quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Soluções políticas à esquerda: o mito da instabilidade

No debate do OE ninguém terá estranhado as profusas referências ao «fim da Geringonça» nas intervenções à direita, por partidos que a assumem como uma solução política por natureza anómala e instável. A sentença em uníssono, do Chega ao PSD, não foi, porém, mera coincidência, nem resultou de uma qualquer análise de ciência política fundada em evidências substantivas, ou de capacidades premonitórias dignas de crédito. Significou, tão só e apenas, uma espécie de «mantra do esconjuro», nascido da noção - essa sim clarividente - de que não há nada mais perigoso e ameaçador, para a direita e para os seus interesses, que as convergências à esquerda.

Por entre outros epítetos infantis, como as referências inanes ao bicho-papão do «extremismo» dos partidos à esquerda do PS e à necessidade de «desinstalar o socialismo» (que não é mais que concretizar o sonho de acabar com serviços de provisão estatal direta, como o SNS e a Escola Pública), a alusão a uma espécie de insustentabilidade e instabilidade intrínseca da solução política encontrada em 2015 foi recorrente. E contudo, ao arrepio da perceção de senso comum, esta foi «apenas» a solução governativa mais duradoura de todos os Governos Constitucionais do pós-25 de Abril que dependeram de coligações ou de acordos de incidência parlamentar entre partidos.


De facto, a inédita «Geringonça», ancorada nos acordos entre PS, BE, PCP e PEV, funcionou durante mais de 2.100 dias, bem acima da duração da coligação PAF do PSD/CDS-PP (1.620 irrevogáveis dias), da Aliança Democrática (pouco mais de 1.200 dias de governo) e da coligação PSD/CDS-PP do tempo de Barroso, Santana e Portas (cerca de 1.000 dias). Aliás, se as convergências à direita parecem durar menos que à esquerda, as soluções governativas entre o PS e os partidos à direita revelaram-se ainda mais efémeras (PS/PSD, entre 1983/85, e PS/CDS, em 1978).

Tem por isso inteira razão o ministro Pedro Nuno Santos, quando refere que os entendimentos à esquerda funcionaram enquanto solução governativa, tanto do ponto de vista da sua duração (seis anos) como dos seus resultados. E bem pode a direita, por desejo inconfessado ou preconceito descabido (e pouco democrático, já agora), querer fechar a sete chaves a porta que se abriu. Como assinala o ministro das Infraestruturas e da Habitação, a Geringonça «não foi um parênteses» na democracia portuguesa e pode por isso muito bem voltar. Habituem-se.

3 comentários:

  1. O quadro tem um erro de forma: Apesar dos entendimentos conseguidos, entre 2019 e 2021 não houve nenhum acordo de incidência parlamentar.

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  2. O Conselho de Estado reúne-se hoje, às 14:00, com Lagarde, Presidente do BCE (!); depois, às 17:00, reúne-se sobre a dissolução já anunciada ...

    https://www.rtp.pt/noticias/pais/conselho-de-estado-reune-se-com-lagarde-e-depois-sobre-dissolucao_n1360441


    A. Correia

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  3. Espero bem que se repita, mas formalizada à alemã, de modo a que aquilo que cada um dos participantes espera do entendimento fique estabelecido à priori, como aliás bem referiu Pedro Nuno Santos. O problema dos entendimentos informais é que cada uma das partes tem deles uma visão diferente...

    E espero também que os diferentes Partidos deixem de ter estados de alma relativamente às lideranças dos restantes. Catarina Martins parece recusar um entendimento futuro com Costa, dizendo que a liderança do PS deve mudar para permitir uma reedição da Geringonça.

    Tal pedido é infantil, nem imagino o que ela não diria se Costa viesse pedir ao BE que se livrasse dela. Catarina Martins não é uma colegial e se não gostou do discurso de Costa na discussão do OE ou daquilo que vê como a sua intransigência, pois paciência, ninguém disse que a política é para meninos de coro.

    Pior ainda anda o Professor Louçã, ao considerar que o PM quis provocar esta crise. Ou seja, quer que acreditemos que o PM forçaria eleições numa situação pandémica, no meio do Inverno, sujeito a que o agravar da situação sanitária e/ou a crise energética e dos combustíveis fizessem o PS ser corrido do Poder.

    Costa não teria apenas que não ter um pingo de patriotismo, teria também que ser completamente néscio.

    A mesma objeção se poderia apontar a quem quer que sugerisse que PCP-PEV ou BE foram para as negociações de má fé, com intenção de chumbar o OE a priori e assim regressarem à condição de puros Partidos de Protesto (como fez Marques Mendes). Seria anti-patriótico e seria suicidário.

    Pessoalmente, acredito muito simplesmente que depois das autárquicas, o PCP mudou, em face dos resultados, de opinião (vide as posições de António Filipe ou de João de Oliveira antes do Verão) e decidiu que deveria secundar a posição do BE e insistir em ganhos na frente laboral, provavelmente porque os comunistas consideraram que nas presentes condições da Geringonça, não estavam a obter suficientes ganhos de causa para os seus eleitores, e que isso os estava a fazer perder votos. Não obtendo tais ganhos de Costa, o PCP votou contra.

    Penso que tal lógica, se for verdadeira, é perfeitamente legítima, embora discorde dela.

    Se os Partidos de Esquerda querem criticar o PS, critiquem-no com base nas diferenças de posição em matéria laboral, não com base em teorias de conspiração ad hominem.

    Aliás, as recriminações de parte a parte não farão ninguém ganhar um voto, porque os eleitores não gostam de quezílias... E a Direita agradece...

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