A imigração tornou-se um dos assuntos mais discutidos em Portugal. O debate intensificou-se no último ano, depois do governo aprovar um Plano de Ação para as Migrações em que eliminou as manifestações de interesse, que eram um mecanismo de regularização de pessoas que chegavam ao país. A
justificação dada pelo primeiro-ministro foi a de que o país não pode ter “portas escancaradas”, pelo que era necessário “terminar com alguns mecanismos que se transformaram num abuso excessivo da nossa disponibilidade para acolher”.
Apesar disso, as necessidades da economia têm sido evocadas pelo setor empresarial, que conseguiu obter do atual governo um acordo para uma nova “
via verde” para as grandes empresas contratarem trabalhadores estrangeiros. Há dois argumentos que sustentam a ideia de que a imigração é indispensável para o funcionamento da economia portuguesa: o de que as contribuições dos imigrantes ajudam a garantir a sustentabilidade da Segurança Social e o de que a imigração é um mecanismo necessário para suprir a escassez de mão-de-obra em diversos setores. Para avaliar estes argumentos, é preciso olhar para a evolução da imigração e da economia nos últimos anos.
1. O que é que se passa com a imigração?
O número de imigrantes em Portugal tem vindo a aumentar na última década: passaram de pouco mais de 400.000 em 2013 para 1 milhão e 40 mil em 2023, representando 9,8% da população residente nesse ano e seguindo uma
tendência que se verifica um pouco por toda a Europa.
De uma forma geral, as vagas migratórias costumam estar
associadas aos ciclos económicos. Em períodos em que a economia e o emprego crescem, é expectável que a imigração o acompanhe, ao passo que períodos de crise e de aumento do desemprego são muitas vezes acompanhados pelo aumento da emigração de um país. Nesse sentido, o aumento da imigração tem menos a ver com as supostas “portas abertas” e mais a ver com a dinâmica do mercado de trabalho.
A imigração é, em grande medida, uma consequência da evolução demográfica do país, como explicam os economistas Alexandre Abreu e José Reis em dois artigos recentes (
aqui e
aqui). O aumento da imigração surge após décadas em que o país registou uma redução do número médio de filhos, com tendência para o envelhecimento populacional, e um aumento também significativo da emigração. Embora a emigração tenha tido a sua fase mais intensa no período da austeridade (2011-2014) e diminuído nos anos seguintes, é um fenómeno que
persiste, sobretudo entre a população mais jovem, e que também tem sido alvo de debate nos últimos anos.
Depois do país ter registado níveis de desemprego recorde e saldos migratórios negativos durante o período da austeridade, a recuperação de algum crescimento económico e a expansão do emprego inverteram-no: a partir de 2017, têm entrado mais pessoas no país do que aquelas que saem e Portugal registou um
novo máximo do emprego, com quase 5,1 milhões de pessoas empregadas no ano passado. É neste contexto que importa analisar os argumentos sobre a relação entre a imigração e a economia.
2. Imigração e Segurança Social
Nos últimos anos, o contributo dos imigrantes para a Segurança Social tem sido indiscutivelmente positivo. Em 2024, as contribuições dos imigrantes para o sistema público de proteção social atingiram um
valor recorde de 3,6 mil milhões de euros, prosseguindo a tendência dos últimos anos. As nacionalidades responsáveis por maior volume de contribuições são a brasileira, indiana, nepalesa, cabo-verdiana e espanhola.
O sistema de Segurança Social português funciona de acordo com o modelo “pay as you go”: em cada período, a despesa com pensões de reforma, subsídios de desemprego ou de doença e prestações familiares ou de parentalidade atuais é financiada através da receita obtida nesse período por via das contribuições. A lógica subjacente é de solidariedade intergeracional: as pensões de quem já trabalhou e descontou para o sistema são financiadas pelos descontos de quem trabalha hoje e que, quando se reformar, receberá uma pensão financiada pelos descontos de quem se segue.
Neste contexto, os imigrantes têm tido um contributo líquido positivo. As prestações sociais pagas a cidadãos estrangeiros totalizaram €687 milhões - ou seja, apenas 1/5 das contribuições pagas à Segurança Social. A estrutura etária dos imigrantes ajuda a explicar esta diferença: por serem, em média, mais jovens que a população nacional, a percentagem que recebe pensões de reforma é mais baixa. O contributo para a receita da Segurança Social é um aspeto positivo, mesmo que, ao contrário do que se costuma ouvir, a sustentabilidade da Segurança Social não esteja em causa (sobre este tema, vale a pena ler a economista Maria Clara Murteira, aqui ou aqui).
É importante evitar que estes dados conduzam a argumentos utilitaristas sobre o impacto da imigração. A relação entre descontos e pensões/subsídios pode inverter-se no futuro, nomeadamente quando os trabalhadores imigrantes se reformarem, e isso não constitui um problema, uma vez que se trata de um direito de todos os que trabalham no país. O que é relevante é perceber de que forma é que os imigrantes têm sido integrados na economia e na sociedade.
3. Que economia precisa da imigração?
Comecemos por olhar para os dados do emprego. Em 2023, os trabalhadores estrangeiros representavam 13,4% do total de trabalhadores por conta de outrem, de acordo com os dados do Banco de Portugal. O seu contributo para a taxa de contratação líquida da economia - ou seja, o saldo entre a criação e destruição de postos de trabalho - tem vindo a aumentar e, em 2023, foi mesmo decisivo para o crescimento do emprego em Portugal.

No entanto, o peso no emprego varia muito consoante o setor de atividade: os trabalhadores de nacionalidade estrangeira concentram-se em atividades como a agricultura (onde representam 41% dos trabalhadores), a hotelaria e restauração (onde são 31% do total), as atividades administrativas ou a construção (onde representam, respetivamente, 28% e 23% do total). Ou seja, encontram-se sobretudo em setores que pagam salários mais baixos e onde os níveis de precariedade e de informalidade são elevados.
Além disso, há um desfasamento entre as qualificações das pessoas que chegam ao país e os trabalhos que encontram: quatro em cada dez imigrantes com formação superior são
sobrequalificados para as funções que desempenham. Embora esta seja uma situação bastante frequente no mercado de trabalho português, a disparidade mantém-se: no caso dos trabalhadores nacionais, cerca de 27% são sobrequalificados, e no caso dos imigrantes a percentagem é de 39%.
Esta dinâmica tem reflexo na desigualdade: em 2023, o salário mediano dos trabalhadores estrangeiros era de €769 (muito próximo do salário mínimo desse ano), enquanto o dos trabalhadores nacionais era de €902, sendo que a tendência se verificava na esmagadora maioria dos setores de atividade. Além disso, um em cada três trabalhadores estrangeiros tinha um contrato temporário, mais do dobro do que se verificava entre os trabalhadores portugueses (16%), de acordo com uma
análise da Pordata. E o risco de pobreza e exclusão social entre os estrangeiros residentes no país era de 31%, bastante acima do da população nacional (19,8%).
É difícil não relacionar os fluxos migratórios com o padrão de especialização da economia portuguesa. Embora Portugal seja muitas vezes descrito como um
caso de sucesso na última década, o modelo de crescimento da economia portuguesa baseou-se na expansão de setores de baixo valor acrescentado, intensivos em trabalho e assentes em baixos salários, como o turismo, o alojamento e a restauração. A dependência destes setores implica uma dependência de mão-de-obra barata.
Além disso, este modelo de crescimento tem efeitos perversos. O impacto mais imediato é nos preços da habitação: os preços das casas têm crescido a um ritmo
muito superior ao dos salários de quem vive e trabalha no país. A população imigrante é particularmente vulnerável a este problema: a percentagem de pessoas a viver em casas sobrelotadas é de 10,8% no caso dos cidadãos nacionais e 23,8% no caso cidadãos de fora da União Europeia, de acordo com o
Eurostat.
Mas há outros impactos relevantes. Ao levar a um aumento dos preços do imobiliário e de outros bens e serviços nas principais cidades, a sobrecarga turística faz aumentar os custos para todas as outras atividades económicas e prejudica a competitividade dos setores mais expostos à concorrência internacional, como argumenta o economista Ricardo Paes Mamede. Esta dinâmica pode contribuir para o declínio de setores industriais com maior incorporação de conhecimento e tecnologia e maior potencial produtivo, tornando-se um problema para o desenvolvimento da economia a médio prazo.
Em resumo, a resposta à pergunta inicial não é simples: embora seja verdade que alguns setores parecem aproveitar-se de trabalhadores imigrantes para manter um modelo de salários baixos e más condições de trabalho, em especial na agricultura e no turismo, também é verdade que os trabalhadores de outras nacionalidades têm assegurado o funcionamento de setores essenciais, como a própria agricultura ou os cuidados.
4. Economia e integração
Até aqui, a discussão esteve centrada no contributo da imigração para a economia. No entanto, seria um erro analisar este tema com base nesse critério. Todas as pessoas têm direito à mobilidade e este direito aplica-se tanto aos cidadãos estrangeiros que emigram para Portugal como aos cidadãos portugueses que emigram para outros países, por motivos económicos, familiares ou outros. Receber bem quem chega a um país é um princípio que não pode depender de uma análise cust-benefício.
A verdade é que o problema dos baixos salários, da precariedade e das dificuldades no acesso à habitação têm algo que os une: são comuns a quem já vivia no país e a quem chegou nos últimos anos. Dificultar a regularização de quem chega ao país só acentua a sua vulnerabilidade e a exposição a condições de precariedade ou informalidade no trabalho. E a nova “via verde” não parece resolver este problema, visto que, na negociação com as associações patronais, o governo suavizou bastante os critérios: a exigência de contratos de trabalho permanentes foi eliminada, abrindo a porta à precariedade, e não foram definidos critérios para o “alojamento adequado” que as empresas devem garantir.
Uma economia que promova uma boa integração tem de ser construída sobre alicerces muito diferentes. É preciso defender os direitos de quem trabalha e reforçar a capacidade de fiscalização, fornecendo os meios necessários à Autoridade para as Condições do Trabalho para combater situações de incumprimento ou aproveitamento dos empresários e garantir que os direitos são cumpridos com todos. É necessário inverter a tendência de desinvestimento nos serviços públicos - desde a saúde à educação ou aos transportes - que marcou a última década e que tem levado a uma perda de qualidade destes serviços, contribuindo para alimentar tensões sociais.
Além disso, é preciso ter uma discussão séria sobre o padrão de crescimento da economia portuguesa, que promove a criação de emprego mal pago e pouco qualificado, e sobre as estratégias para reduzir a dependência do tipo de setores intensivos em trabalho, em que a imigração é frequentemente vista como uma oportunidade para comprimir direitos laborais.
Boa parte dos problemas no acolhimento da população imigrante é consequência da forma perversa como a economia a tem integrado. O foco deve estar na construção de uma economia mais justa para todos os que cá vivem. Mais do que saber do que precisa a economia que temos, devemos preocupar-nos em saber de que economia é que precisamos.
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