não me apetece chegar à meia dúzia de lugares, porque há um dever qualquer de tentar fazer não sei bem que ponte com esta social-democracia politicamente cansada. Podemos estar todos mais ou menos cansados nesta periferia sem soberania, na realidade, mas há quem não se renda. Concordemos então com a última frase do seu artigo: “Oxalá Guterres, fiel faroleiro do mundo, não se canse também”.

terça-feira, 24 de junho de 2025

Sem precedentes

O INE divulgou ontem o Índice de Preços da Habitação (IPH) para o 1º trimestre de 2025. Tal como assinala Rafaela Burd Relvas no Público, foram atingidos «novos marcos históricos» desde de que há dados publicados (2009). De facto, registou-se não só o valor mais elevado deste indicador (247,1) em toda a série (base 100 em 2015), como estamos perante valores de variação homóloga (+16,3%) e face ao trimestre anterior (+4,8%) sem precedentes.

Confirma-se e reforça-se, portanto, a tendência de aceleração do aumento dos preços da habitação desde que a AD assumiu funções, em resultado da aposta reforçada na subsidiação da procura (que a própria ministra Balseiro Lopes admitiu poder vir a «fazer subir o preço das casas») e da revogação dos parcos instrumentos de regulação protetora dos interesses da maioria que tinham sido entretanto adotados, invertendo-se assim uma fase em que o ritmo de subida dos preços estava a abrandar.


Quanto mais terão ainda que subir os preços para que se perceba que apenas «construir mais» - a solução milagrosa em que se insiste, parte de um diagnóstico errado (a crise não se resume a uma mera falta de casas), como fica claro quando se olha para o problema à escala europeia? Quantos mais bairros de barracas terão de surgir nas áreas metropolitanas - ou quanto mais é preciso que os preços das casas se distanciem dos rendimentos das famílias - para assumir, finalmente, que sem medidas robustas de regulação do mercado a crise só tenderá a agravar-se ainda mais?

Também não tens sentido o crescimento da economia?

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Nos últimos anos, a economia portuguesa tem crescido às taxas mais elevadas da sua história recente. Entre 2022 e 2024, o PIB cresceu a uma taxa média anual de mais de 4% (em termos reais), bem acima da taxa média anual de menos de 1% registada entre 2000 e 2019. A taxa de desemprego tem-se mantido em torno dos 6% e o país conseguiu contrariar o défice crónico na balança comercial - o que significava que gastávamos mais em importações do que aquilo que recebíamos pelas exportações - e passámos para a situação inversa, registando excedentes comerciais.

Os números da economia sugerem um cenário positivo e, a nível internacional, Portugal tem sido descrito como um caso de sucesso económico. O indicador que mais impressiona é o dos salários reais - isto é, a evolução dos salários descontando a inflação. O salário médio real registou uma quebra de 4% em 2022, quando a inflação atingiu o pico, mas a tendência inverteu-se depois: subiu 2,3% em 2023 e 3,8% em 2024, o que tem sido visto como sinal de que já se recuperou o poder de compra.

No entanto, o custo de vida e a subida dos preços continuam a ser, a par da saúde, a principal preocupação dos portugueses, de acordo com o último Eurobarómetro do Parlamento Europeu. Parece haver uma discrepância entre os indicadores oficiais e a experiência de boa parte das pessoas. Este texto discute três aspetos que ajudam a explicar porque é que o crescimento da economia não se reflete necessariamente na qualidade de vida de muitas pessoas: o modelo de crescimento que temos, o aumento (subestimado) do custo de vida e o desinvestimento público.

Que economia é que cresce?

O primeiro aspeto a ter com conta é o tipo de crescimento que temos tido nos últimos anos. O crescimento do PIB tem sido alavancado pelo desempenho extraordinário do setor do turismo, que tem batido sucessivos recordes de receitas. O peso do turismo passou de 6,9% do VAB em 2016 para 9,1% em 2023 e atingiu máximos históricos. Além disso, o setor é responsável por uma parte significativa do aumento das exportações do país, ajudando a explicar o excedente externo.

No entanto, mais importante do que olhar para os números do crescimento é perceber de que forma se distribuem os ganhos. Embora o turismo seja responsável por boa parte da criação de emprego na última década, é preciso ter em conta o tipo de emprego de que estamos a falar. O setor do alojamento e restauração tem o 2º salário médio mais baixo do país, de acordo com os dados do INE. Mais de 40% dos trabalhadores do setor recebem o salário mínimo. Apesar das receitas recorde, o turismo representa emprego essencialmente precário e mal pago.

Face à enorme quebra da produção industrial nas últimas duas décadas – a maior entre os países da União Europeia –, o país encontra-se cada vez mais dependente do turismo e de serviços associados. Como consequência deste modelo de crescimento, a percentagem de trabalhadores a receber o salário mínimo tem aumentado e Portugal é o país da UE em que o salário mínimo se encontra mais próximo do salário mediano.


O crescimento tem um preço?

A expansão do turismo tem outros efeitos para o resto do país e a crise da habitação é o exemplo mais evidente. Entre 2014 e 2024, o preço das casas em Portugal subiu mais de 135%, enquanto o salário médio cresceu apenas 36%. A recomposição da oferta de casas para satisfazer a procura turística, nomeadamente através da expansão do alojamento local nas cidades, contribuiu para o aumento dos preços, a par do investimento estrangeiro e dos incentivos fiscais para residentes não-habituais.

Tanto no caso de quem arrenda casa e paga uma renda ao senhorio, como no caso de quem comprou e paga uma prestação ao banco, os custos da habitação são normalmente a maior fatia das despesas do mês. A habitação representa mais de um terço da despesa média das famílias em Portugal, de acordo com os dados do INE. No entanto, o índice que usamos para medir a inflação - o Índice de Preços no Consumidor (IPC) - não inclui a despesa com prestações e atribui um peso reduzido à despesa com a renda, a água, a eletricidade e o gás (em torno dos 10% do orçamento familiar). Isto significa que o IPC, que é usado para medir a evolução dos salários reais e do poder de compra, subestima de forma significativa o aumento do custo de vida.

Desde 2021, a prestação média para aquisição de habitação em Portugal aumentou 80%, passando de menos de €250 para mais de €440. No caso das rendas, o valor mediano cobrado pelos senhorios nos novos contratos subiu 32% neste período (e a subida foi superior nas regiões de Lisboa, Porto e Algarve). Em ambos os casos, o indicador que usamos para medir a inflação subestima o aumento do custo de vida.


As limitações do indicador da inflação não são apenas detalhes técnicos: o IPC é o referencial usado nas negociações salariais entre empresas e sindicatos e na atualização das pensões e de outros apoios sociais. Se o indicador subestima o aumento do custo de vida, leva a aumentos mais baixos do que os que seriam necessários para compensar a subida dos preços.

O barato sai caro

A crise do custo de vida é agravada pelo desinvestimento do Estado. Ao longo da última década, Portugal registou os níveis mais baixos de investimento público da história recente e foi o segundo país da União Europeia em que o Estado menos investiu em percentagem do PIB, em nome da prioridade dada à obtenção de excedentes orçamentais.


O desinvestimento tem um impacto direto no custo de vida. O encerramento de urgências e o aumento das listas de espera no SNS leva muitas pessoas a recorrer aos hospitais privados e a suportar as despesas, à semelhança do que acontece na área dos cuidados, pela ausência de uma rede pública de creches e de prestação pública da assistência aos idosos ou pessoas com deficiência a preços acessíveis. Os comboios e autocarros sobrelotados levam a que, para muitos, não haja alternativa a usar o carro (com os custos do combustível associados). Na habitação, as dificuldades de acesso são agravadas pelo subinvestimento em habitação pública, que continua a representar uma fração ínfima do mercado, ao contrário do que acontece em vários países europeus.

A descida dos impostos aprovada no último ano não só não compensa a subida dos custos destes serviços, como beneficia essencialmente quem ganha mais (e menos precisa). O outro lado da moeda das reduções de impostos é a quebra da receita com que se poderiam financiar os serviços públicos disponíveis para todos.

Não estamos todos no mesmo ferry

Por último, é preciso olhar para os impactos que o crescimento dos últimos anos tem tido para lá da economia. A turistificação também tem impacto no direito ao espaço público. Enquanto o aumento do preço das casas afasta cada vez mais pessoas do centro das cidades, o comércio local vai sendo substituído por cafés gourmet e lojas de cadeias internacionais, destinadas a turistas e nómadas digitais com maior poder de compra. Ao mesmo tempo, a expansão de hóteis, resorts e outros serviços nas zonas mais procuradas pelos turistas também está a dificultar o acesso dos residentes.

O caso de Tróia é emblemático. Nos últimos 20 anos, os preços dos barcos entre Setúbal e Tróia quadruplicaram: o bilhete subiu de €1,15 para €5,50 por passageiro e de €5,70 para €21 por carro, o que fez com que o número de passageiros tenha caído para metade. As praias deixaram de ser acessíveis para muitas pessoas e tornaram-se um luxo reservado a quem pode pagar.

Enquanto Portugal se transformou numa economia de férias, os consumidores portugueses estão entre os europeus que menos gastam nas férias de verão. Usufruir do litoral do país tornou-se difícil de comportar para quem cá vive, sendo sobretudo acessível para turistas. O Algarve é o expoente máximo deste modelo económico: a 2ª região com maior PIB per capita do país tem índices de pobreza acima da média nacional; faltam pelo menos 10 mil fogos para alojar residentes, mas há 200 mil casas vazias para turistas.

As contradições do modelo de crescimento recente ajudam a explicar a diferença entre os “bons resultados da economia” e a vida da maioria das pessoas que cá vive e trabalha. Como o crescimento não é um fim em si mesmo, era importante que se prestasse mais atenção à distribuição.

Guerra ou paz, mal-estar ou bem-estar?


Na véspera do início da cimeira da NATO, dois antigos banqueiros, um da Rothschild e outro da Goldman Sachs, apoiantes do genocídio perpetrado pelo colonialismo sionista na Palestina, escreveram um artigo conjunto no Financial Times. Prestam vassalagem a Trump, anunciando que vão gastar 5% do PIB (3,5% diretamente e 1,5% indiretamente) no desperdício da corrida armamentista que aumenta a probabilidade da catástrofe.  

Confirmam que há sempre dinheiro para aquilo que as classes dominantes querem fazer: continuar a erodir os Estados de bem-estar social e reforçar os Estados de mal-estar social para a imensa maioria. O capitalismo sem freios e contrapesos exige, uma vez mais, o keynesianismo militar para ricos, permitindo à indústria automóvel alemã, em grandes dificuldades e em processo de reconfiguração, encontrar novas e garantidas fontes de procura, por exemplo. A UE converge com os EUA. Sempre esteve no plano da integração europeia desde o americanista Monnet.

Por cá, Luís Montenegro segue cada vez melhor aluno de mestres cada vez piores, do pedido para excluir o desperdício armamentista das regras do défice, com apoio do PS, à autorização para o uso da base das Lajes pelos bombardeiros norte-americanos que atacaram ilegalmente o Irão. 

Soberano é quem define a exceção às regras, sabemo-lo há muito, e as elites do poder em Portugal não querem ser soberanas. Há lugares principescamente pagos à sua espera. Durão Barroso mostrou o caminho para a Goldman Sachs, oferecendo as Lajes para a infame cimeira que decidiu destruir o Iraque e causar centenas de milhares de mortes.

Entretanto, o urgente movimento pela paz e pelos Estados de bem-estar faz o seu caminho, de Haia a Lisboa. Haja clareza político-ideológica, político-partidária, na matéria mais crucial. Escolher o silêncio é ser ruidosamente cúmplice. E nunca tudo esteve tão ligado, sem terceiras vias: é mesmo sistémico.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Mais Lénine, menos Wilson; mais Prashad, menos Tavares


Vijay Prashad é um notável historiador e militante político internacionalista indiano, dirigindo hoje o Instituto Tricontinental, que honra uma conferência com lastro, realizada em Cuba em 1966, marco da história anticolonialista. Este Instituto fornece uma diversidade de análises e estudos em português, úteis para uma cultura anti-imperialista. 

Infelizmente, nenhuma das obras de Prashad está editada no nosso país, o que diz bem do nosso enviesado panorama editorial. Começaria por The Darker Nations – A People’s History of the Third World, onde cunhou a expressão “nacionalismo internacionalista”, fazendo a sua história. Oferece uma alternativa robusta a uma mundivisão historiográfica euro-liberal – mais Lénine, menos Wilson, como já defendi. 

No Twitter, Prashad tem a capacidade de resumir muito em poucas palavras: “Israel não é um país, é uma base militar dos EUA”, por exemplo. Olhai para o gráfico acima: as duas alas partidárias do mesmo complexo militar-industrial confirmam há décadas a verdade desta afirmação. 


Já agora, seguindo o capitão gancho, uma das melhores vozes do twitter luso, é sempre bom lembrar as posições do Livre, como usam o termo terrorista de forma equivocada e alinhada com a ideologia do sistema imperialista, contrária aos factos e aos usos da maioria dos países da ONU, mas congruente com a visão euro-liberal do seu fundador e líder tão informal quanto incontestado, o que foi à embaixada israelita em pleno genocídio. Rui Tavares tem estado muito silencioso neste contexto: é de ouro? Enfim, é por estas e por outras que defendo que os verdes com bombas são parte do problema da esquerda lusa.

O cosmopolitismo aí alardeado não passa de provincianismo eurocêntrico, de resto. O internacionalismo, pelo contrário, começa pela identificação do inimigo comum da humanidade: o sistema imperialista dominado pelos EUA, de que a UE faz parte. Para impedir a emergência de um mundo saudavelmente multipolar, estão dispostos a arrasar países inteiros, a causar milhões e milhões de mortos. O Irão é o alvo agora e somos todos iranianos por isso.

Como sublinha Prashad, “os EUA são um Estado terrorista” e Israel também. Os factos não mentem e a melhor história também não: é a que sabe a quantidade de bombas que Washington lançou por este mundo afora, a partir das mais de 800 bases em dezenas de países; é a que sabe que a quantidade tem a sua própria qualidade; é a que sabe o significado histórico da palavra genocídio; continua em curso na Palestina, com a cumplicidade dos EUA e da UE.

Guerra e paz


O colonialismo sionista está inscrito no sistema imperialista dominado pelos EUA, de que a UE faz parte. A agressão conjunta ao Irão é a enésima prova. A principal ameaça à paz mundial é clara. Somos todos palestinianos, somos todos iranianos, somos todos do movimento pela paz.

sábado, 21 de junho de 2025

Relembrar o óbvio: a crise de habitação é internacional

Tem razão Sandra Marques Pereira. Em matéria de habitação, não só a AD «aprendeu muito pouco ou fez questão de não aprender» nada sobre a atual crise, como revela um desconhecimento confrangedor «do que se passa a nível internacional, tanto no entendimento do problema como das soluções». Cereja em cima do bolo, «continua a imputar a responsabilidade pela persistência da crise da habitação aos governos que o antecederam». Parece uma repetição rasca do embuste da bancarrota para justificar a vinda da troika, a que Paulo Coimbra aludiu recentemente aqui.

Era suposto ter-se já a noção de que, voltando a citar Sandra Pereira, «o setor da habitação mudou profundamente desde a crise do subprime», decisiva na conversão da habitação em ativo financeiro fazendo surgir novas procuras especulativas, as quais, a par do turismo, constituem a principal fonte da subida vertiginosa dos preços. Não se trata pois, ao contrário do que se tenta fazer crer, de uma mera «falta de casas», alegadamente resultante de um défice de construção na última década. Basta, aliás, observar o que se passou por essa Europa fora neste período, agora que o Eurostat já divulgou, finalmente, os dados censitários dos alojamentos para 2021.


Em termos globais, para os 25 Estados membros com dados disponibilizados, constata-se que o stock de alojamentos na Europa aumentou quatro vezes mais que a população residente (8% e 2%, respetivamente), sendo estes valores - de variação da oferta e da procura residencial - substancialmente inferiores ao aumento dos preços das casas, a rondar os 37%. Uma discrepância que é comum à maioria dos países, não se identificando qualquer relação consistente entre a variação da população e do número de alojamentos com a evolução do ìndice de Preços da Habitação (IPH).

Atendendo a que as novas procuras especulativas, nacionais e internacionais, são «virtualmente ilimitadas», como oportunamente relembrou Helena Roseta em artigo recente, a atual crise habitacional «não é resolúvel sem regulação pública, nacional e europeia». Ou seja, exatamente o caminho que a AD se recusa a fazer, na teimosia serôdia de que «o mercado é que deve fazer os preços das casas», bastando para tal desencadear, em linguagem de propaganda barata, um «choque de oferta».

sexta-feira, 20 de junho de 2025

O anti-da-Silva


Pode ser visto ao domingo num café no centro de Viseu a ler o FT Weekend em papel, à venda numa papelaria na Rua Direita. A fleuma anglófila incensa Churchill (na foto). Para contrariar a piolheira, o “clube” só não lhe vale.

“Liberal conservador” levou uma demão de verniz democrático, mas o tempo tem-na escamado, deixando ver o mesmo de sempre, o CDS de Viseu, tal como o santo padroeiro britânico: misoginia, imperialismo e logo racismo mais ou menos velado, tudo combinado com o vira-latismo de quem teve o azar de nascer na periferia europeia, adorando tudo o que seja perda de soberania promovida pelo euro-liberalismo. 

Falo de Francisco Mendes da Silva. Podia falar de tantos outros. Não sei se é pago pela embaixada israelita para organizar drinks e escrever artigos no Público a defender o colonialismo sionista, nem isso me interessa. Até preferia que o fosse, temo que seja mesmo convicção ideológica pura e dura de quem invoca a “guerra justa” para falar da agressão sionista ao Irão. Do Iraque à Líbia, não há memória, nem vergonha.

Mas há palco, porque entrou na classe dominante, tendo as ideias desta classe. Haja reconhecimento social. O mesmo fulano que tem o topete de usar a expressão “direito internacional” fez objetivamente parte do coro dos apoiantes do genocídio do povo palestiniano, com o seu amigo Pedro Delgado Alves e muitos outros, não esquecemos, nem perdoamos. São todos amigos na sociedade indigente de comunicação, ouça. 

Sim, na periferia, da Silva é só mais um liberal até dizer chega. Na nova década de vinte, eles andam por aí outra vez. Teremos de os derrotar outra vez. Isto melhora, provavelmente depois de piorar, não sei.

Dar a ver as ligações


Antes de chegarmos à devastadora Guernica de Picasso, passamos por salas com intervenções também de recorte antifascista, incluindo os trabalhos das décadas de 1920 e 1930 de John Heartfield (nascido Helmut Herzfeld), um comunista alemão que conhecia as ligações fundamentais na economia política. As ligações fundamentais nunca podem ser perdidas de vista.

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Basta de ofuscação


Em relação à primeira página de 16 de junho, basta seguirmos Carina Castro: “Podia comentar a folha de propaganda governamental que é esta primeira página, mas vou só constatar que são 3 notícias da mesma família (de classe) e parece-me que as restantes também”. Em relação à de 18 de junho, basta perguntarmos: “Mortas por quem, Público? Por quem?”. 

Estas duas primeiras páginas estão ligadas pela mesma linha editorial euro-liberal do “perdócio” da Sonae, relembrando a célebre expressão de Belmiro de Azevedo. Enfatizar a Sonae justifica-se, porque a autonomia dos jornalistas, incluindo político-ideológica, em relação aos interesses e valores dos proprietários é cada vez menor, dada a precariedade da profissão, a ameaça permanente do desemprego, o medo nas redações, a fragilidade dos freios e contrapesos sindicais neste contexto. 

Enfatizar a linha euro-liberal justifica-se, porque a dependência, intelectual e não só, em relação à UE é cada vez maior. E a verdade é que a linha de cor, a que preconiza que as vidas palestinianas valem menos, por exemplo, está tão inscrita no euro-liberalismo realmente existente como o proprietarismo, a defesa de todos os direitos associados à propriedade privada, com deveres sociais cada dia mais escassos.   

Neste contexto, não surpreende que a UE ofusque o colonialismo sionista e a sua natureza genocida. O Público segue Bruxelas. O europeísmo é tão responsável como os EUA pela catástrofe sem fim: será que agora querem fazer do Irão uma nova Líbia, mais um estatocídio? “Os israelitas estão a fazer o trabalho sujo por nós”, disse Merz com a franca brutalidade da sempre perigosa elite alemã. 

Foi por estas e por outras que, ao fim de mais de trinta anos, deixei de pagar pelo Público. Mesmo sabendo que a política que conta não passa por decisões individuais desta natureza, digo ainda assim: basta de ofuscação.

Apresentação e debate: Que Força É Essa?

"Com a divulgação do programa do novo governo, já é possível entrever como a legislação do trabalho (dos dias de férias ao direito da greve, da regulação das plataformas e do teletrabalho aos horários ou à política salarial) estará no centro da reconfiguração à direita que se prepara para o próximo ciclo político. Aproveitando mais uma sessão de lançamento do primeiro número da “Que Força É Essa? - revista sobre os mundos do trabalho”, estaremos à conversa com Joana Neto, João Leal Amado e José Soeiro sobre o que esperar agora neste campo, a partir de alguns dos temas tratados na revista. O evento é enquadrado na Feira do Livro de Lisboa, tem a organização da Livraria Tigre de Papel e será moderado por Fernando Ramalho. Sábado, 21 de junho, 17h, na Praça Verde da Feira."

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Começar uma guerra para evitar a guerra que se começou


A lógica da guerra preventiva, tão do agrado dos EUA ou de Putin tem, no caso do ataque de Israel ao Irão, uma agravante. Quanto mais a guerra escalar, maior a probabilidade de o Irão realmente optar pela via nuclear, coisa que não fez até hoje. É uma absoluta irresponsabilidade.

O acordo nuclear com o Irão, negociado por Obama e denunciado por Trump, garante a monitorização do programa nuclear do Irão. Israel, que invoca o pretexto do ataque nuclear iminente do Irão há mais de uma década, aproveitou a cumplicidade submissa dos EUA e da UE para atacar.

A IAEA, que tem a responsabilidade monitorizar o Acordo nuclear do Irão, já alertou para as possíveis consequências deste ataque de Israel.

O ataque visa sabotar negociações que decorriam e que permitiriam um novo acordo nuclear, revertendo a decisão dos Estados Unidos de se porem de fora. Trump autorizou o ataque, realizado a poucos dias de uma nova ronda negocial, numa espetacular demonstração de má fé. A credibilidade diplomática dos EUA não valerá um chavo a partir de agora, se é que ainda valia. 

A natureza totalitária do regime iraniano é um pretexto que vale tanto como valeu noutras guerras “preventivas” e “humanitárias”. Este ataque vai provocar a morte de milhares de inocentes (de ambos os lados) e, no fim, o regime iraniano ficará igual ou pior. Já vimos este filme.

Política monetária regressiva

Numa notícia de fim de Maio último, que me tinha escapado, fica-se a saber que o Banco (que não é) de Portugal apresentou as contas de 2024 com um prejuízo de 1.142 milhões de euros.

É um prejuízo que soma às perdas de 1.054 milhões de euros de 2023.


Adicionadas, estas perdas do BdP já totalizam 2.196 milhões de euros.

Segundo a peça jornalística, a “explicação para a apresentação de resultados tão negativos, repetida esta quarta-feira por Clara Raposo, vice-governadora do Banco de Portugal, é a mesma que já foi apresentada no ano passado e que tem sido igualmente referida pela generalidade dos bancos centrais da zona euro que caíram a partir de 2023 nesta situação: com a subida das taxas de juro realizada pelo BCE para combater a inflação, o Banco de Portugal passou, a partir de 2023, a ter de pagar aos bancos comerciais juros bastante mais altos pelos depósitos e reservas que têm no banco central, mas em contrapartida os activos do Banco de Portugal (principalmente títulos de dívida pública portuguesa) não viram a sua remuneração aumentar.”

Neste tempo de pós-verdade, é necessário dizê-lo com todas as letras e repeti-lo as vezes que forem necessárias: quando Clara Raposo diz que “o Banco de Portugal passou, a partir de 2023, a ter de pagar aos bancos comerciais juros bastante mais altos pelos depósitos e reservas que têm no banco central” está literalmente a mentir dado que o banco central não tem que coisa nenhuma. Pagar juros por reservas e depósitos é uma escolha política, para a qual há alternativas (aqui e aqui), e não uma obrigação.

Recordemos a fortuna gigantesca de juros pagos pelo BCE, dinheiro de todos nós, que podia e devia ter tido aplicações alternativas económica e socialmente sufragadas, fortuna que está a ser transferida subrepticiamente para interesses privados de forma discricionária e sem justificação económica credível.

Embora este autêntico bodo de recursos públicos atirado para cima da banca privada tenha vindo a diminuir muito gradualmente desde Maio de 2024, momento em que o BCE decidiu começar a descer de novo uma taxa de juro que, de resto, nunca devia ter subido, ninguém sabe ao certo, enquanto as reservas continuarem arbitrariamente remuneradas, quando cessarão os prejuízos públicos que são a sua contra-parte.

“Eu não esperaria que haja dividendos tão rapidamente para o Estado”, afirma, na mesma notícia, Mário Centeno, do alto da arrogância discricionária que lhe é permitida pelo estatuto de alegada independência do sistema de bancos que compõe o BCE.

Se Mário Centeno já antes devia explicações ao país, agora elas são devidas também por Clara Raposo, por este governo e pelo anterior.

Em 2023, só os quatro maiores bancos privados a operar no país somaram 3.153 milhões de euros de lucro, num aumento de 81,9% face a 2022.

Em 2024, os lucros da banca em Portugal sobem 13% para recorde de 6.300 milhões.

Em 2025, só nos três primeiros meses do ano, as cinco principais instituições financeiras em Portugal apresentaram lucros de 1.220 milhões de euros.

Tudo isto se torna ainda mais moralmente insalubre quando as notícias dão nota que o “Governo quer rever o regime de atribuição e fiscalização do rendimento social de inserção (RSI)” com o não enunciado objectivo de dificultar o seu acesso.

Em 2024 beneficiaram de RSI 175.904 pessoas, o que custou uns meros 357,62 milhões de euros, o que significa 169,42 euros por mês por beneficiário. Valores que comparam com as perdas do Banco de Portugal no valor de 2.196 milhões de euros, perdas que, em quase toda a sua extensão, são um bodo, totalmente evitável, aos bancos.

Tanta largueza com os ricos, tanta pobreza e punição imposta aos mais frágeis dos mais frágeis. Depois interrogam-se das razões de crescimento da extrema-direita.

Para finalizar, uma última perplexidade. Neste quadro, como pode um think-tank que se quer progressista, como o Causa Pública, expurgar a integração monetária, fonte primeira desta distopia, dos assuntos que debate e acerca dos quais propõe políticas?