quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Sobre um suposto «fim de ciclo»

Sobretudo com a inesperada derrota do PS em Lisboa, nas autárquicas, começou a ser ventilada pela direita a ideia de que esse resultado constituía o início de um «fim de ciclo», marcado pelos entendimentos à esquerda nos termos da solução política encontrada em 2015. Na própria noite eleitoral, e ainda meio desajeitado com a vitória que lhe caíra no colo, Carlos Moedas dava o mote («este novo ciclo começa em Lisboa, mas não vai acabar em Lisboa»), para logo a seguir Rodrigues dos Santos afirmar que o país começara «a virar à direita com a força do CDS». Nos dias seguintes, e pelo menos durante algum tempo, a tese foi fazendo o seu caminho com a ajuda de comentadores e de vários órgãos da comunicação social, como quem reza por chuva em uníssono para que a dita acabe por descer do céu.

Sucede, porém, que as recentes sondagens para as próximas legislativas (Aximage, Universidade Católica, ICS-ISCTE e Intercampus), realizadas já depois do chumbo do OE (com exceção da sondagem do ICS-ISCTE, parcialmente concretizada antes dessa data), não só não indiciam nenhuma mudança de ciclo (esquerda/direita), como não registam alterações substantivas entre as intenções de voto para legislativas recolhidas no dia das eleições autárquicas (final de setembro) e a média dos valores apurados mais recentemente (novembro), como sugerem os gráficos seguintes.


Entre estes dois momentos (antes de depois do chumbo do OE), sobressai apenas, de facto, algum aumento das intenções de voto no PS e no PSD, com o recuo ligeiro dos restantes partidos, mantendo-se no essencial a correlação de forças entre esquerda e direita no seu todo (com a esquerda, incluindo o PAN, a passar de 55,3% para 54,5% - e de 52,0% para 51,5% caso não se inclua o PAN - e a direita a manter, em novembro, o valor registado no final de setembro, em torno dos 40% - com o PSD e o CDS-PP somados a passar de 26,0% para 28,9%). E com os novos partidos à direita (Chega e IL) e mais à esquerda (PAN) em tendência de quebra nas intenções de voto, neste período.

Mais do que uma mudança de ciclo, portanto, o que tem até agora estado essencialmente em causa, desde as legislativas de 2019, são processos de recomposição interna à esquerda e à direita, incomparavelmente mais relevantes neste segundo caso, com a subida apreciável do Chega e da IL face aos partidos da direita convencional (PSD e CDS-PP) depois dessa data. À esquerda, pelo contrário, a alteração nas intenções de voto é pouco significativa, mantendo-se basicamente, pelo menos até hoje, da parte do eleitorado, a tendência de distribuição de voto verificada em 2019.

3 comentários:

  1. A confiar nestas sondagens,o PS sai reforçado,e as esquerdas com menor capacidade para exigir politicas de esquerda(reforço do SNS,revogação das leis laborais).

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  2. Depois das declarações da representante do PAN ter vindo dizer que, desde que tenha lugar no governo, o PAN está disposto a viabilizar um Orçamento tanto do PSD como do PS, parece-me abusiva a sua inclusão no espetro político de esquerda.
    Não que isso altere a conclusão do texto...

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