segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Até onde vai o cinismo?


Há várias camadas de cinismo, calculismo e mais rasteira manipulação no argumento de que BE e PCP estão atirar o país para os braços da direita. No fundo, dizem-nos, a esquerda muito gosta de ter a direita no poder, porque o seu verdadeiro inimigo é o Partido Socialista.

Derrubar este argumento implica sempre devolver a questão e perguntar o motivo pelo qual o Partido Socialista não está disposto a aceitar um conjunto de propostas bastante recuadas, muitas delas sem impacto orçamental. Apelo aliás já dirigido por pessoas da área do PS, como Ana Gomes e Maria de Lurdes Rodrigues.

Mas vale também a pena um exercícios de memória: nos anos de chumbo da Troika, houve quem andasse a escrever e a mobilizar em torno de alternativas, enquanto o PS comprou a tese da inevitabilidade que serviu de mote à direita. Enquanto milhares de militantes e independentes de esquerda consumiam o tempo livre e as forças que tinham e que não tinham em mobilizações, manifestos, arruadas, livros, artigos, comícios, conferências, o Partido Socialista fazia uma oposição branda no parlamento.

Era a austeridade de rosto humano, diziam-nos. A Troika era inevitável, mas fariam diferente. António José Seguro fez oposição dois anos com base na sua grande diferença em matéria orçamental ser o IVA da restauração. Que, claro, faria toda a diferença.

Foram anos de provação em que, como sempre, nos momentos fundamentais, o PS falhou por falta de comparência. E não foi pela sua liderança: foi porque o PS estava e está refém da economia política que nos levou à Troika.

E lembramos, porque é tão revoltante que é impossível esquecer, que a central sindical controlada pelo Partido Socialista foi aquela que aceitou um acordo de concertação social que iria diminuir a TSU para os patrões e aumentar a TSU para os trabalhadores em plena crise, causando uma desavergomnhada transferência de rendimento do trabalho para o capital. Medida que só foi parada na rua, quando a esquerda que dizem ser "amiga da direita" mobilizou várias centenas de milhares de pessoas em todo o país, nas maiores manifestações públicas desde o 1º de Maio de 1974.

Na hora da verdade, sabemos quem está sempre, sempre ao lado da direita. Na verdade, é o mesmo partido que basta os patrões espirrarem para acorrer a pedir desculpa, como aconteceu há dois dias atrás.

Tomem as vossas decisões. Mas não nos gozem.

7 comentários:

  1. O mais revoltante do Partido Socialista é fazer-se passar por ser de esquerda quando na verdade nunca o foi ou será. É muito doloroso ver um partido verdadeiramente de esquerda - o Partido Comunista - receber daquele, devolvidas aos seus pés as medidas que sugeriu, mesmo tão mitigadas. Simples medidas que beneficiariam aqueles que mais precisam. Tornou-se quase, quase sacrificial o esforço que fizeram ao longo dos anos, um esforço que só tem prejudicado eleitoralmente este partido. Repare-se que as poucas medidas positivas de recuperação de rendimentos dos mais pobres - por reivindicação comunista junto do PS - nunca apareceram associadas ao Partido Comunista. A imprensa dominada por comentadores do PS/PSD/CDS encarregou-se do trabalho, acolitada pelos jornalistas serventuários de serviço. Mas, mais vale sair de cabeça erguida e de espinha direita do que receber, consecutivamente, nãos de quem nunca, mas nunca hesitará em tocar, o que quer que seja, que retire a mais pequena fatia de proventos à banca ou ao patronato.

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  2. “A esquerda gosta muito de ter a direita no poder” precisamente pelo exemplo das manifestações, porque a sua oposição é mais eficaz.
    E se não é a esquerda que nós está a empurrar novamente para os braços da direita, então quem é? O PS? Deve ter um grande interesse nisso…
    Precisamente por o PS ser tão parecido com o PSD é que a esquerda devia aproveitar os ganhos possíveis nestas negociações. É que esta irredutibilidade vai ter como consequência o regresso da direita, desta vez com os fachos do chega. E, enquanto assiste ao passa culpas entre a esquerda e o PS, o povo é que se vai lixar outra vez.

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  3. “A esquerda gosta muito de ter a direita no poder” precisamente pelo exemplo das manifestações, porque a sua oposição é mais eficaz.
    E se não é a esquerda que nós está a empurrar novamente para os braços da direita, então quem é? O PS? Deve ter um grande interesse nisso…
    Precisamente por o PS ser tão parecido com o PSD é que a esquerda devia aproveitar os ganhos possíveis nestas negociações. É que esta irredutibilidade vai ter como consequência o regresso da direita, desta vez com os fachos do chega. E, enquanto assiste ao passa culpas entre a esquerda e o PS, o povo é que se vai lixar outra vez.

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  4. Diogo, tem toda a razão. O PS está enredado na sua velha ideologia liberal, que hoje é predominante nas suas fileiras. Daí que o interesse claro de Costa seja neste momento enterrar o arco de governação parlamentar com a esquerda. O PS pretende claramente ver chumbado o Orçamento e deixar a direita ganhar as legislativas, govermar com o seu programa neoliberal e assim culpar a esquerda. A esta, pelo contrário, apenas resta intensificar as lutas organizadas, procurando aproximações partidárias entre si; o Bloco e o PCP são obrigados nos próximos tempos a caminhar juntos.

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  5. "Na hora da verdade, sabemos quem está sempre, sempre ao lado da direita."

    Por isso é que é essencial que a direita não ganhe ... para ganhar o PS!?
    Com maioria absoluta?
    Ou em minoria, para depois ser ajudado mais 6 anos por BE e PCP a implementar políticas de ... direita?

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  6. Num artigo no Público de hoje, Boaventura de Sousa Santos – que não pode ser considerado de preconceito contra a “geringonça” ou alinhado com o PS – observa, a meu ver de modo pertinente, que os dois partidos à esquerda do PS (PCP e BE) se sentem «mais confortáveis na oposição à direita (e contra o PS) do que na construção de políticas de esquerda».
    É aqui que reside o “nó górdio” da política de esquerda em Portugal que António Costa ainda tentou desfazer com a “geringonça” em 2015, mas que, infelizmente, termina hoje com o chumbo do orçamento pelo PCP e BE.

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  7. De forma pragmática, como pode a esquerda ser mais efectiva no que reivindica?

    Tendando influenciar, mesmo que com poucas vitórias reais, um governo PS minoritário, ou tentando o mesmo com um governo PSD-PP-IL-ch?

    Infelizmente, com eleições, o mais provável será um regresso da direita ao poder, ou em alternativa uma vitória minoritária do PS, em que, não havendo hipóteses de entendimento à esquerda, o colocará confortavelmente nos braços do PSD.

    Em qualquer dos cenários, a esquerda perde espaço de influência no que respeita à implementação de políticas mais justas.

    Em que é que tudo isto beneficia o dia-a-dia de todos aqueles que se reveem na esquerda? Honestamente tenho dificuldade em encontrar as vantagens.

    Como votante à esquerda do PS, tenho a certeza que será muito mais complicado conseguir aprovar medidas que levem a uma sociedade mais justa com um governo PS (ainda mais) alinhado com a direita. E impossível com um governo de direita que conte com a IL e ch...

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