quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Estaremos à altura deste desafio?


Declaração da associação Democracia Solidária sobre a vitória de Trump:

A vitória de Trump nas eleições norte-americanas pode ser surpreendente face às sondagens e às expectativas de muitos de nós. O que não é surpreendente, porém, é a tendência de que ela faz parte, aliás em forte desenvolvimento na UE.


“É a xenofobia, estúpido!”, proclamam alguns, procurando pôr de lado a hipótese de estes fenómenos terem origem no mal-estar económico que se faz sentir nas nossas sociedades. O que até seria plausível se a rejeição do centro se fizesse sempre, e em toda a parte, na direcção das direitas xenófobas. Mas o certo é que as esquerdas radicais também têm beneficiado desta tendência centrífuga, embora em menor medida, apesar de se reverem, mais ainda que as esquerdas centristas, em agendas politicamente correctas.

Não é a xenofobia, estúpido, é a desigualdade e a precariedade! O “outro”, o imigrante, o refugiado, o muçulmano, o negro são muitas vezes o alvo da ira que cresce; mas é assim porque são visíveis e têm, como não tem “o capital” nem “as multinacionais”, corpo e rosto. Atravessam as fronteiras e cruzam-se connosco na rua e vivem ao nosso lado. São o rosto da globalização para quem nem sequer conhece a palavra.

Precisamos do ponto de vista da Economia Política crítica para perceber que as relações interpessoais e de grupo são moldadas pela totalidade de um sistema que, sendo por natureza sociocultural, também se transforma na dinâmica do quotidiano. Não há economia, de um lado, e cultura do outro; não há povo ignorante, de um lado, e estruturas económicas capitalistas do outro. A realidade social é complexa e as explicações simplistas impedem-nos de compreender porque há milhões de desesperançados, pobres e da classe média frustrada, que manifestam a sua raiva através da abstenção ou pelo voto num demagogo que julgam capaz de mudar o seu destino. O capitalismo neoliberal, financeirizado e predador, enfrenta nada menos do que a insurreição das suas vítimas. Uma insurreição por vezes surda, por vezes inconsciente, por vezes suicida ou depressiva, muitas vezes errada quanto ao alvo a abater – mas não menos generalizada por isso.

Acrescentemos a captura da democracia dos Estados Unidos por uma rede mediática de intoxicação propagandística, de formatação das mentes e espectacularização da política. Trump é também um produto desse sistema mediático, cada vez mais dominador, como vemos no Brasil. A velha Europa da cultura e das “boas maneiras” corre também o sério risco de ver a sua democracia capturada por estes poderes.

Nesta sucessão de catástrofes, qual será a próxima? A desagregação desordenada do Euro e da União Europeia? Uma confrontação militar no leste Europeu, ou no Oceano Pacífico? O regresso das ditaduras sul-americanas? A África, enlouquecida de fome e guerra, a despejar-se na Europa? Tudo isto, ou nada disto? Não sabemos. Só sabemos que a História não chegou ao fim e que a crise continua a avolumar-se.

Não será a direita que porá termo a esta vertigem suicida. Pelo contrário, atiçará o lume. Quanto às esquerdas, não terão sucesso se ficarem pela reciclagem do socialismo marxista-leninista, ou continuarem a alimentar a ilusão de uma UE progressista. Aliás, o quadro partidário existente é incapaz de produzir uma alternativa ao sistema; o seu governo só se mantém com uma política de “mal menor”.

Para pôr termo a esta vertigem suicida, precisamos de uma frente mobilizadora de todos os democratas que rejeitam as soluções neoliberais e a cosmética reformista de que o sistema precisa para se manter. Este contra-movimento terá de dar uma resposta, não só às vítimas do costume, mas também aos “deploráveis” que votaram em Trump e se preparam para votar em Le Pen. Saibamos nós estar à altura do desafio com que estamos confrontados.

10 comentários:

  1. O Jorge Bateira escreveu: "O capitalismo neoliberal, financeirizado e predador, enfrenta nada menos do que a insurreição das suas vítimas."; pela minha parte, proponho a seguinte redacção alternativa: "O capitalismo, enfrenta nada menos do que a insurreição das suas vítimas.". Talvez pareça pouco, mas do meu ponto de vista, talvez não seja tão pouco como tudo isso.

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  2. Um banho de realidade: primeiro problema, uma parte da Esquerda acha que outras partes da mesma Esquerda são «cosmética reformista» (só não é cosmética implodir e lamentar depois). Segundo problema, tente-se então convencer um «deplorável» de que o problema está no capitalismo total e na predação financeira, enquanto outros lhe segredam: «que nada! a culpa é dos pretos e dos monhés»...

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  3. As "elites" capitalistas/ neoliberais/ oligarcas usam o racismo de forma a esconder a verdadeira causa fracturante, a classe.
    Não é racismo, é classe!
    As “elites” usam o racismo de forma a dividir para reinar, as “elites” sabem que se a população se focar na luta de classes, a população seja qual for a sua cor de pele, pode muito bem unir-se contra elas.

    Muitos daqueles que votaram em Trump votaram em Obama, muitos daqueles que acreditaram em “Hope” e “Change” tiveram bailouts à banca, ainda mais guerras, não viram a sua situação melhorar e não vêm um futuro digno para os seus filhos.

    Há votos motivados por racismo? Claro que há! Mas isto está longe de explicar o que se está a passar.
    Era interessante percebermos os tais racistas...
    Porque é que são racistas?
    Qual é a sua situação socioeconómico?
    Qual é a situação da comunidade em que estão integrados?

    Claro, os media subservientes às “elites” fazem o que podem para desviar a atenção das questões essenciais, não têm feito outra há tanto tempo que nem sei se alguma vez os media alguma vez foram razoavelmente íntegros…

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  4. Nem mais. em total acordo. Uma achega importante a quem parece ainda não ter entendido a situação.

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  5. Nos idos de Abril74 fazia eu parte do “Povo Fardado”, observei nas ruas e nos quarteis, nas associações desse mesmo povo sem distinção de cor, raça ou credo a mesma vontade de mudança.
    Estávamos então a adquirir as primeiras lições de democratização, de descolonização, e de desenvolvimento. Poucochinhos saberiam da “luta de classes”, da divisão internacional do trabalho e muito menos saberiam discernir sobre o quotidiano político. Vivia-se então uma mistura de sequelas fascistas com os princípios progressistas. Sequelas que ainda persistem e existem nas mentes das pessoas, nas organizações e coletividades, nos partidos políticos e no seio do aparelho do estado.
    Ainda hoje somos o povo que mais tem “beneficiado” com a cultura do medo. Já Eça de Queiroz falava das dificuldades que tínhamos em nos livrarmos do seio materno, da igreja e da tropa.
    A ignorância e´ mantida activa e com ela os seus sucedâneos por o capital a fomentar. Como diria um célebre bispo do Funchal: Para que serviriam os padres se não houvessem pobres de pão e de espirito?
    Por aqui me fico. De Adelino Silva

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  6. É um case-study para a história: a forma como as marionetas da alta finança (capital global) fizeram a campanha anti-Trump.
    .
    Foi possível constatar que a alta finança (capital global) possui infiltrados por todo o lado... inclusive nos movimentos nacionalistas.
    O trabalhinho dos infiltrados nos movimentos nacionalistas é o seguinte:
    - eles sabem que são múltiplas as Identidades Autóctones em risco de sobrevivência por todo o planeta... no entanto... eles gostam é de andar ocupados em quezílias/(cortina de fumo) com a esquerdalha... e em simultâneo... BLOQUEANDO O ACTIVISMO GLOBAL NECESSÁRIO para enfrentar a ameaça global: aqueles que já se consideram os Donos Disto Tudo (DDT's) - a alta finança (capital global) -... estão apostados em dividir/dissolver as Nações... terraplanar as Identidades... para assim melhor estabelecerem a Nova Ordem Mundial: uma nova ordem a seguir ao caos – uma ordem mercenária (um Neofeudalismo).
    .
    De facto, É NECESSÁRIO UM ACTIVISMO GLOBAL: leia-se, as múltiplas Identidades Autóctones (no continente europeu e não só) em risco de sobrevivência... devem contactar entre si... e devem manifestarem-se a nível global.

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  7. Reformismo cosmético só se for com pó-de-arroz e laca, ou lata para privatizar a agradar aos DDTs.
    Quem é que em tempos se gabou de estar no governo português que mais privatizações fez?

    Aquilo que foi mesmo deplorável foram os arranjos clintonianos para afastar Bernie Sanders que consegui atrair largo apoio para políticas progressistas, recusando a linguagem da Hilária, e que várias sondagens (valendo o que valem) lhe davam grande possibilidade de derrotar Trump. Muitos e muitas não aceitaram estas manobras e até declararam não votar com os genitais e fizeram outras escolhas.

    E não foi o Clinton que bombardeou o Iraque quando precisava de desviar as atenções e a pressão. Este mesmo Clinton e o seu partido esteve para fazer parte da I. S., a convite da cosmética.
    O Obama acabou de dizer que se fosse alemão talvez votasse em Merkel; e uma esquerda a sério pode gostar de ouvir isto? Então o Obama também quereria entrar para o P.P.? Há coisas que não jogam mesmo umas com as outras.

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  8. O que se passa com a CGD (publico) e outros bancos (privados) em que os milhares de milhões de todos nós escorre por entre os dedos demostrando mais uma vez que a fraude, a corrupção, a soberba, o exibicionismo dos dirigentes existe, enquanto dizem não ter 10 euros para aumentar as pensões mínimas ate´ 268 euros mensais, e que só faz aumentar a descrença coletiva, a sensação de desamparo e retroalimenta o mecanismo do medo que sustenta este sistema iníquo…
    Haverá alguém insensível ao ponto de não sentir que esta´ a ser enganado. Que esta´ a ser levado com gozo por uma ignominia brutal emanada dos governantes actuais?
    Tão apressados estão em cumprir as regras da U.E. e ao mesmo tempo tão frouxos em ajudar seus conterrâneos menos favorecidos…de Adelino Silva

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  9. Eu julgava, Jorge Bateira, que o objetivo de associações como a 'Democracia Solidária' era não tanto a conceção de um programa político completo, mas sobretudo a conceção de políticas setoriais que pudessem ser aproveitadas pelos Partidos da área política em que a DS se situa, que julgo ser na Esquerda Social-Democrata e Socialista, de inclinação soberanista. O Jorge Bateira já defendeu, creio, que seria importante congregar esforços com a Direita soberanista, mas julgo que o fez a título individual (e falo de pessoas como Bráz Teixeira, e não da Extrema-Direita, só para que os moscardos anónimos do costume não me acusem de o querer colar a essas tendências). Por outras palavras, a DS deveria atuar como aquilo que nos países anglo-saxónicos se designa como 'think-tank'. Só que esta declaração é mais um exemplo do profundo vazio que caracteriza essa corrente. Nada sabemos de como pretendem tirar-nos do Euro, que política cambial pretendem seguir relativamente ao novo Escudo, como e em que grau pretendem renegociar a dívida, quais as restrições ao movimento de capitais que desejam implementar, se defendem ou não uma nacionalização significativa dos meios de produção (para lá do setor financeiro), e por aí a fora. A Direita tem relativamente a vós uma enorme vantagem política. Com mais ou menos protecionismo, mais ou menos xenofobia, pode conservar no essencial o programa político do neoliberalismo (basta olhar para a defesa que Trump faz do fim das parcas restrições contidas no Dodd-Frank act). A Esquerda que quer o fim do Euro precisa de redesenhar o sistema económico de alto a baixo. E se quer ser diferente, tem definitivamente de dizer ao que vem. É que se esconde a mão, vai pairar a suspeita de que, qual Theresa May, na verdade não tem plano nenhum... E se à Direita se perdoa tudo, à Esquerda nunca se perdoa nada...

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  10. Theresa May para que se ponham os pontos nos is, foi defensora do Remain.
    Um bom exemplo da trampa europeísta em voga e em vigor.

    Um bom exemplo de como moscardos identificados se convertem em coisas de sinal contrário na propaganda vazia desta europa dos mercados.

    O que é bem pior que o anonimato com que se tentsm escomungar outros moscardos

    É feio. E mistificador

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