quinta-feira, 17 de novembro de 2016
Debater, debater, debater sempre
Será que Augusto Santos Silva está a par da solução governativa socialista, apoiada por comunistas e bloquistas no parlamento, que está em vigor nesta periferia? Faço esta pergunta por causa do seu estranho artigo social-liberal de terça-feira no Público, com uma defesa das alternativas ao centro, em vez de colocar as alternativas no centro do debate. É que se Santos Silva quer fazer analogias com os anos trinta, aqui vai uma analogia política, sob a forma de uma hipótese estratégica: frente popular. E, já agora, aqui vai mais uma analogia, mas de economia política: se foram as instituições económicas internacionais, de matriz liberal, da altura, do padrão-ouro à liberdade de circulação de capitais, que alimentaram a depressão, a impotência democrática e os fascismos, hoje o seu equivalente no continente chama-se Euro e mercado único. E nem uma linha em sua defesa, antes pelo contrário. Hoje, tal como ontem, os democratas que romperem com “relíquias bárbaras”, a expressão de Keynes para o rígido padrão-ouro, podem avançar à maneira dos democratas norte-americanos dessa época.
Enfim, razão tem Francisco Louçã: “Para Santos Silva, basta levantar a bandeira e tudo segue como dantes, eis o perfeito retrato de como as lideranças europeias cantam louvores a si próprias para ignorar os avisos, mesmo quando nos agitam sinais de peste castanha.” Onde já não concordo tanto com Louçã é na oposição que faz entre os artigos de Jorge Sampaio, de segunda-feira, e de Santos Silva, no dia seguinte. Sampaio é apenas uma versão mais longa, demasiado longa. Digam lá se este resumo lhe faz justiça: o nosso antigo e distinto Presidente da República viaja muito e concluiu que existe uma “comunidade de destino” europeia, uma espécie de nacionalismo nessa escala, que pode servir para resgatar a democracia também por aí, usando a Zona Euro como base material para aprofundar a integração, o melhor meio para fazer face aos desafios da globalização e aos males da financeirização e tal. Sampaio é reconhecidamente vago, mas é surpreendentemente concreto pelo menos num ponto: “são cada vez mais fortes as posições nacionalistas contra a integração europeia, incluindo o Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, na ausência de uma força populista de direita”.
Dado que se trata de um autoproclamado militante da causa de uma cada vez mais intensa integração, os termos são parte de uma desadequada e insultuosa amálgama, como bem assinala José Vítor Malheiros, embora devam ser recebidos como um elogio, já que nacionalismos há muitos e nós precisamos mais do que nunca de um patriotismo democrático e anti-imperialista, assente num diagnóstico que a vida nacional confirma desde há vários anos e que Sampaio nem sequer tenta rebater. Isto para não falar da importância desta posição para barrar qualquer veleidade populista da direita anti-democrática hoje em dia, como no passado foi fundamental na luta contra o fascismo neste país.
Para lá disto, assinalo mais dois ou três pontos críticos. Em primeiro lugar, os males da ascensão da finança e de outras predações globais não são exógenos, mas antes endógenos, à integração europeia realmente existente, o outro nome destes processos no continente, na realidade. Em segundo lugar, estes processos tiveram declinações geográficas desiguais, traduzindo-se nesta periferia num processo de estagnação económica e de aumento das dependências económica e política externas com quase menos duas décadas, o tempo do Euro, e já vai sendo altura de constatar estes factos. Em terceiro lugar, a integração europeia nunca resgatará a democracia porque está desenhada para a esvaziar, continuando a resgatar, isso sim, o fracassado Consenso de Washington, bem inscrito no coração da UEM, como aqui temos insistido.
No fundo, creio que, tal como na época das frentes populares, é preciso revalorizar o princípio da nacionalidade no combate político, sem que isso implique deixar de procurar as alianças externas que permitam reforçar a margem de manobra nacional e democrática. Surpreendentemente, no meio de um arrazoado euro-liberal de elogio a Sampaio, a Santos Silva e ao bloco central, da autoria de Manuel Carvalho, cujos textos tenho o costume de criticar, encontram um vislumbre realista sobre a nossa presente situação: “a hora é de contarmos ainda mais connosco” e com as nossas instituições. Para isso, digo eu, temos apenas de recuperar alguns instrumentos de política económica para a escala nacional e de pensar na cooperação europeia, de geometria variável, que pode ser funcional nesse processo e para lá dele.
É então preciso continuar a pensar consequentemente no interesse nacional, nos interesses sociais e políticos que o podem encarnar, cruzando as questões nacional e social, o que implica deixar para trás tantos hábitos intelectuais recentes: do europeísmo à analogia histórica deslocada, passando por outros truques...
Mais uma vez um artigo profundo, substantivo, que levanta questões e sinaliza escolhos
ResponderEliminarJR não é uma voz solitária mas é necessário que os debates que suscita se propaguem muito para além deste espaço
Entretanto a perplexidade ( ou talvez não) de ver alguns dos dirigentes socialistas a assumirem em voz alta o caminho do conluio com o eixo euro-liberal. Traindo (é o termo) o que hoje está em marcha e posicionando-se ao lado do directório pós-democrático. E o que se passa no PS francês vem à memória com a sua corrida para o abismo ( no meio da chantagem sobre a esquerda)
Enganam-se contudo se pensam que estes passarões têm o peso eleitoral que tiveram. Outros de muito maior significado fazem hoje contas, amargurados sobre o porquê da sua queda.
Na ausência de um populismo nacionalista de direita, uma esquerda que nem capaz é de teorizar os males da globalização e do livre comércio, vai buscar à direita esse instrumento que presume mobilizador – o nacionalismo.
ResponderEliminarUm modesto exercício de memória ajudá-la-ia a compreender que não tem a menor credibilidade para levantar bandeiras que por tanto tempo aviltou e subordinou a um internacionalismo virulento, colorido de matizes terceiro-mundistas e toda uma parafernália de arquétipos desvalorizadores da simples noção de pátria.
Basta que, para ser curto e grosso, vos lembre o que o politicamente correcto da esquerda não há muito disse dos retornados e do fado, e não creio que ainda hoje se desdiga.
Em conclusão: a esquerda não está equipada para essa cena do nacionalismo, salvo para apelar ao saque dos credores, onde se lhe reconhece um ânimo sincero, mas em nada diverso do que nutre pelos bens dos nacionais.
Ah. Finalmente a costela patrioteira do das O0 e 44 se alevanta esgrimindo a bandeira rançosa do orgulhosamente sós salazarista.
ResponderEliminarUm vislumbre do que era antes o sujeito nos idos tempos em que berrava que Angola é Nossa. Antes de se assumir, para ser curto e grosso, como um vende-patrias com sotaque alemão, pugnando sempre pelos agiotas e credores. Sempre em função do saque e do Capital que é o elemento que une o sujeito que honrava os legionarios do sujeito que agora propaganda a destruição de Portugal.
Enquanto poe a salvo o produto do saque particular nos offshores que ele proprio confessa serem de basta utilidade para o reles grande patronato e para os mafiosas satélites
As ideias defendidas por certas mentes iluminadas da nossa praça só conseguem manter a sua precaríssima compostura quando são articuladas e expostas dentro da redutora dialética - dualista e antitética - do cosmopolitismo/nacionalismo. Compreendo perfeitamente que uma elite que tem mais em comum com as demais elites transnacionais do que com os reais problemas e anseios do povo do seu país opte por se barricar em tal posição: afinal de contas, "patriotismo" é, para eles, envergar o cachecol da seleção nacional enquanto se está ao lado do Chefe de Estado da nação que defronta "os nossos rapazes"; quanto a "internacionalismo", é palavra que fede (Vade retro, Satanás!!!) a marxismo que tresanda, não agradando, por conseguinte, aos "masters" globalistas que os seguram com rédea curta.
ResponderEliminarTemo que o seu tão querido "cosmopolitismo", à falta de ser rapidamente substituído por um politicamente esclarecido "internacionalismo", seja, num futuro muito próximo, irremediavelmente cilindrado pelos virulentos "nacionalismos" que campeiam por toda a Europa, ao passo que o benéfico "patriotismo" dará lugar a um chauvinismo generalizado. Creio todos termos memória daquilo a que nos levou, no passado século, a mistura do virulento nacionalismo com o chauvinismo vitriólico. Ou, pelos vistos, talvez não.
De Santos Silva, o malhador, já sabemos que por sua vontade livrar-se-ia o mais rápido possível da coligação que lhe permite ser governante. E para quê? Para voltar ao mesmo de sempre. Aos consensos, às reformas, sempre mais ou menos de acordo com o que é soprado em Bruxelas. É exactamente por haver tantos Santos Silvas no PS que este teve o resultado que teve, e não há nenhum merecimento para ter mais, antes tem que ser contrapesado.
ResponderEliminarJorge Sampaio como é referido é longo, vagueia e em demasia, e alarmar-se com o PC e com o Bloco pela crítica que fazem à UE (um europeísta do euro que preferiria uma força populista de direita? Ou o vazio crítico?) já não espanta depois de ter achado que o Durão Goldman Barroso na presidência da CE seria bom para Portugal. Foi não foi? Viu-se. E então para o refastelamento do neo-liberalismo na Europa foi do melhor.
Um excelente post de João Rodrigues, bem estruturado, sempre muito agradável de ler.
Mas afinal o Santos Silva passou-se para o BE ou PCP?
ResponderEliminarSantos Silva é claramente inteligente e relativamente frontal, e até acho que é uma mais-valia para o Governo. Mas dele não esperava outra coisa que não a defesa situacionista.
ResponderEliminarMas se é para «colocar as alternativas no centro do debate», e eu acho que é o que é preciso, é favor não pôr o europeísmo reformista de fora. Caso contrário, estão a criticar o Santos Silva por fazer o mesmo que vocês fazem.
"uma esquerda que nem capaz é de teorizar os males da globalização e do livre comércio"
ResponderEliminarIsto é o quê? Um postulado saído do último Concílio dos antros neoliberais com pretensões ao pigarro?
Esta indigência argumentativa marca indelevelmente o espectro desta direita bafienta e medíocre
Alôôô! Marte...aqui planeta TERRA!
ResponderEliminarMas como é que esta "malta instalada"
- na " idade luz, da circulação da informação" -
ainda persiste em querer DECIDIR POR MIM ?!
ISTO É MEU OU É TEU???!!!
É NOSSO.
Ficam todos em pânico, cada vez que aparece... uma CONSULTA ao SOBERANO!
Alôôô!Marteee!...se dizem estar numa democracia...?!
Este paternalismo serôdio, dos "donos disto tudo", não passa de uma fixação patogénica, que tem de ser erradicada!
Então, no caso dos ditos barões da democracia... é preciso ter uma lata!
E CISMARAM, QUE SABEM O QUE EU QUERO E O QUE É MELHOR PARA MIM!
E ESTA?!
Na história das lutas sociais o indispensável só é impossível até ganhar nervos e musculatura das forças que dependem dele para respirar e progredir.
ResponderEliminarE´ certo que a direita tentou destruir tudo ao mesmo tempo: as bases da economia, as da política e as do diálogo democrático. E so não o fez porque o povo ainda pensa, ainda age.
Num tempo em que a U.E. estrebucha e ameaça levar de roldão as nações perifericas, há duas alternativas:
-Tirar a economia do altar sagrado da ortodoxia e expô-la a um reencontro com a democracia do desenvolvimento com opção de uma verdadeira frente ampla e progressista.
- Ou aguardar a chegada de um fascistóide à moda ‘Passos Coelho’.
Urge uma guinada progressista mais providenciaria sem oscilaçoes por parte dos partidos de esquerda e revolucionarios. De adelino Silva