A extrema-direita nacional disse que não viabilizava a direita no poder se a direita não a ajudasse a rebentar com esta República. Mas afinal o PSD aceitou fazer acordos com a extrema-direita aparentemente sem exigir nada em troca. E a extrema-direita alinhou com a direita sem dizer por que aceitou.
Pelo caminho, soube-se que ambos querem reduzir o número de deputados açorianos e o de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), supostamente por exigência da extrema-direita.
Mas esta dita reivindicação da extrema-direita não é nada original.
Reduzir o tamanho do Parlamento ou criar círculos uninominais é um velho sonho da direita para que não haja as nuances da política no poder. O que importa são as ideias maiores que tendem a tornar-se únicas ou harmonizadas ou dualizadas para que se escolham sempre os mesmos sabonetes.
E então reduzir os apoios aos pobres - que não sejam os restos do supermercado - é uma ideia ainda mais antiga da direita. Foi precisamente a direita tradicional portuguesa que teve a magnífica ideia de cortar apoios a quem mais precisava em plena recessão de 2011-2013 (aprofundada pelas políticas de direita com a cobertura da troica), precisamente com o argumento que a extrema-direita hoje usa: o de que se trata de gente preguiçosa que não quer trabalhar com o suficientíssimo ordenado mínimo (ou menos), durante as horas que for necessário, mesmo para lá do período normal de trabalho fixado na lei, porque afinal "são as empresas que criam emprego" e "é melhor ter um mau emprego do que estar no desemprego". Ou até que estar desempregado até nem é assim tão mau, porque se pode mudar de vida. (Passos Coelho dixit).
A única diferença é que a extrema-direita acrescenta que esses madraços são ciganos. Por que de resto, a política é a mesma.
Em 2012, o Governo PSD/CDS contratou inspectores para vigiar os madraços e com as poupanças feitas pagou pensões. Ou seja, colocou os mais pobres a pagar aos pobres. Em 2013, o ministro do CDS do governo PSD/CDS lembrou que havia demasiada gente a "viver à sombra do Estado". Em 2014, o mesmo ministro disse que, afinal, sempre se cortou no número de pessoas apoiadas porque... não se quiseram inscrever no centro de emprego (!) Era uma questão de "rigor", porque se quis separar os bons pobres dos pobres preguiçosos, ("separar o trigo do joio").
Então porquê agora o escândalo? A direita é flexibilidade, plasticidade, fará o que for necessário para sobreviver e aplicar o seu velho programa. Ou melhor, o programa que lhe deram internacionalmente. Se o país saiu fragilizado de quatro décadas da mesma política - levada a cabo sob os auspícios de organizações internacionais (FMI, UE) e aplicada até por pessoas de esquerda -, a direita zanga-se consigo própria e assume as formas que forem necessário, para cavalgar o descontentamento larvar e não perder votos.
A política da extrema-direita não será diferente da política da direita tradicional. Apenas mais sonante no rasgo das vestes, mais bruta na violência, mais inconstitucional na segregação racial, mais escarrapachadamente exploradora. Mas a sua existência até torna a direita tradicional civilizada. Por isso, Marques Mendes não vê grande problema desde que Rui Rio saiba "explicar muito bem" o que o levou a fazer este acordo. Acordo esse que só tem um problema, diz ele: é que assim pode fazer fugir o centro-resquerda do PSD... Onde andará a "social-democracia avançada" de Cavaco Silva?
Por isso, a direita tradicional não se zanga se dentro de si outra direita sair do armário em que se amarfanhou tantos anos. E com razões de queixa. Desde que saiu dos assentos da Acção Nacional Popular no hemiciclo para, passados curtos meses, se ver a assinar o Pacto MFA-Partidos em que se preconizava uma sociedade portuguesa rumo ao socialismo, a direita já sofreu demais e agora quer libertar-se desta máscara insuportável. Sobretudo em tempos de Covid...
Eu, João Ramos de Almeida, não iria tão longe. O que a Direita tradicional parece esquecer-se foi que sempre que tentou normalizar e responsabilizar a Extrema-Direita, acabou foi engolida por ela.
ResponderEliminarA única coisa que podemos concluir desta 'aliança' é que Rui Rio sabe fazer contas e percebe, tal como António Costa percebeu em 2015, que com a fragmentação partidária, vai ter que fazer alianças com toda a gente à sua Direita. Mas se o PS não perde o seu verniz democrático por isso, uma vez que o BE e o PCP são Partidos Constitucionais e que defendem o pluralismo (mau grado a insistência do PCP em apoiar regimes muito pouco recomendáveis) já o PSD é capaz de acabar mais castanho e menos laranja...
E poderemos concluir outra coisa, que a vitória de Biden mostrou, ou seja para derrotar a Extrema-Direita é preciso que as Esquerdas se mantenham unidas... Mas o que se passou durante a discussão do Orçamento é um péssimo augúrio no que a isso diz respeito...
Caro João Ramos de Almeida,
ResponderEliminarUm excelente post, de onde apenas quero ressalvar este excerto:
«A política da extrema-direita não será diferente da política da direita tradicional. Apenas mais sonante no rasgo das vestes, mais bruta na violência, mais inconstitucional na segregação racial, mais escarrapachadamente [sic] exploradora. Mas a sua existência até torna a direita tradicional civilizada.»
Isto é talvez a mais elucidativa descrição do sistema "democrático" dos U.S., onde há muito que deixou de haver esquerda. Existe apenas a extrema-direita (Republicanos) e a direita mais moderada (ou talvez devesse dizer menos extrema), que são os Democratas.
Talvez quem ainda aqui no burgo vota na direita, mas não se reconhece na realidade cada vez mais inacreditável dos U.S. (para onde nos encaminhamos), pudesse aproveitar estes tempos de novo confinamento para começar a repensar o sentido de voto...
Eu com a eleição de Biden o que confimei é que no dia seguinte os centristas vêm culpar quem mais fez para mobilizar novos eleitores pelos parcos resultados das suas anémicas propostas. Lamento, mas os progressistas estão fartos desse peditório em que perdem sempre por apoiar o que não funciona.
ResponderEliminarDe facto, uma excelente descrição do "sistema democrático" dos USA
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