quarta-feira, 2 de abril de 2025

Ainda temos uma Constituição


A 2 de abril de 1976, faz hoje 49 anos, a Assembleia Constituinte aprovava, após dez meses de trabalho, a Constituição da República Portuguesa. 

É a mais brilhante codificação de uma relação de forças social e político-ideológica da história deste país. Como afirmou Álvaro Cunhal, “a Constituição da República aprovada em 2 de abril de 1976 é um fiel retrato da revolução portuguesa”. 

Retrato de uma democracia política, económica, social e cultural, sem separações artificiais. Retrato de uma revolução democrática e nacional de recorte antifascista, da soberania democrática às alterações nas relações de propriedade, expressão consequente da subordinação do poder económico ao poder político, passando por um Estado social robusto, centrado no direito do trabalho. 

Repito o que escrevi no Le Monde diplomatique – edição portuguesa de janeiro: 

Apesar das sucessivas revisões, que a amputaram de muitas das conquistas socialistas, a Constituição da República Portuguesa (CRP) contém uma base, tão antifascista quanto anti-imperialista, para uma alternativa. Tem, simultaneamente, o conteúdo necessário, o programa necessário e a possibilidade de concretização. Porque é (ainda) letra e não apenas desejo. 

Num certo sentido, isto mesmo foi notado por Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas para a Situação dos Direitos Humanos nos Territórios Palestinianos Ocupados desde 1967, aquando da visita que fez a Portugal, no início de Outubro de 2024. Numa conferência, realizada na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, esta intrépida defensora do povo palestiniano convocou precisamente o número 2 do artigo 7.º da Constituição portuguesa, criticando a atitude complacente do governo do país em relação ao genocídio sionista, parte do alinhamento de fundo com o sistema imperialista comandado pelos Estados Unidos. 

“Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos”, diz a Constituição portuguesa. 

Esta posição constitucional anti-imperialista tem uma declinação soberanista, ligando as liberdades democráticas a direitos sociais e laborais amplos e à subordinação do poder económico ao poder político. Esta subordinação exige, como é claro na Constituição, uma economia mista, onde a propriedade pública de setores estratégicos é a base material de uma genuína autoridade de um Estado dotado de instrumentos de política económica, orçamental e monetária, sem os quais a soberania democrática é uma miragem. De que mais precisamos para travar a viragem direitista? De organização e força políticas alinhadas com o melhor espírito do constitucionalismo radicalmente democrático.

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