A última entrevista do presidente do Conselho Económico e Social, anteontem à Rádio Renascença, é um lastimável exercício de propaganda, sem destreza nem complexidade. Nomeado há meses pelo anterior Governo e estando a ser discutida a sua substituição, o que declarou nesta entrevista só prova que este não era o posto apropriado para ele.
Luís Filipe Pereira defendeu na entrevista todo o ideário requentado lançado por Draghi na reunião do Conselho de Estado como se nada tivesse sido aprendido desde 2011: não se deve reverter as reformas feitas (nomeadamente a laboral e fiscal, leia-se do IRC), deve fazer-se a reforma da Segurança Social, da Saúde, do sistema político.
“Acho que aquilo que foi feito na contratação colectiva foi aquilo que era necessário fazer” (39:00). Ou seja, acabar com ela. Em 2008, havia 1,89 milhões de trabalhadores cobertos pela negociação colectiva, no final de 2014 eram 246 mil.
Em 2015, quase chegou ao meio milhão. Os níveis salariais baixaram e, apesar da subida em 2015 da cobertura das convenções, os salários pouco mexeram. Se era esta intenção, foi de facto um sucesso...
Mas o seu mais poderoso argumento nem foi sequer a favor da desvalorização salarial. Falou apenas de Portugal ser competitivo, sem elaborar mais. Como se as alterações na legislação laboral tivessem tido sucesso na competitividade. Desde o 2º semestre de 2013, quando se iniciou a retoma que se mantêm quase constantes os 1,6 milhões de pessoas entre desempregados, inactivos desencorajados, subempregados, desempregados ocupados ou activos emigrados. Um exército de reserva que rebaixa, sim, qualquer salário médio. Já não falando da enorme pressão que colocou na Segurança Social, triplamente afectada pela descida do emprego, a descida salarial e a subida do desemprego. Outro sucesso, diria Pereira.
O presidente do CES - mais que tudo - está contra a instabilidade legislativa que representa a reversão de medidas adoptadas nos anos da troika. Mas ele pertence a um grupo de pessoas que está constantemente a tentar subverter o que existe.
Foi secretário de Estado da Segurança Social nos dois primeiros dos governos Cavaco Silva, que - como forma de reduzir o défice orçamental - não cumpriram até 1994 as suas obrigações legais para com o regime não contributivo e da acção social, definidas na Lei de Bases da Segurança Social. O valor actualizado dessa dívida global (a preços de 1998) atingiu os monstruosos 29,4 mil milhões de euros (5,9 mil milhões de contos), que nunca foram pagos. Isto sem falar de outras situações em que a Segurança Social era usada como cofre do Estado, para concessão de empréstimos, etc. (ver Livro Branco da Segurança Social, declaração de voto do grupo minoritário de Boaventura Sousa Santos, Maria Bento, Maldonado Gonelha, Bruto da Costa - Visão Alternativa da reforma).
Entre Março de 1996 e Dezembro de 1997, Luís Filipe Pereira esteve na comissão para a elaboração do Livro Branco da Segurança Social e alinhou com uma maioria que traçava um retrato catastrofista, em linha com o defendido pelo Banco Mundial, com uma receita semelhante à aplicada (sem sucesso) na América Latina, e defendendo a introdução do famoso plafonamento. Ou seja, aquela medida que seria a primeira machadada no actual modelo da Segurança Social, quebrando a sua lógica interclassista que provisiona o regime de repartição, como
forma de libertar parte das contribuições sociais para o sistema financeiro. Foi o primeiro pé na porta. Desde aí a direita nunca desistiu da ideia.
Quando foi ministro da Saúde nos governos de Durão Barroso e Pedro Santana Lopes (2002/04), defendeu as parcerias públicas-privadas com o grupo Mello de quem tinha sido administrador entre 1998e 2000. E a experiência não foi muito positiva. Houve sempre diferendos que acabaram em tribunal (aqui). O concurso para a PPP do Hospital de Loures (que supostamente era para ser atribuído ao grupo Mello) foi outro escândalo, a tal ponto que o concurso foi anulado e o novo foi ganho pelo grupo Espírito Santo. Prometeu-se que tudo ia ser mais claro – porque o contrato estaria mais pormenorizado, mas na realidade acabou em tribunal também...
E mais uma vez quer subverter tudo. A direita nunca se cansa, nunca perde o seu norte.
Sistema político: Não o disse, mas depreende-se do que pensa: “Os principais problemas do país só podem ser resolvidos com um entendimento entre os dois principais partidos” (7:00), ou seja, “entre os partidos que têm 70% da população”. “Estar a deslocar do CES para o Parlamento matérias – sabendo que há uma maioria que votará sempre de uma determinada maneira – é de facto esvaziar o CES” (10:03). “E é isso que faz ser importante discutir no CES e não na Assembleia da República, onde uma maioria pode impor o que quiser” (11:00). Na verdade, foi isso que aconteceu nos anos 2011 a 2015, mas Pereira - nesse caso - achou bem, já que não acha que se deva reverter as reformas.
Reformas 2: Por isso, “foi aprovado pelas estruturas do CES uma iniciativa que é vamos lançar um debate sobre a Segurança Social em Portugal”, para discutir a sua sustentabilidade, financiamento, vários modelos. “Vai haver um paper feito pela Universidade – o ISCTE – e esse paper – de 40/50 páginas no máximo, de forma despojada, não politizada, vai lançar as pistas para esse debate. E vamos pôr o CES e quem convidarmos a discutir. As conclusões, o Governo – qualquer que ele seja – pode seguir ou não seguir. Mas vamos pôr a sociedade civil a discutir.
(...) O que eu pretendo é se é possível despartidarizar” (17:46).
Reformas 3: “Um Serviço Nacional de Saúde é talvez a maior realização da sociedade portuguesa, eu estou completamente de acordo e temos de o preservar. Mas precisamos de uma reforma estrutural da Saúde”. “Discutimos muito a propriedade dos meios do SNS, se deve ser público, se deve ser privado. Em bom rigor, não é se deve ser público ou privado, mas se serve a população ou não serve a população, na maneira que está na Constituição”. “Tenho vindo a defender (...) não apenas o Estado, mas os operadores públicos, sociais [vulgo IPSS, misericórdias, etc.] e privados, dentro do que eu chamo o Sistema Nacional de Saúde – não Serviço Nacional de Saúde – em que a população continua a ter acesso generalizado, tendencialmente gratuito, apenas com taxas moderadoras, mas por exemplo o Estado contratualizaria com iniciativa social ou com a iniciativa privada. Para a população era o mesmo - podia dirigir-se a qualquer um dos hospitais - e o Estado a pagar por output, pagar por qualidade prestada à população” (28:50).
Tudo indica que, agora, se visa mais longe, nas reformas integradas da Saúde e da Segurança Social.
A Segurança Social tem um bolo de contribuições sociais de 14 mil milhões de euros anuais. A Saúde são 8 mil milhões de euros anuais. Metade da receita da ADSE pública já vai para operadores privados através do regime convencionado, mas no seu bolo global são apenas uns 500 milhões de euros. No fundo, trata-se da preocupação em criar um modelo integrado em que a iniciativa privada e social é viabilizada de várias formas: 1) na gestão e progressivamente na própria prestação de serviços hospitalares, pagos por dinheiros públicos, sem que o Estado tenha controlo sobre o serviço prestado à população, nem sobre o acesso concedido; 2) na privatização da cobrança de contribuições sociais, já preparada pelo anterior governo e a conceder parcialmente ao sector social; 3) na concessão de seguros de Saúde, alavancada pela redução das contribuições sociais, que reduzirão a sustentabilidade da Segurança Social, contribuindo para a percepção pública de que os serviços públicos estão a entrar em colapso e reorientando-as para a oferta privada; 4) na viabilização de serviços fornecedores do SNS e, até - como mais recentemente - no fornecimento para os serviços públicos de mão-de-obra barata, através de empresas privadas, para suprir o pessoal especializado emigrado ou reformado, ficando com parte de leão do dinheiro pago pelo Estado.
“A Constituição dá-nos o direito de acesso à Saúde. Mas então por que é que há dois milhões de pessoas que têm seguros de Saúde? Por que é as pessoas estão disponíveis para pagar um bem a que têm direito na Constituição? Porque o SNS não lhes consegue dar a acessibilidade querem em cada momento”. “Sou uma pessoa que advogo uma política de social-democracia. Um Estado Social com economia de mercado. Se isso é direita, sou de direita”.
Por outro lado, Pereira está contra o que pensa “uma franja de 10 a 20% da população”. “Querem tudo completamente estatizado, não querem economia de mercado, querem economia nacionalizada, não querem Europa, não querem o euro. É legítimo que tenham essa opinião. Mas não é isso que a população quer” (30:00). E a prova de que esse modelo falhou foi o que aconteceu... na União Soviética (sic!).
A mim - mas não ao Luís Filipe Pereira - faz-me confusão como é que alguém pode lucrar com a Saúde de todos. Se há possibilidade de o sector criar excedentes (ou lucros), porque não devem ser canalizados para o bem de todos, em vez de remunerar accionistas que, quem sabe, nem são devidamente tributados? Sai mais barato ou mais caro pagar a um investidor privado lucrativo da Saúde do que ser o Estado a prestar esses cuidados? Alguém fez essas contas? A julgar pelos casos em tribunal com as PPP da Saúde, há perspectivas diferentes quanto a isso...
Mas Luís Filipe Pereira tem razão. Não há razão ideológico/partidária nestas propostas: trata-se apenas de dinheiro, de capturar mais recursos públicos para a área de influência privada, lucrativa. Porque o sector privado sabe que apenas pode ser viabilizado com o Estado a pagar, como se qualquer pobre fosse rico. Essa é a verdadeira razão do direito de opção. Esse é o velho argumento – a apropriação de dinheiros públicos. O resto são embelezamentos teóricos, teoremas não provados, falsos sensos comuns.
Um excelente post que nos relembra o que foi e é este cadastrado do neoliberalismo.
ResponderEliminarMas as propostas que este subscreve e que defende correspondem de facto a uma matriz ideológica definida e vincada. Que opta pelo " dinheiro, (pelo) capturar mais recursos públicos para a área de influência privada, lucrativa, com o velho argumento da apropriação de dinheiros públicos". E claro que para o justificar utiliza axiomas nunca comprovados e totalmente falsos. Que são transmitidos como verdades por uma máquina mediática infernal, com a utilização de meios públicos e privados para o correspondente bombardeamento "informativo". Como a realidade quotidianamente comprova.
É esta massa que depois utiliza os famosos offshores. E que alguns ainda tentam justificar com mais alguns teoremas inventados no esgoto mediático/ideológico
Completamente....
ResponderEliminarAfirmar que querer um SNS público mais robusto é sinónimo de querer uma economia TODA planeada centralmente é apenas uma falácia barata...
Este senhor é conhecido pela má obra que deixa onde quer que seja que passe...
ResponderEliminarVeja-se aliás o papel a que presta enquanto membro externo e vice-presidente do Conselho Geral do ISCTE-IUL, onde é figura de proa nas piores estratégias mercantis e neo-liberais do Reitor, que pretende destruir aquela instituição, subordinando-a ao mercado e a lógicas de funcionamento empresarial, contrariando a missão universitária e entrando no negócio dos hotéis...
ESPANTOSO!
ResponderEliminarNem sabia que ele ainda por lá estava.
Então a geringonça não pôs como ponto UM da agenda colocar um treteiro na presidência do CES?
Incompetentes!
Espantoso este "espantoso" em letras todas maiúsculas a fazer-se passar por virgem púdica ou por vendedor da banha da cobra com laivos de senilidade.
ResponderEliminarCalma e vá de tomar a medicação. Para a azia ou para engolir a geringonça que parece estar encravada no papo.
Percebe-se a pieguice em torno desta pequena marioneta do ex-governante cavaquista que exala mediocridade e outras coisas mais, impróprias para explicitar neste blog.Talvez a cumplicidade, ideológica ou de quadrilheiro, com os offshores justifiquem estas cenas um pouco acanalhadas.
Mas dá para soltar uma boa gargalhada para se apreciar até que ponto a incontinência pavloviana marca pontos entre as hostes neoliberais-pesporrentas
Chiça.! O fulaninho não se enxerga, ainda anda por aqui a bolsar. Pois é claro que Luis Filipe P já devia ter sido corrido, assim como deviam ter sido corridos todos os cúmplices e colaboradores do individuo que (des)governou este país nos últimos quatro anos, que ocupem qualquer lugar superior na administração.
ResponderEliminarEntão os fulaninhos dão cabo e ajudam a dar do país e ainda se mantêm nos lugares cimeiros a boicotar.?
Isso só na cabeça do zéquinha e dos fulaninhos como ele.
Estes idiotas (vide 14:03) falam dos últimos quatro anos como se fosse o princípio da História.
ResponderEliminarComo não é um problema de memória, sobra ser um problema de carácter servido por doses abundantes de cretinice sustentada em mantras e ladainhas de imbecis!!!!
Os ultimos 4 anos não são o início da história.
ResponderEliminarPelo contrário.Basta ter um mínimo de compreensão, de literacia, de inteligência e de dignidade intelectual para ver que a história de luís filipe pereira é uma história longa, uma longa história de serventuário do poder económico, que vem desde os tempos de Cavaco Silva. Como e muito bem lembra JRA
Pelo que termos como "idiotas", "problema de carácter" , "doses abundantes de cretinice", "mantras e ladainhas de imbecis" não são mais do que termos que retratam quem escreve tais atoardas. Uma espécie de esgoto em auto-contemplação?