segunda-feira, 10 de abril de 2017

Pax Americana

No filme de Terence Malick, A árvore da Vida, há uma cena que já se viu centenas de vezes no cinema. Uma mãe recebe um telegrama, horrorizada porque sabe o que vai ler.

Uma sociedade bem organizada tem forçosamente que proteger os seus filhos. Prepara-os calma e pensadamente para a guerra, para a defesa do país, para a defesa dos interesses do país - sem nunca discutir detalhadamente onde começam e acabam esses interesses. Forma-os ancestralmente na lógica da sobrevivência individual - uns contra os outros, nós contra eles, eles ou nós. Perfila-os preparados, ansiosos e medrosos, corajosamente medrosos, e a um dado momento lança-os em direcção à morte possível. Cegos. Cegos com o seu pensamento cheio de valores únicos, religiosos, tão brilhantes que ofuscam as nuances essenciais. E as mães vivem tranquilas - apavoradas mas tranquilas - até à chegada de quem traz o telegrama. Tudo organizado. Tudo pensado com calma.

Nessa altura, o mundo já caiu. Somam-se as mães, toda a destruição, de energia, de recursos e de vidas. E chora-se. Todos dizem: "Nunca mais!" E a reconstruição de um novo mundo recomeça, sob a lógica do vencedor, já imbuída da mesma lógica, nós e eles. Destruição programada, ansiosa por explodir mais adiante.

A guerra é a coisa mais absoluta e estúpida que existe.

E agora reveja-se, com o intervalo de dias, as estúpidas declarações do nosso ministro dos negócios estrangeiros, - quase tão similares às da direita nacional em 2001 - ao dizer que:

"Segundo informação que os Estados Unidos prestaram durante o dia aos seus aliados, incluindo Portugal, os EUA julgam ter informações suficientes e para além de qualquer dúvida que o ataque de terça-feira foi feito pela força aérea síria e desencadeado a partir da base aérea que os EUA decidiram atacar durante a noite. Sendo assim, Portugal, como aliás a Europa, compreende a ação americana”...
Aquele verbo "compreender" é mesmo de quem não tem filhos na guerra. Tem tudo para parecer o que é e o que não é. É muito esta visão pequena do mundo, da vida, de quem diz "Ai Jesus e agora?" e entretanto deixa passar a Pax Americana, tranquila, pelos mares. Só que, segundo o governo sírio, morreram sete pessoas na base aérea atacada. Mais do que na Suécia.

Depois, à frente dos mortos, vem a guerra de informação: O lado atacado clama pela falta de eficácia da acção militar, que a força dos Estados Unidos terá sido humilhada já que a Síria abateu a maioria dos mísseis. Os Estados Unidos gritam vitória, porque bastaram 61 mísseis - à módica quantia de um milhão de dólares cada um! - para atingir 59 alvos e que a base ficou desprotegido ao ter sido destruído o radar de fabrico russo. Mas chegou a passar nas televisões portuguesas que, segundo os Estados Unidos, a maioria dos mísseis nem sequer estava armada...

Perante a guerra iminente, precisa-se de homens sérios. Não pessoas que sorriam diante de quem tem as armas do mundo. Anda abandonada esta social-democracia que se esquece que, nesta guerra que se aproxima, os filhos do povo não têm interesse nela. E no entanto havia tanto para dizer.

9 comentários:

  1. Muito bom.

    Infelizmente a social-democracia é este caminho para trair os que deveria defender

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  2. Concordo plenamenete e sou contra a guerra; estranho é que depois de varias semanas de bombardeio russo a tudo o que mexe na Siria (pessoas presumo eu, com duas pernas e dois braços como estas de hoje), o digno articulista só hoje ache curial escrever este post. Não querendo ser desagradavel esta dualidade de critério mete nojo.

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  3. Caro António,
    Tem razão. Não foi por opção nem por tentativa de branquear. Foi porque andei a fazer outras coisas enquanto a guerra continuava sem nós. Mas, de repente, acordamos com a cabeça do império a bombardear enquanto jantava com os dirigentes da rival China, a ameaçar bombardear mais, a lançar a frota para a frente da Coreia. Como há-de concordar, há uma diferença. Ainda que no fundo tenha razão.

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  4. Uma leitura fácil do conflito na Síria é separar os bons dos maus, colocando Bashar al-Assad, e os seus apoiantes internacionais, no lado dos maus. Bashar, já se sabe, não é flor que se cheire, mas e os seus oponentes? Sobre os métodos utilizados parece claro que ambos os lados usem e abusem de meios terríveis, como as armas quimícas, mas há várias realidades que emergem: a brutal destruição de um país, a mortandade de centenas de milhares de inocentes e os milhões de refugiados. Uma catástrofe global.
    Que o dr Santos Silva mostre concordância com a acção americana serve apenas para o qualificar a ele politicamente. E o qualificativo estúpidas acerca das suas declarações, utilizado no post pelo JRA, assenta-lhe como uma luva. A subserviência politica não tem ideologia.

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  5. Tudo leva a crer que estamos numa era em que os autodenominados dirigentes políticos perderam todo o respeito aos povos de que fazem parte.
    Me parece que a estrutura em que foi montada esta “democracia” já deu o que tinha a dar. Será que o célebre comunista italiano, António Gramsci teria razão? Bem, e´ de ciência certa que o velho tem de dar lugar ao novo, e me parece que esta fase civilizacional já ultrapassou os limites julgados próprios para consumo. Uma nova democracia e´ necessária!
    A criação da CEE não foi mais que um obstáculo/atraso a´ queda, inexorável, do sistema capitalista em vigor…E como tudo na vida tem o seu tempo, não o tempo dos arrogantes senhores ministros. A agora U.E. também tem os seus dias contados! E´ claro, precisa de um empurrãozinho… Já e´ tempo de eliminar a soberba desta gente fanfarrona. de Adelino Silva

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  6. Mete nojo o comentário de Cristóvão.

    Mas ele lá sabe as fidelidades com que se governa. Lá sabe o motivo pelo qual o daesh avançou, após o bombardeamento ilegítimo dos americanos. Là sabe as malhas que o império tece e de que lado do império faz tricot.

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  7. Amén José. Amén.

    E foi colocar uma vela lá ao santo Comda Dão, enquanto se persignava três vezes e revirava os olhos em paroxismos histéricos.

    Deus salve a América, concluiria, em untuoso fervor

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  8. Já estou atrasado para responder, mas deixo aqui um poema do meu amigo Pedro...

    Apropriação privada
    Sim!
    Mas de quê?
    Do pão para a boca?
    Da roupa para o corpo?
    Dos instrumentos do saber?
    Ou apropriação privada
    Da força de trabalho?
    Menina dos olhos
    Do burguês;
    Fonte sempre renovada
    Quanto mais exangue
    Quem tudo faz.
    Menina dos olhos
    Do burguês.
    Cornucópia da moeda
    Quanto basta
    Para cobrir a sota
    A cada acto.
    Apropriação privada
    Plena
    Para quem trabalha
    Liberta enfim das peias
    Do perverso saque.
    11 Abr 2017
    Pedro

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