Nada de novo. No seu programa, o PSD defende, entre outras medidas, um «Sistema Nacional de Saúde» assente «em três pilares - público, privado e social»; a «contratualização da gestão de unidades públicas com outras iniciativas – sociais e privadas»; e a «emissão de vouchers» para «consultas e meios complementares de diagnóstico e terapêutica» no privado («quando os mesmos não se realizem em tempos clinicamente aceitáveis»), numa lógica de passagem de um Estado prestador para um «Estado regulador» e um «Estado garantia». Passos Coelho está vivo, portanto.
Cereja em cima do bolo, na proposta de revisão constitucional apresentada em 2021, o PSD pretende relativizar o direito a um SNS universal e gratuito, afirmando que o acesso aos cuidados «não pode em caso algum ser recusado por insuficiência de meios económicos». O que significa que nos casos em que não se verifica essa «insuficiência de meios económicos» a resposta pode ser cobrada, numa lógica de comparticipação que passaria a abranger a generalidade dos cidadãos e, portanto, a classe média. Ou seja, uma formulação que relativiza ainda mais o direito à saúde fixado na Revisão Constitucional de 1989, onde se assume o SNS como «tendencialmente gratuito» (que permitiu, por exemplo, criar as taxas «moderadoras» em 1990). E por isso ainda mais distante da Constituição de 1976, que consagrou o direito de acesso a «serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito». Trata-se, é claro, do mesmo PSD que em 1979, com o CDS, votou contra a criação do SNS.
A dita passagem de um Estado prestador para um «Estado regulador» e de «garantia», que o PSD propõe no seu programa, visa evidentemente enfraquecer o SNS, reforçando o mercado da saúde através do financiamento, com recursos públicos, do setor privado. Ao mesmo tempo que generaliza os «cheques-saúde» (os tais «vouchers», cuja utilização pode ser maximizada com cortes no financiamento do SNS, reduzindo a sua capacidade de resposta) e contratualiza com privados a gestão das unidades do SNS, o PSD fragiliza, até ao limite, o princípio constitucional do direito à saúde, abrindo assim portas à comparticipação da prestação de cuidados e minando, desse modo, o próprio apoio do SNS pelos cidadãos (que passam a sentir que pagam duas vezes pela sua existência). Se tudo isto não é um processo de gradual privatização da saúde, é o quê?
Sempre tudo vai no sentido, não da relevância da prestação de serviços de saúde mas da quota de participação dos privados na prestação desses serviços.
ResponderEliminarOs prémios com seguros de saúde são declarados para efeito de IRS a par das despesas de saúde.
Daí deriva que quantos mais seguros de saúde menos pressão sobre o SNS a troco de uma menor colecta de imposto.
Não fosse a ideologia da gratuitidade porque sim, o Estado haveria de cobrar às seguradoras os serviços que prestasse aos seus segurados.
Num Estado falido, isto seriam boas notícias não fora a sanha de querer funcionários públicos a tratar da saúde, porque sim!
A sua conclusão de que a alteração proposta na revisão constitucional do PPD, eliminando a referência "tendencialmente gratuito", seria um abrir de portas à privatização dos cuidados de saúde parece-me um pouco exagerada. Coloco-lhe por isso umas poucas questões.
ResponderEliminarSNS "gratuitos" ou "tendencialmente gratuitos" nem existem na maioria dos países europeus (existirão eventualmente num ou noutro mais rico). Esta formulação constitucional demagógica não chegou a implantar um verdadeiro SNS e tem contribuído para a degradação do pouco que chegou a existir (degradação das instalações e equipamentos, insuficiência da cobertura por médicos de família, demora nas consultas, nas cirurgias e nos tratamentos hospitalares, redução relativa das remunerações dos seus trabalhadores, etc.), apesar da propaganda que os partidos estatistas (PCP e BE) têm feito da excelência do dito SNS.
Como explica que mesmo na vigência do "tendencialmente gratuito" tenha havido uma proliferação de grupos de saúde privados? E porquê sendo os serviços de saúde "tendencialmente gratuitos" foi mantida a ADSE, que funciona como seguradora pública de saúde para os funcionários do Estado e seus agregados familiares e tem contribuído para a lucratividade dos grupos empresariais privados de saúde? Em que aspectos a existência de empresas de saúde privadas é um mal? Neste sector, a concorrência entre público e privado não é aceitável?
Pode-se malhar com razão em muitas concepções (“são as empresas que criam emprego e pagam os salários”, quando são os trabalhadores que com o seu trabalho criam o valor das mercadorias) e propostas de merda do PPD. Mas mesmo para dar porrada merecida não vale tudo, neste caso os subterfúgios.
Proclamações à parte, analisemos as ações: qual é a posição do PS sobre cheques e vouchers na área da saúde? Por exemplo, o cheque dentista?
ResponderEliminarNote-se ainda que a revisão constitucional de 1989 nunca teria sido possível sem o PS. Agradeçam ao PS, que de "socialista" nada tem, por pagarem taxas moderadoras para usufruirem de algo que é um direito básico.
ResponderEliminarVivo na Alemanha e aqui existe um sistema misto. Podemos ter seguro privado ou público e com esse seguro vamos a hospitais que podem ser públicos ou privados, mas nem sequer sabemos.. É transparente para o utilizador. Até ver funciona bem.
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