segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Meias verdades do Instituto +Liberdade: o retrato dos jovens em Portugal


O Instituto +Liberdade dedicou duas publicações recentes à situação laboral dos jovens em Portugal. Numa das publicações (aqui), pode ler-se que “num mercado de baixos salários e de insatisfação profissional, o desejo de emigrar aumenta, um sentimento manifestado por quase um terço dos jovens trabalhadores.” Na outra (aqui), baseada num estudo de Pedro Martins, ex-secretário de Estado do Emprego do governo PSD-CDS e atual membro da comissão de honra da Iniciativa Liberal, nota-se que “a recompensa salarial por cada ano adicional de escolaridade nesta geração [1990-99] mais nova é metade do que se verificava na geração de 1940-49.”

Comum a ambas as publicações é a ausência de referência às origens do atual cenário. Embora apontem problemas sérios que nos devem preocupar, como os baixos salários e a falta de realização profissional entre os jovens, estas publicações não discutem os motivos que nos trouxeram aqui. A verdade é que os liberais têm atribuído frequentemente os problemas do trabalho em Portugal à progressividade fiscal, por muito que os factos o desmintam.

No entanto, vale a pena olhar para outros fatores, como a flexibilização laboral, que costumava ser um tema popular à direita. Em 2012, Álvaro Santos Pereira, então ministro da Economia do governo PSD-CDS, garantia que as reformas da Troika tornariam a economia mais competitiva. O Governo tinha duas justificações: a flexibilização laboral tornaria mais fáceis as contratações, contribuindo para reduzir o desemprego, e retiraria a proteção “excessiva” dos trabalhadores, aumentando os incentivos para se tornarem mais produtivos. Como sabemos, a realidade foi bem distinta: em 2013, o país registou a taxa de desemprego mais elevada da sua história recente (16,2%).

A ideia de que a precariedade incentiva os trabalhadores e promove a produtividade também tem sido desmentida pela evidência empírica. Um estudo publicado pelo economista Alfred Kleinknecht em 2020 relaciona a flexibilização laboral e a precariedade com a estagnação da produtividade que as economias desenvolvidas têm registado nos últimos anos. Há bons motivos para o explicar: os trabalhadores com vínculos estáveis têm maior capacidade para adquirir e aplicar conhecimentos específicos no processo produtivo. Além disso, a proteção laboral favorece o compromisso e a cooperação no contexto laboral e leva as empresas a investir na formação dos trabalhadores, promovendo as qualificações.

A precariedade tem tido, isso sim, um efeito inequívoco de compressão dos salários. Um relatório da própria Comissão Europeia reconhece que existe um diferencial salarial entre contratos precários e permanentes nos países da União Europeia, notando também que este é maior nos países que têm maior percentagem de precários. Portugal, onde o trabalho temporário entre os jovens tem vindo a crescer substancialmente, é o segundo país da UE com maior peso deste tipo de contratos, bem acima da média europeia. E a diferença agrava-se quando se olha para a proporção de pessoas que apontam como principal motivo para terem contratos temporários o facto de não terem encontrado emprego permanente: são 37,1%, quando a média europeia é pouco mais de 13%. Em relação ao prémio salarial da educação, embora seja verdade que possa estar relacionado com o aumento da população com ensino superior, o estudo da CE também diz que “o prémio salarial da educação é superior para trabalhadores com contratos permanentes”.

A evidência empírica tem confirmado a existência de uma relação entre a desregulação laboral e a redução da wage-share, isto é, a fração do rendimento produzido num país que é recebida pelo fator trabalho (por outras palavras, a fatia do bolo que cabe aos trabalhadores), algo que foi reconhecido num estudo de três investigadores do FMI.

A precariedade também deixa os jovens mais desprotegidos no mundo do trabalho. Os dados mais recentes do INE mostram isso mesmo: a tendência de recuperação do emprego no ano passado não se tem feito sentir entre as gerações mais novas, cuja taxa de desemprego subiu para 23,4%. A taxa de desemprego jovem já representa 3,5 vezes a da população total (em 2014, após a última crise, representava 2,5 vezes). Paulo Marques, do Observatório do Emprego Jovem, sublinha que “houve muita destruição de emprego jovem porque esses jovens tinham contratos a termo certo” que não foram renovados.

Renato Miguel do Carmo, do Observatório da Desigualdade, aponta no mesmo sentido: “Um dos problemas fundamentais da geração de trabalhadores mais jovens é a precarização do trabalho. Estavam na antecâmara do desemprego quando aconteceu a pandemia”. O desemprego de longa duração, que tem aumentado, pode fomentar a desvalorização de competências e a exclusão social. E nem é apenas entre os mais jovens. Os números do INE mostram que o desemprego está a atingir particularmente a faixa etária dos 35 aos 44 anos, pelo facto de ser uma geração que “foi muito atingida [pela última crise] e entrou para o mercado de trabalho com contratos muito precários”, como refere Paulo Marques.

É difícil ignorar os impactos da precariedade nos salários e na vulnerabilidade das gerações mais jovens. Na prática, os liberais queixam-se hoje do resultado das políticas que implementaram e que continuam a defender: nos últimos programas da IL, encontram-se propostas para facilitar os despedimentos, reintroduzir o banco de horas individual ou aumentar o período experimental. Quando o diagnóstico é errado, dificilmente se propõem boas soluções.
 

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