quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Na resposta às recessões, o barato sai caro


Os dados da execução orçamental referentes a 2020 continuam a dar que falar: no ano passado, o Governo acabou por gastar menos €550 milhões do que o previsto em diversos apoios sociais, incluindo os que foram criados excecionalmente no contexto da pandemia. No final do ano, o défice ficou 3,7 mil milhões abaixo do que o Governo tinha previsto, sendo que boa parte desta diferença (70%) é explicada pela despesa que não foi realizada, tanto nos apoios ao tecido empresarial, como no investimento público, passando pela aquisição de bens e serviços e pelas transferências correntes, como explicou Susana Peralta no Público. Mesmo face à recessão histórica que o país atravessa e com taxas de juro em mínimos históricos, a palavra de ordem no Ministério das Finanças continua a ser contenção.

O resultado foi apresentado por alguns jornais como uma poupança, mas a experiência da última crise diz-nos que este é um erro que se paga caro: em plena crise, a contenção orçamental não só é errada, como agrava a própria dívida pública. Na última crise, os países que aplicaram programas de consolidação orçamental (i.e. austeridade) mais acentuados foram os que viram a dívida pública em % do PIB crescer mais nesse período, como se vê no gráfico acima, publicado pelo economista Philipp Heimberger. Isso acontece devido ao paradoxo da poupança descrito por Keynes: se o Estado tentar poupar em contextos de incerteza elevada, em que as famílias e empresas também apostam na poupança e recuam nas decisões de consumo e investimento, todos acabam com menos rendimento, já que a redução da procura agregada tem como efeito a contração da atividade económica e da produção. É por isso que estes países foram também os que tiveram uma recuperação mais lenta após a última crise - é o resultado das cicatrizes deixadas pela austeridade.

Há outros dados que ajudam a avaliar a resposta à crise. A estimativa divulgada anteontem pelo INE aponta para que, em 2020, Portugal tenha tido a maior quebra do PIB de que há registo (uma queda de cerca de 7,6%), sublinhando que "a procura interna apresentou um expressivo contributo negativo para a variação anual do PIB, devido, sobretudo, à contração do consumo privado". Embora as medidas de confinamento e a restrição das atividades económicas expliquem boa parte do recuo no consumo, este também pode estar relacionado com a insuficiência dos apoios públicos às famílias, sobretudo tendo em conta que Portugal foi o país europeu que registou maior quebra salarial entre o 1º e o 2º trimestres do ano passado (foi de 13,4%, face à média europeia de 6,5%, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho). Enquanto as Finanças poupam nos apoios e continuam a dar prioridade à contenção do défice, a espiral recessiva de quebra do consumo e aumento das falências e do desemprego acentua-se. Com isso, o governo não só não responde aos problemas de quem perdeu rendimento no curto prazo, como se arrisca a agravar as vulnerabilidades da economia no longo prazo. O barato pode sair bastante caro.

7 comentários:

  1. "a palavra de ordem no Ministério das Finanças continua a ser contenção"
    É a mão invisível de Pedro Passos Coelho.

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  2. Não é a mão invisível de PPC. Essa mania de endeusar um medíocre e caceteiro troikista e mais além apenas serve para lhe fazer propaganda.

    É a mão bem visível da governança neoliberal, subordinada a Bruxelas e à UE

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    1. Como é possível que tal continue a acontecer num governo socialista apoiado/sustentado pelo BE e PCP???

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  3. Isto devia abrir todos os telejornais e ser o tema principal dos debates nos canais de notícias. Custa a crer a dimensão das “poupanças” num ano de pandemia! É um escândalo. Todos os portugueses deviam ficar indignados.

    PS - em relação ao comentário anterior, poderia ser obra de PPC mas estamos em 2021. É a escola Centeno que não muda 1 centímetro nem com uma pandemia

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  4. É o que dá termos um governo que obedece à UE
    Pelo que é preciso mudar mesmo para um governo mais à esquerda. Simples.
    Já agora, só mesmo a direita encavalitada no Chega , chama socialista a este governo

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  5. Correção.

    Como é possível que tal continue a acontecer num governo do Partido Socialista apoiado/sustentado pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido Comunista Português???

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  6. Um personagem emenda a mão, depois de ter resvalado para a linguagem dum achegado ao chega

    Só mesmo alguém assim, pode conseguir chamar "socialista" a este governo

    Este emendar de mão é simultaneamente esclarecedor e cómico

    Esclarecedor porque depois do apontar da sua boutade de direita extremista, se apressa a tentar corrigir o disparate, assim desta forma tão apressada

    Cómico porque este é um governo que se mantém amarrado aos ditames da UE. E continua com a política que se vê. Mas lá na Holenda querem um governo assim mais como aquele governante holandês que nos insultou a todos.

    E mandam-nos este canastrão impingir-nos o dote

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