sexta-feira, 24 de março de 2023

A quem serve mesmo a redução do IVA? 2

Página do XXI Governo

Há uma contradição que o Governo deveria esclarecer. 

Há cerca de 7 anos, o Governo anunciou uma descida da taxa de IVA para a restauração como forma de garantir a "sustentabilidade das empresas, a criação de condições para que possam investir e, sobretudo, para que possam criar emprego". Ou seja, nessa altura, o Governo estava convicto de que uma descida do IVA iria aumentar as margens brutas das empresas de restauração. 

Hoje, o Governo - se bem que não tenha mudado de opinião sobre a ineficácia da descida do IVA para baixar preços - está convicto que a descida da taxa de IVA para 0% num conjunto de "bens essenciais" (cuja lista não foi especificada) irá se repercutir nos seus preços. Ou seja, beneficiando os consumidores e prejudicando as empresas. 

O que mudou?

Para os mais leigos: há um problema que a direita (neo)liberal escamoteia. Os preços dos produtos que as pessoas consomem incluem um imposto sobre transacções - o IVA. Na teoria económica (neo)liberal, se a taxa de IVA desce, os vendedores tenderiam a repercutir essa descida da taxa de IVA nos preços praticados porque preços mais baixos aumentam a procura desses bens e maior procura gera mais lucros. Na realidade, se houver um poder desigual no mercado, se houver um mercado oligopolístico, oligopolístico cartelizado ou monopolístico, o IVA desce, os preços não mexem e a descida do IVA vai aumentar a margem dos vendedores, colocando-se o Estado a financiar os vendedores. 

E por isso temos a extrema-direita e a direita a defender a medida porque afirmam que a inflação está a engordar - não os vendedores especulativos - mas o Estado...       

Ora, face a esse mercado desigual, o ministo das Finanças anunciou que estava ainda a negociar um acordo com os sectores da produção e da distribuição alimentar (supermercados e hipermercados) para que, com a descida do IVA, esse efeito se repercuta numa redução do preço. E que a medida só avançará se houver esse acordo. Mas mostrou-se convicto de que tal acontecerá ao elogiar o “muito bom espírito” de compromisso que tem pautado as negociações.

Questionado durante a conferência de imprensa sobre as suas próprias dúvidas no passado, relativamente à ineficácia da descida de IVA, Medina respondeu que, antes, a sua opinião era sobre “um contexto específico", verificado em vários países, de uma "descida unilateral do IVA”. Já a medida agora anunciada é apresentada num “quadro muito diferente” (por que se negocia um acordo?). O ministro das Finanças mostrou-se convicto de que a alteração “vai funcionar” e que “vai ter eficácia”.  O Governo espera que haja uma estabilização e redução do preço num conjunto “muito importante de bens” ao longo dos próximos meses.

Questões: 

1) Não é verdade que só haverá acordo se os supermercados e hipermercados retirarem vantagem desse acordo? Se o acordo for eficaz, não é verdade que isso se traduzirá numa baixa de preços financiada por dinheiros públicos, beneficiando os vendedores por um acréscimo potencial de vendas? Se o acordo for parcial ou totalmente ineficaz, não é verdade que isso se traduzirá numa transferência para o sector de supermercados e hipermercados de parte da receita de IVA que o Estado deixará de cobrar? Ou seja, em todas as hipóteses, não estará o Estado a financiar a manutenção das margens brutas dos sectores vendedores? 

2) Não é verdade que os supermercados e hipermercados, como a ASAE detectou, têm beneficiado de preços especulativos, com margens de lucro de 50%? Ou mesmo superiores em bens essenciais?

3) Se assim é, não é verdade que quem está a beneficiar de preços especulativos, vai ser beneficiado com dinheiros públicos? E se assim for, dada a concentração da cobrança de IVA em poucas grandes empresas, essa transferência de dinheiros públicos vai beneficiar sobretudo as grandes empresas desse sector que, supostamente, não precisam desses recursos? E havendo um acordo com quem pratica preços especulativos, isso não mostra a ineficácia da própria lei que define esse carácter especulativo e, nesse caso, não deveria a lei ser mudada?

4) Não é verdade que o Estado não tens meios para aferir e acompanhar se os preços praticados pelos supermercados e hipermercados condizem com o acordo a fixar? Não é verdade que, não havendo esses meios, a medida anunciada arrisca-se a ser apenas um anúncio, existindo o risco de essas grandes empresas continuarem a praticar preços especulativos já verificados, beneficiando ainda de uma subida das suas margens, através da absorção da descida da taxa de IVA?  

5) Como corolário, não é verdade que, quando se trata de apoios sociais, apenas se concede apoios "aos mais necessitados", mas que, quando se trata de apoios económicos, o Governo não vê problema em financiar "os menos necessitados", como sejam as grandes empresas? 

Qual é a lógica? Ou a moral? Ou a ética? Porque não viabilizar os aumentos salariais e pensões? 

Ponto.

 


4 comentários:

  1. O PS acredita e faz acreditar que vai ser possível um país digno com salários e pensões miseráveis.

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  2. Se o PS fosse um partido socialista obviamente não andava a subsidiar os grande grupos económicos. Alguém acredita que no curto/médio prazo será possível garantir que a margem do iva não será incorporada nos lucros das empresas? Na concentração e na assimetria de poder de mercado não se mexe mas o milagre vai acontecer, há gente estranhamente crente neste governo.

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  3. Vai ver que os defensores do IVA zero são os mesmos dos bancos alimentares.

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  4. Embora os impostos já não aumentem desde o aumento brutal de impostos de Passos Coelho, a direita e o PS acham que as coisas estão caras devido aos impostos. Devem achar que comemos gelados com a testa...

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