quarta-feira, 8 de outubro de 2025
Uma crise fora da bolha
«O anúncio de Luís Montenegro sobre 1300 milhões de euros para habitação acessível parece responder à lógica elementar da crise habitacional: mais procura que oferta exige mais construção. Esta abordagem aparentemente óbvia ignora uma transformação fundamental: a habitação deixou de ser um bem de primeira necessidade para se tornar um activo financeiro no sentido estrito.
As políticas monetárias das últimas décadas catalisaram este processo. Quando o Banco Central Europeu manteve taxas próximas de zero durante anos e injectou liquidez no sistema financeiro, tornou a poupança tradicional pouco atractiva. Os investidores procuraram alternativas, e o imobiliário emergiu como o activo perfeito: tangível, historicamente estável, facilmente financiável e com potencial de valorização consistente. Simultaneamente, o crédito hipotecário tornou-se tão abundante e barato que permitiu alavancagem em escala».
Bruna Santos, A bolha do imobiliário não vai rebentar
Mesmo tendo sido publicado ainda em setembro, vale a pena ler na íntegra este artigo da economista Bruna Santos. À semelhança de outros textos (como este, de Agustín Cocola-Gant, também de leitura imprescindível), trata-se de um artigo a reter, para que - num contexto em que a narrativa dominante continua a reduzir o problema a uma mera «falta de casas» - não se esqueça a verdadeira génese da crise de habitação.
A natureza distintiva da atual crise manifesta-se, de facto, na desadequação do «pensamento convencional» para a interpretar, sobretudo no que a mesma contém de novo. É assim com a incapacidade em perceber que oferta e procura já não se esgotam na função residencial (casas disponíveis para as pessoas morarem), tendo passado a incluir as novas procuras especulativas, nem nas fronteiras da escala nacional (que deixou de ser exclusiva na relação entre oferta e procura). E é assim, também por isso, com o improvável rebentamento de uma bolha imobiliária no atual contexto, apesar da subida vertiginosa dos preços das casas.
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