“Um Ministro das Finanças alemão é um Ministro das Finanças alemão, a filiação partidária não tem qualquer papel.”
Olaf Scholtz, Ministro das Finanças da Alemanha, SPD, aquando da sua indigitação
O verniz estalou na reunião do Conselho Europeu. A reunião do Eurogrupo anterior terminou em impasse. A reunião do Conselho reforçou-o, na medida em que as posições de parte a parte foram muito mais públicas e significativas.
Começando pelo conteúdo: as propostas em cima da mesa eram a emissão de Eurobonds versus empréstimos do Mecanismo Europeu de Estabilidade com a respectiva condicionalidade (nome eurocrata para programas de austeridade). Os termos do confronto são já de si deprimentes: de um lado, os Corona Bonds, uma resposta comum mínima e provisória, cujas vantagens em relação ao programa PEPP anunciado pelo BCE seriam sobretudo potenciais: 1) a sua futura transmutação em eurobonds permanentes ou, mais interessante e menos provável, a possibilidade de o BCE os comprar e depois apagar do balanço. Do outro, a proposta de regresso aos programas punitivos da crise anterior, acompanhada da habitual conversa dos virtuosos e dos viciosos.
Completamente fora do debate esteve a hipótese, defendida por um número crescente de economistas pela Europa fora, de responder a uma crise absolutamente extraordinária com financiamento monetário. Como aqui foi explicado, financiamento monetário significa a emissão de moeda que não tem como contrapartida a transferência de ativos para o balanço do Banco Central ou, para falar um pouco mais em português, o financiamento que não assenta na contração de uma dívida. Aparentemente, mesmo os Governos mais sensatos partiram para esta discussão dando essa hipótese como indesejável ou inviável.
O resto está nos jornais. A intransigência da Holanda e da Alemanha nesta matéria é lendária, seja na versão burgessa dos responsáveis holandeses, seja na versão mais recatada de Merkel, própria de quem sabe que manda. A versão holandesa tem a vantagem de ser mais transparente, mostrando uma mistura de racismo com orientação ideológica. Mas a versão do Ministro das Finanças alemão é igualmente eloquente. Sou um Ministro das Finanças alemão e vocês sabem o que isso quer dizer. Alemães e Holandeses sabem que já têm o que querem da Europa e agora é mexer o menos possível.
A eliminação das políticas cambiais nacionais, a limitação do papel dos Estados nas políticas orçamentais e industriais, deixaram as economias periféricas expostas para a conquista. A Alemanha e a Holanda acumulam, ano após ano, excedentes fabulosos com os quais nem sonhavam antes da União Europeia e, sobretudo do Euro. O Euro é para as economias de centro uma espécie de desvalorização cambial permanente. Ninguém ganhou mais com a integração do que estes países. E ninguém perdeu mais do que os países da periferia. O Euro não impede guerras cambiais. O Euro é uma guerra cambial. Que a periferia perde todos os dias.
Gostei sinceramente de ouvir António Costa na reacção a esta reunião e, sobretudo, às declarações do Ministro das Finanças Holandês. São só palavras, mas as palavras são importantes. Quem não se sente não é filho de boa gente, diz o povo e tem razão. E quem quiser tomar decisões corajosas para defender o país, tem de mobilizar um sentido de dignidade nacional e popular que tem andado tão por baixo. Resta a famosa questão: que fazer?
António Costa disse que o Ministro das Finanças holandês não percebeu nada do que é a União Europeia. Temo, no entanto, que Hoekstra, tal como Olaf Scholtz, perceba muito bem e saiba muito bem qual é o seu papel. Pelo contrário, António Costa fala do “espírito da União Europeia”, invocando uma visão das relações entre Estados e povos que tem muito pouco a ver com o que é esta União Europeia. Claro que António Costa pode e deve tentar mudar a União Europeia que temos. Mas sem ilusões sobre o que temos.
Para daqui a duas semanas, ficou agendada uma reunião final sobre esta matéria, mas a de hoje também era final. Os Governos alemão e holandês sabem o que têm de fazer na próxima reunião final e em todas as que se lhe seguirem: nada. A intransigência dá votos lá em casa e quanto à diplomacia, se forem espertos, aprendem com Angela Merkel, dizem menos parvoíces em público e substituem-nas por qualquer coisa como “Estamos muito empenhados em construir uma resposta solidária a esta terrível crise.” E continuam a enrolar.
O que vai então fazer António Costa e o grupo dos 9 se a intransigência alemã se mantiver? Não pode acontecer o que sempre aconteceu, que é uma de duas coisas: um compromisso assente em concessões milimétricas da Alemanha ou uma desistência sob protesto dos países que se batem por alterações mínimas. Já basta a proposta inicial ser tão fraquinha.
Se a obstinação alemã se mantiver, os 9 países devem anunciar que tomarão, de forma coordenada e solidária, todas as medidas necessárias para proteger as suas populações e economias, incluindo as que eventualmente violem as normas do mercado interno e outras regras da União, suspensas ou não-suspensas e incluindo, claro, a reestruturação das dívidas que sejam ou se tornem agora insustentáveis, impondo perdas a todos os credores, incluindo os institucionais. E já agora, proteger as suas receitas fiscais do autêntico roubo organizado de outras jurisdições europeias, como por exemplo… a Holanda
Enquanto quem manda na UE sentir que pode ter sol na eira e chuva no nabal, nada mudará. Não sei se vamos a tempo mas, se formos, o tempo é agora.
Olaf Scholtz, Ministro das Finanças da Alemanha, SPD, aquando da sua indigitação
O verniz estalou na reunião do Conselho Europeu. A reunião do Eurogrupo anterior terminou em impasse. A reunião do Conselho reforçou-o, na medida em que as posições de parte a parte foram muito mais públicas e significativas.
Começando pelo conteúdo: as propostas em cima da mesa eram a emissão de Eurobonds versus empréstimos do Mecanismo Europeu de Estabilidade com a respectiva condicionalidade (nome eurocrata para programas de austeridade). Os termos do confronto são já de si deprimentes: de um lado, os Corona Bonds, uma resposta comum mínima e provisória, cujas vantagens em relação ao programa PEPP anunciado pelo BCE seriam sobretudo potenciais: 1) a sua futura transmutação em eurobonds permanentes ou, mais interessante e menos provável, a possibilidade de o BCE os comprar e depois apagar do balanço. Do outro, a proposta de regresso aos programas punitivos da crise anterior, acompanhada da habitual conversa dos virtuosos e dos viciosos.
Completamente fora do debate esteve a hipótese, defendida por um número crescente de economistas pela Europa fora, de responder a uma crise absolutamente extraordinária com financiamento monetário. Como aqui foi explicado, financiamento monetário significa a emissão de moeda que não tem como contrapartida a transferência de ativos para o balanço do Banco Central ou, para falar um pouco mais em português, o financiamento que não assenta na contração de uma dívida. Aparentemente, mesmo os Governos mais sensatos partiram para esta discussão dando essa hipótese como indesejável ou inviável.
O resto está nos jornais. A intransigência da Holanda e da Alemanha nesta matéria é lendária, seja na versão burgessa dos responsáveis holandeses, seja na versão mais recatada de Merkel, própria de quem sabe que manda. A versão holandesa tem a vantagem de ser mais transparente, mostrando uma mistura de racismo com orientação ideológica. Mas a versão do Ministro das Finanças alemão é igualmente eloquente. Sou um Ministro das Finanças alemão e vocês sabem o que isso quer dizer. Alemães e Holandeses sabem que já têm o que querem da Europa e agora é mexer o menos possível.
A eliminação das políticas cambiais nacionais, a limitação do papel dos Estados nas políticas orçamentais e industriais, deixaram as economias periféricas expostas para a conquista. A Alemanha e a Holanda acumulam, ano após ano, excedentes fabulosos com os quais nem sonhavam antes da União Europeia e, sobretudo do Euro. O Euro é para as economias de centro uma espécie de desvalorização cambial permanente. Ninguém ganhou mais com a integração do que estes países. E ninguém perdeu mais do que os países da periferia. O Euro não impede guerras cambiais. O Euro é uma guerra cambial. Que a periferia perde todos os dias.
Gostei sinceramente de ouvir António Costa na reacção a esta reunião e, sobretudo, às declarações do Ministro das Finanças Holandês. São só palavras, mas as palavras são importantes. Quem não se sente não é filho de boa gente, diz o povo e tem razão. E quem quiser tomar decisões corajosas para defender o país, tem de mobilizar um sentido de dignidade nacional e popular que tem andado tão por baixo. Resta a famosa questão: que fazer?
António Costa disse que o Ministro das Finanças holandês não percebeu nada do que é a União Europeia. Temo, no entanto, que Hoekstra, tal como Olaf Scholtz, perceba muito bem e saiba muito bem qual é o seu papel. Pelo contrário, António Costa fala do “espírito da União Europeia”, invocando uma visão das relações entre Estados e povos que tem muito pouco a ver com o que é esta União Europeia. Claro que António Costa pode e deve tentar mudar a União Europeia que temos. Mas sem ilusões sobre o que temos.
Para daqui a duas semanas, ficou agendada uma reunião final sobre esta matéria, mas a de hoje também era final. Os Governos alemão e holandês sabem o que têm de fazer na próxima reunião final e em todas as que se lhe seguirem: nada. A intransigência dá votos lá em casa e quanto à diplomacia, se forem espertos, aprendem com Angela Merkel, dizem menos parvoíces em público e substituem-nas por qualquer coisa como “Estamos muito empenhados em construir uma resposta solidária a esta terrível crise.” E continuam a enrolar.
O que vai então fazer António Costa e o grupo dos 9 se a intransigência alemã se mantiver? Não pode acontecer o que sempre aconteceu, que é uma de duas coisas: um compromisso assente em concessões milimétricas da Alemanha ou uma desistência sob protesto dos países que se batem por alterações mínimas. Já basta a proposta inicial ser tão fraquinha.
Se a obstinação alemã se mantiver, os 9 países devem anunciar que tomarão, de forma coordenada e solidária, todas as medidas necessárias para proteger as suas populações e economias, incluindo as que eventualmente violem as normas do mercado interno e outras regras da União, suspensas ou não-suspensas e incluindo, claro, a reestruturação das dívidas que sejam ou se tornem agora insustentáveis, impondo perdas a todos os credores, incluindo os institucionais. E já agora, proteger as suas receitas fiscais do autêntico roubo organizado de outras jurisdições europeias, como por exemplo… a Holanda
Enquanto quem manda na UE sentir que pode ter sol na eira e chuva no nabal, nada mudará. Não sei se vamos a tempo mas, se formos, o tempo é agora.
Imaginem o que seria o engenheiro Sócrates com o mecanismo das euro-obrigações, teria sido uma total orgia de dívida para obras ruinosas e corrupção, como as PPP rodoviárias, dívida essa que seria mutualizada com os parceiros europeus. Não admira que os holandeses torçam o nariz às eurob-orbigações. Você mutualizaria dívida com o seu vizinho? Ademais o que define o portento económico de uma nação não são os euro-bonds; euro-bonds são apenas formas de mutualizar a dívida. Recorde-se que a Holanda é dos maiores portentos industriais do mundo para a população e superfície que tem, são os segundos maiores exportadores do mundo em produtos agrícolas, apenas ultrapassada pelos EUA. Vão os países do sul da noite para o dia instalar todas as fábricas necessárias para produzir aquilo que não fizeram em 50 anos? Conclusão, quem ficaria a perder com a dissolução da UE seriam sem-dúvida os do sul.
ResponderEliminarO valor que o salário mínimo real tem em 2017 (€535, acerto IPC, base 2011), é 26 porcento superior ao valor real que tinha em 2002 (€424, acerto IPC, base 2011), data da entrada na moeda única; já o salário mínimo real em 2002 (€424), data da entrada na moeda única, é 21 porcento inferior ao valor real que tinha em 1975 (€535, IPC, base 2011). E qual a diferença entre estes dois períodos? A divisa! De salientar que o índice que aqui se usa para calcular o Salário Mínimo a preços constantes, ou seja, descontando a inflação, tratando-se assim do poder de compra real desses assalariados, não se trata do índice que mede o PIB, mas o Índice de Preços no Consumidor (IPC) que considera os serviços, produtos e bens de consumo que a grande maioria dessas pessoas utiliza e consome.
Você não pode ver a mutualizacao da dívida como se fosse com um vizinho. É absurdo, nao simplificar assim as coisas. Não sei se percebeu q não estamos numa Vizinhos Europeus, estamos numa União. Se for para simplificar como voce, pergunto-lhe se você não mutualizava a dívida a sua mulher, com quem está em união.
EliminarEu não consigo ver outra saída que não seja a saída do monstro neoliberal, pura e simplesmente.
ResponderEliminarO problema é estupidez e a estupidez não tem remédio: quem é estúpido, morrerá estupido.
Em Portugal, há uma minoria satisfeita com a integração europeia e uma vasta maioria que está a ser parasitada por esta minoria.
É tempo de acabar com isto.
Tudo tem verdade e mentira à mistura.
ResponderEliminarQue cada Estado cuide de si e dos seus é não só a sua missão como é de todos conhecido.
Que o programa de ajudas europeias existe é outra evidência; se é muito ou pouco está condicionado pelo saber-se se os destinatários as usam bem ou mal.
E o discurso dos tadinhos que sempre são vitimas é uma vergonha e uma falsidade.
Os gráficos são muito impressionantes, mas menos que o euro que iguala, as leis fiscais e as garantias aos capitais diferenciam os estados da Europa. E se a produtividade é mérito local, a legislação que a condiciona, cada um quer a sua e reclamam que outros lhe compensem os efeitos.
O Prof. J. Ferreira do Amaral bem avisou. O eleitorado preferiu o canto das sereias. E agora?.
ResponderEliminar«financiamento monetário significa a emissão de moeda que não tem como contrapartida a transferência de ativos para o balanço do Banco Central». O autor ainda não percebeu bem o que é o financiamento monetário e a sua proibição, nomeadamente daquele que se concretizaria formalmente com a aquisição direta pelo BCE de dívida dos estados-membros.
ResponderEliminarEm relação ao gráfico, indubitavelmente que os do norte agradecem o consumo dos do sul. Mas quem foi que quis apostar no consumo como motor para o crescimento económico? Não foi sempre a esquerda?
ResponderEliminar@Paulo Rodrigues, qual maioria e minoria? O valor que o salário mínimo real tem em 2017 (€535, acerto IPC, base 2011), é 26 porcento superior ao valor real que tinha em 2002 (€424, acerto IPC, base 2011), data da entrada na moeda única; já o salário mínimo real em 2002 (€424), data da entrada na moeda única, é 21 porcento inferior ao valor real que tinha em 1975 (€535, IPC, base 2011). E qual a diferença entre estes dois períodos? A divisa! De salientar que o índice que aqui se usa para calcular o Salário Mínimo a preços constantes, ou seja, descontando a inflação, tratando-se assim do poder de compra real desses assalariados, não se trata do índice que mede o PIB, mas o Índice de Preços no Consumidor (IPC) que considera os serviços, produtos e bens de consumo que a grande maioria dessas pessoas utiliza e consome.
ResponderEliminarDe Pandemia a Pandemonio.
ResponderEliminarPor mais que se queira fazer parecer, deve-nos mais a Europa desses senhores do que lhes devemos nós, por todas as razões aqui apresentadas. Complexo é retroceder a União, pois era o que mereciam, BREXIT chega a meter inveja no contexto actual.
É um dado adquirido, é uma certeza, que os países que mais têm beneficiado da UE são a Alemanha e o Benelux,quer devido à sua situação geografica quer devido à natureza dos tratados que não acautelaram os interesses dos países da periferia.
ResponderEliminarAo contrário da EFTA que acautelou os interesses de Portugal através de uma moratória isso não se passou com a troca dessa associação pela CEE ( designação da época ).
A Holanda tem sido um país que tem benefeciado bastante com os fundos comunitários destinados à sua protecção costeira marítima visto ter uma grande parte do seu território ao nível do mar. É um país bastante rico em água que lhe permite ter uma agricultura desenvolvida.
A atitude do Ministro Holandes mostra uma grande falta de solieriadade e mesmo arrogancia. Será responsavel se eventualmente houver um fraccionamento da UE,poderá mesmo haver uma desintegração.
O Sr. Primeiro Ministro teve uma resposta adequada à atidude agressiva e arrogante
ResponderEliminardo ministro holandês.
Talvez Portugal tenha pouco ou nada a aprender com os paíse do Benelux pois não me parecem ser grandes potêncis industriais ou cientificas.Podemos talves abrir uma
excepcção para a Holanda no caso da engenharia costeira.
Aqui há umas decadas o LNEC- Laboratorio Nacional de Engenharia Civil atraves do seu Departamento de Hidraulica tinha uma capacidade igual ou superior aos holandeses no campo da engenharia costeira.
Devido à politica economica do monetrismo dos boys de Chicago que nos tem vindo a ser imposta pela UE e que tem conduzido ao grande enfraquecimento do Estado e à desindustrialização e a uma crise atrás de crise , isso é capaz de ter interesse para os países mais beneficiados da UE.
O último comentário revela uma atroz ignorância. A Philips, Unilever ou a Shell são exemplo do portento industrial holandês. Mas não só, quando analisamos os produtos agroalimentares os Países Baixos são indubitavelmente inigualáveis, especialmente considerando a sua população e área. Com 17 milhões de habitantes e com uma superfície pouco superior à do Alentejo, os Países Baixos são os maiores exportadores de produtos agroalimentares em valor monetário, cerca de 11 mil milhões de euros em exportações anuais, apenas ultrapassados pelo EUA a nível mundial, com uma superfície 240 vezes superior e com 330 milhões de habitantes. Ou seja o fenómeno agrícola holandês é simplesmente uma singularidade do ponto de vista técnico-económico. Como é que um país tão pequeno e essencialmente arenoso consegue ser o segundo maior exportador do mundo em produtos agrícolas, quando um dos ativos mais importantes na agricultura é exatamente a superfície arável?
ResponderEliminarMuito bem!
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