terça-feira, 30 de março de 2021

Quem pesa mais?


Dúvida: se as medidas sociais aprovadas pela oposição no Parlamento estão, segundo o Governo, sujeitas à lei-travão e por isso são inconstitucionais, mais o serão então as centenas de milhões de euros a transferir para o Fundo de Resolução para transferir para o Novo Banco (NB) por conta daquele contrato assinado por Mário Centeno, já que o próprio Parlamento nem sequer previu qualquer rubrica no Orçamento de Estado para 2021.

Mas escreve Sérgio Aníbal hoje no Público:  

Apesar de, no Orçamento do Estado (OE) para 2021, não ter cado prevista qualquer injecção de verbas no Novo Banco por parte do Fundo de Resolução e a maioria dos deputados ter deixado claro que quer que a matéria seja outra vez sujeita a voto, as regras orçamentais em vigor dão a possibilidade ao Governo de avançar com essa operação sem ter de pedir nova autorização à Assembleia da República (AR). Alterações semelhantes ao OE já foram aliás realizadas em anos anteriores. (...) Agora, para concretizar esta despesa do Fundo de Resolução — que é uma entidade incluída no perímetro das Administrações Públicas e, portanto, conta para o défice — será sempre preciso proceder a uma alteração do OE. E a expectativa dos partidos à esquerda e à direita do Governo, reforçada com uma proposta de resolução posterior, era a de que qualquer injecção tivesse, depois de conhecidas as auditorias ao Novo Banco, de ser novamente votada na AR, numa espécie de orçamento rectificativo. No entanto, este tipo de alteração ao Orçamento é uma das que, segundo os critérios definidos na legislação nacional, pode ser realizada directamente pelo Governo, não exigindo uma aprovação do Parlamento. A Lei de Enquadramento Orçamental define que as alterações que não impliquem aumentos da despesa total da administração central ou de cada programa (geralmente correspondente a um ministério), que não aumentem os compromissos do Estado ou que não façam ultrapassar os limites de endividamento do Estado, podem ser feitas pelo Governo, através de decreto-lei. Na prática, cada ministério tem um limite global de despesa que tem de cumprir, mas dentro desse limite pode passar verbas de umas rubricas para outras. As despesas inscritas no OE são tectos, que geralmente não são alcançados. E existem ainda verbas específicas a cargo do Ministério das Finanças, como a dotação provisional, que podem ser encaminhadas para cada um dos ministérios reforçando os limites de despesa a que estão obrigados. Neste caso, aquilo que João Leão terá de fazer é reafectar verbas previstas para outros fins e reforçar a despesa que é permitida ao Fundo de Resolução para injectar dinheiro no Novo Banco.

Ora, deve ser por isso que António Costa se apegou rapidamente à formulação "criativa" de Marcelo Rebelo de Sousa para adiar qualquer decisão sobre o que fazer à promulgação  das medidas de apoio social. A intempestativa verve de que iria remeter o diploma para a fiscalização sucessiva do Tribunal Constitucional passou rapidamente a um sorriso contrafeito com o gesto de Marcelo Rebelo de Sousa que, por acaso, acaba por ir ao encontro do Governo de não fazer ondas no caso Novo Banco. 

E é assim que medidas sociais são trocadas por negócio que nunca deveria ter existido, porque até sairia bem mais barato ter nacionalizado o NB. Com essa transferência - pedida para fazer face à declaração de prejuízos recorde em 2020, o Estado terá já injectado no NB (sem garantias reais de o reaver) cerca de 3,6 mil milhões de euros da almofada de 3,89 mil milhões de euros, criada pelo contrato de venda ao Lone Star para fazer face a eventuais situações inesperadas de imparidades ou más avaliações de carteiras de crédito, mas que na verdade foram condições instituídas para ser usadas pelo comprador, como o denunciou  no Parlamento o ex-vice-governador do Banco de Portugal João Costa Pinto

Tendo o Estado injectado mais de 10 mil milhões de euros desde a criação do NB, consumida a almofada e delapidadas carteiras de crédito vendidas ao desbarato resta ao Lone Star passar o banco a patacas. E por isso se anuncia já que, a partir de agora, o NB passará a dar lucros. Veremos se não vai parar ao Banco Santander, eleito pelo BCE como herdeiro do sistema financeiro ibérico, no seu esforço de concentração bancária europeia, sob a alegada preocupação de facilitar a supervisão bancária. 

E entretanto, há milhares de pessoas que andam a passar mal com a pandemia... 


4 comentários:

  1. A financeirização do sistema capitalista (que é a mais visível das suas imagens de marca contemporâneas), mergulha a sua âncora mais profunda no âmago normativo e institucional, que, traduzindo a desigual posição das forças de classe em cada momento histórico e no seio de cada sociedade - ainda que sem prejuízo do jogo de avanços, recuos e mesmos tácticas cedências por parte da classe dirigente em determinados momentos históricos, que lhe é inerente - constitui como que a sua capa de legitimidade formal. Falta-lhe contudo a legitimidade substantiva já que a vontade e anseios populares, neste tabuleiro de um xadrez perverso, são, para quem manda, meros contratempos que é preciso ir resolvendo através dos seus fiéis instrumentos de poder. É isto que explica o núcleo mais profundo das relações entre o PS e Marcelo, que no essencial dos seus posicionamentos, são verdadeiramente gemelares; não deve porém ignorar-se que o PS é um cachorro de grande utilidade prática, mas que ninguém exibe com agrado aos amigos do ténis ou da canasta: por mais que ladre e abane o rabo, há sempre o problema da falta de pedigree, para além de um ou outra desobediência circunstancial, que também não será esquecida nem perdoada. Por conseguinte e a seu tempo, terá que ser afastado e dar lugar a um verdadeiro Mastim.

    ResponderEliminar
  2. Alguém eliminou todos os "fi" dessa transcrição.

    ResponderEliminar
  3. «numa espécie de orçamento rectificativo!

    Não pode ser, voltamos aos tempos do PPC?
    'A geringonça não rectifica' é uma das suas glórias.

    ResponderEliminar