Embora o debate sobre o Orçamento do Estado para 2022 se centre nas grandes opções da proposta, há detalhes que merecem alguma atenção. É o caso da proposta do Governo para a alteração do regime de "patent box", que define uma taxa efetiva de imposto mais baixa sobre o rendimento proveniente de patentes. António Costa fez questão de destacar esta alteração no Parlamento, enquanto elencava as medidas inscritas no OE que o tornavam "amigo do investimento". Na prática, a alteração proposta pelo Governo isenta de IRC 85% das receitas ou royalties provenientes de patentes e propriedade industrial (a isenção atual é de 50%). O objetivo é tornar este regime "um dos mais competitivos da Europa" na promoção da inovação, explicou o primeiro-ministro.
O problema é que os benefícios fiscais não parecem ter tido grandes resultados nos países onde foram implementados. Em 2014, três economistas do Centro para a Investigação Económica Europeia analisaram os benefícios atribuídos aos rendimentos de propriedade industrial em 14 países da União Europeia e concluíram que eram "mal orientados para incentivar as empresas a aumentar as suas despesas em I&D [Investigação e Desenvolvimento]". O motivo apontado pelos investigadores é a elevada incerteza associada a novos projetos de I&D: os regimes de patent box não apoiam empresas que queiram investir em projetos cujos resultados são incertos, mas recompensam apenas os projetos que já se revelaram bem sucedidos. Por outras palavras, premeiam o resultado e não o investimento inicial.
Mais recentemente, três investigadores do Instituto Max Planck publicaram um estudo que aponta conclusões semelhantes: os benefícios fiscais para rendimentos de propriedade industrial podem reduzir a transferência de patentes para fora dos países que os aplicam, mas não têm grande impacto nas despesas com I&D. Os autores notam que estes regimes "subsidiam o resultado e não o investimento" e questionam se estes regimes são "um instrumento eficaz para encorajar a inovação num país, ou se servem apenas para travar ou facilitar a transferência de rendimento das empresas para jurisdições com impostos mais baixos". A pergunta é pertinente, já que os benefícios atribuídos às patentes têm estado associados ao planeamento fiscal agressivo das multinacionais, que transferem rendimentos para países onde beneficiam de taxas de imposto reduzidas. As patent boxes são um dos indicadores que a Tax Justice Network utiliza para construir o Índice de Paraísos Fiscais Empresariais (neste aspeto, Portugal não fica muito bem na fotografia). Foi por isso que, em 2016, a maioria dos deputados do Parlamento Europeu (incluindo o S&D, grupo parlamentar em que se inclui o PS) recomendou a introdução de regras mais apertadas para estes regimes.
À medida que o combate à fuga aos impostos vai ganhando apoio, alguns países vão invertendo o rumo. A Itália, por exemplo, eliminou este ano os benefícios que atribuía às patentes e substituiu-os por apoios públicos às despesas com I&D. É difícil perceber a insistência do Governo português neste regime, sobretudo se tivermos em conta o desempenho do investimento público na área da inovação. Os dados do Eurostat mostram que Portugal é um dos países em que o Estado menos investe em I&D. Além disso, é também um dos países que mais cortou as verbas para I&D nos últimos dez anos: em 2010, o Estado investia €92 per capita em investigação e desenvolvimento; em 2020, já eram apenas €71 per capita.Em vez de reforçar o investimento público, o Governo prefere apostar num modelo de benefícios fiscais que, além de pouco eficaz, pode abrir a porta às multinacionais que queiram aproveitá-lo para pagar menos impostos. É difícil encontrar bons motivos para esta opção.
Excelente exposição, mais uma vez António Costa fala e propõe algo sem saber o elementar.
ResponderEliminarNeste caso, acho que o Governo sabe bem o que propõe.
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