domingo, 19 de junho de 2022

IDE a caminho não são só boas notícias

A edição desta semana da revista Economist tem uma peça interessante sobre as evoluções recentes das cadeias de valor globais. A tese não é nova: o mundo está a passar por uma transformação, em que as empresas multinacionais dão mais importância do que no passado recente à gestão do risco e menos importância à redução de custos. Isto significa, essencialmente, que tendem a concentrar menos a sua capacidade produtiva na China, procurando diversificar os locais onde produzem ou se abastecem de matérias-primas e bens intermédios.

A tese não é nova porque a tendência não é de agora. A grande recessão global de 2008/2009 tornou clara a força de grandes empresas chinesas em sectores tecnologicamente avançados, levando os governos e as empresas ocidentais a repensar a transferência de capacidades tecnológicas para aquele país. A administração Trump tornou clara a tensão, através da adopção de várias medidas proteccionistas, que assinalavam riscos políticos inequívocos para a quem vive da produção globalizada. A perturbação das cadeias de abastecimento decorrentes da pandemia (e, em particular, as políticas de confinamento adoptadas pelo governo chinês) tornaram ainda mais evidentes os riscos associados à configuração actual das relações internacionais de produção. A invasão da Ucrânia pela Rússia e os impactos que está a ter nos mercados da energia e dos alimentos é, talvez, o canto de finados do mito da globalização feliz. Para fazer lembrar aos economistas convencionais que o funcionamento das economias é determinado por muito mais do que critérios de eficiência: poder, política, instituições, tecnologia, ambiente, incerteza radical - são variáveis cruciais de análise.

Gerou-se a expectativa em Portugal de que o país possa sair beneficiado destas alterações. Pode ser que sim. Não será por acaso que, num dos gráficos do seu artigo, a Economist inclui Portugal entre um conjunto de países (México, Indonésia e Polónia) que estarão a beneficiar da redução do investimento na China. Estes dados batem certo com relatos avulsos de consultoras internacionais a operar em Portugal que dão conta do interesse crescente de investidores estrangeiros por este canto ocidental da Europa (este é só um exemplo).
 
Um novo fluxo de investimento directo estrangeiro (IDE) em Portugal pode trazer benefícios, mas não só. (Seria bom que levasse alguns analistas a perceber que as dinâmicas de investimento numa pequena economia aberta como a portuguesa têm sempre mais a ver com tendências internacionais do que com as opções do governo A ou B – mas a fé nunca é abalada por quaisquer dados empíricos.) Uma nova vaga de IDE poderia servir para dinamizar sectores tecnologicamente mais avançados, absorver pessoas qualificadas, trazer conhecimentos e competências à economia nacional ou arrastar o desenvolvimento de fornecedores qualificados. Mas o IDE pode também limitar-se a utilizar uma mão-de-obra especializada relativamente barata, através da instalação de “centros de competências” (que por vezes não passam de call centres com nomes chiques), contribuindo para o aumento dos preços (em particular do imobiliário) e da escassez de pessoas qualificadas, penalizando a capacidade competitiva do resto da economia, sem grandes benefícios associados.
 
Embora os instrumentos sejam limitados, as autoridades públicas podem ter uma palavra a dizer sobre o tipo de investimento estrangeiro que está a vir para Portugal. A popularidade dos governos faz-se com base nas quantidades, mas o futuro do país depende da qualidade. Seria bom que se conseguisse separar o investimento que interessa do investimento predatório. Logo veremos o que aí vem.

1 comentário:

  1. Afinal a China é cool: EUA avaliam retirar tarifas à China e pausa em imposto sobre gás para conter inflação
    Secretária do Tesouro norte-americano disse que algumas tarifas impostas à China pelo governo Trump não têm “propósito estratégico” https://www.brasil247.com/mundo/eua-avaliam-retirar-tarifas-a-china-e-pausa-em-imposto-sobre-gas-para-conter-inflacao
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    Até a Rússia é Tovarichi: Crise de abastecimento: UE diz que alimentos e fertilizantes russos estão livres de sanções
    De acordo com o chefe das Relações Exteriores da União Europeia (UE), Josep Borrell, esses produtos podem ser comprados, transferidos e segurados livremente
    https://www.brasil247.com/mundo/crise-de-abastecimento-ue-diz-que-alimentos-e-fertilizantes-russos-estao-livres-de-sancoes?fbclid=IwAR2XJZuD6tRE6lrJtjXbhpb-jhQblXHIyKEBvqyI2ZJWpR8MB6-MoVNg6ec
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    80.000 trabalhadores tomam as ruas de Bruxelas contra inflação (vídeo)
    Os trabalhadores também protestaram contra o envolvimento da Europa na guerra da Ucrânia. "A Bélgica não é escrava", dizia um cartaz Um cartaz de um manifestante dizia: "dinheiro para os salários e não para a guerra".
    https://www.brasil247.com/mundo/80-000-trabalhadores-tomam-as-ruas-de-bruxelas-contra-inflacao-video

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