quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O mercado de trabalho quatro anos depois

O especial interesse dos dados do emprego e do desemprego relativos a Junho de 2015 decorre do facto de esta informação estatística permitir avaliar, com precisão temporal, o impacto no mercado de trabalho das políticas de austeridade prosseguidas pela maioria de direita nos últimos quatro anos. Olhando para os grandes números, há três elementos essenciais a reter: entre 2011 e 2015 a população activa diminuiu em cerca de 260 mil pessoas (-4,7%); a destruição de emprego situa-se em cerca de 220 mil postos de trabalho (-4,5%); e o número de desempregados - nos estritos termos dos critérios oficiais - diminuiu em cerca de 38 mil (-5,9%, o único indicador de variação comparativa com significado aparentemente positivo). O que significa que, na legislatura que agora termina, por cada activo que deixou de estar desempregado, sete activos perderam o seu emprego.


Os números do desemprego obrigam contudo, como bem sabemos, a uma análise devidamente cuidada do fenómeno, que tenha em conta realidades que - não sendo consideradas pelos valores oficiais - configuram situações de desemprego (tanto em 2011 como em 2015). Isto é, trata-se fundamentalmente de saber como evoluiu o desemprego que não é reconhecido pelas estatísticas e que peso assume hoje numa aproximação mais realista ao problema. Neste sentido, verificou-se um aumento, entre 2011 e 2015: do número de desempregados ocupados em cerca de 130 mil (+500%); do número de activos desencorajados em cerca de 90 mil (+51%); e do volume de subemprego em cerca de 36 mil (+17%). Ao que se soma o êxodo de activos, decorrente do aumento exponencial do saldo migratório negativo acumulado, que se elevou até um valor de 384 mil, em 2015 (+1300%). Ou seja, considerando este conjunto de realidades, passamos a registar um aumento de desempregados na ordem das 537 mil pessoas entre 2011 e 2015 (e não o decréscimo de 38 mil registado, no mesmo período, pelas estatísticas oficiais).


Uma das implicações desta linha de análise aponta, necessariamente, para que não sejam consideradas, como emprego, algumas das situações anteriormente referidas. Isto é, se apurarmos a variação do emprego, entre 2011 e 2015, sem contabilizar os desempregados ocupados e as situações de subemprego, constatamos que a destruição do mercado de trabalho traduz a perda de 385 mil empregos e não, como indicam os números oficiais, de 219 mil. Isto é, a contracção do emprego nos últimos quatro anos foi de 8,4% e não, como as estatísticas sugerem, de 4,5%.


Quer isto dizer que o desemprego não diminuiu e que não foi criado emprego, a partir de 2013? Não. Como assinalou recentemente Pedro Lains, «a economia portuguesa está naturalmente a recuperar, depois de uma forte contracção de perto de 10%, desde o início da crise financeira». A questão essencial é que essa recuperação resulta «da ténue recuperação europeia e (...) do facto de o Governo não ter implementado medidas de austeridade adicionais, desde há um ano ou algo mais», graças ao Tribunal Constitucional e às inversões ilusórias necessárias, para «que [não] se lixem as eleições».

Ou seja, a ténue recuperação da economia e do emprego não traduz - ao contrário do que o governo finge acreditar (pretendendo que nós acreditemos também) - uma suposta transformação estrutural da economia portuguesa, decorrente das políticas de empobrecimento e de subdesenvolvimento seguidas nos últimos anos. Aliás, basta deixar passar as próximas semanas, e aguardar que a nuvem cor-de-rosa artificial se dissipe, para vermos - caso a maioria ganhe as próximas eleições - o regresso rápido e em força às políticas de austeridade, essa ferramenta política indispensável para que a direita concretize, até onde puder, a sua agenda ideológica.

10 comentários:

  1. "se a maioria ganhar as próximas eleições"

    Com estas análises tão evidentes isso é impossível.

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  2. A análise rigorosa que faz tem de ser valorizada.

    Mas eu acho que a motivação que o leva a fazer a ter esse trabalho e a divulgá-lo na esfera pública parte de um pressuposto "errado": a de que a grande maioria das pessoas (dos eleitores, para ser mais preciso) "desconhece" os resultados a que chega, ou se deixa "enganar" pela "nuvem cor-de-rosa artificial".

    Nada disso (em minha opinião). Eu acho que a grande generalidade dos eleitores que votam na coligação ou que estão indecisos reconhecem a análise que faz como correcta. Simplesmente esse é um dos factores (entre muitos outros) que os leva a optar, e não é o mais importante.

    O governo prometeu uma coisa e fez outra? A maioria o reconhecerá, mas poucos lhe darão importância decisiva no momento da escolha.
    O governo fala em transformação estrutural da economia portuguesa e ela verdadeiramente não ocorreu? A maioria o reconhecerá, mas poucos lhe darão importância decisiva no momento da escolha.
    O governo "colhe os louros" da ténue recuperação económica, mas na verdade ela deve-se ao ao Tribunal Constitucional, ao BCE, ...? A maioria o reconhecerá, mas poucos lhe darão importância decisiva no momento da escolha.
    Estamos pior hoje (mais dívida, menos e pior emprego, ... ) do que estávamos no início deste mandato? A maioria o reconhecerá, mas poucos lhe darão importância decisiva no momento da escolha.
    ...

    O que quero dizer é que não vale a pena esforçar-se a desmistificar o que afinal a grande maioria dos eleitores reconhece, apesar da propaganda do governo (que aliás a maioria o reconhecerá, mas poucos lhe darão importância decisiva no momento da escolha).

    Para convencer os indecisos é necessário perceber primeiro qual é o factor principal que os levará a uma escolha. E concentrar aí os esforços de convencimento.

    Do meu ponto de vista o factor principal prende-se com o convencimento de que podia ter sido muito pior, podia ter sido uma "catástrofe grega" (crise humanitária (!), controlo de capitais, novo memorando, mais austeridade, ...) podíamos nem sequer ter agora uma recuperação ténue. E isso não é fácil de contrariar, ainda mais porque a "catástrofe grega" aí está como argumento forte e real do que "nos poderia ter acontecido".
    Não invejo a tarefa de António Costa e, para ser sincero, não sei que argumentação pode utilizar para contrariar esta percepção.

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  3. Obrigado pelo seu comentário, caro Anónimo das 14h38.

    Concordo em ampla medida com o que diz. Não subestimo as dificuldades do PS (e sobretudo da esquerda em geral, com diferentes matizes) no contexto em que nos encontramos.
    Diria apenas que talvez não seja igualmente de sobrestimar a noção de que o eleitorado reconhece as manipulações de números, o fracasso da austeridade e a narrativa fraudulenta e ilusória com que a maioria se apresenta a estas eleições.

    Não querendo recorrer ao péssimo argumento (porque de suposta autoridade) do conhecimento do «país real», asseguro-lhe que não são mesmo nada poucas as pessoas que conheço (de diferentes estratos e de diferentes orientações políticas e ideológicas) que continuam convencidas de que «andámos a viver acima das possibilidades» (e demais mantras que prepararam o terreno da austeridade), que fizemos «os sacrifícios necessários» e que, graças a isso, «estamos hoje melhor» e a «deixar os problemas para trás». E nesse convencimento sobre as coisas, toda a propaganda governamental acaba por ir colhendo.

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  4. E´ chegado o momento de mudarmos o Rumo politico economico, social e cultural possivel neste Pais!
    Portugal e os portugueses tem no dia 4 de outubro de 2015 uma opurtunidade, quase única, para afastar a direita da governaçao!
    Os dados foram lançados…
    Depois de navegarmos tanto tempo na pobreza - o desafio agora é assumir o leme do próprio destino da vida nacional. Caso contrário, o risco de morrermos na praia e´ imenso.
    Anseio por um voto util e responsavel. Sem dispersao!
    E´ necessario, mais do que nunca engulir o tal sapo.
    O voto e´ indidual e secreto… muito bem e, por isso mesmo, utilize-o para mudar de Rumo…contribua para acertar a Agulha da Governaçao. De o “Catraio” com respeito


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  5. Essa do 'fracasso da austeridade' para justificar a queda do emprego pressupõe a idiotice de acreditar que algum dia a austeridade seja factor de aumento de emprego, sem mais!

    O que pode discutir-se é se promove ou não a sustentabilidade do emprego diminuído, se é caminho para futuro aumento do emprego sustentável - sempre associando um factor tempo que em economia se mede em anos, e não poucos.

    Outra questão é a medida das 'nossas possibilidades'.
    Se a produçã/ receita não faz a medida, acrescente-se-lhe a capacidade de endividamento. A partir daí só sobra o confisco ou o assalto.

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  6. " E nesse convencimento sobre as coisas, toda a propaganda governamental acaba por ir colhendo."

    Caro Nuno Serra,
    Haverá certamente muitas pessoas com os convencimentos que indica.

    Desde logo por "clubismo" (todos os partidos têm indefectíveis). Esses nem vale a pena perder tempo a tentar convencer com análises, elaboradas ou não.

    Outras "continuam convencidas de que «andámos a viver acima das possibilidades» (e demais mantras que prepararam o terreno da austeridade), que fizemos «os sacrifícios necessários» e que, graças a isso, «estamos hoje melhor» e a «deixar os problemas para trás»". Do meu ponto de vista esses convencimentos, para estarem tão enraizados, não podem resultar apenas de propaganda governamental. Têm por base o senso comum, a intuição e a experiência de vida (p. ex., "a economia caseira"): tentar desmontar argumentos simples (se há dívidas e défice temos de cortar na despesa) com elaboradas análises não tem qualquer efeito prático. É pura perda de tempo.
    Mas, quanto a mim, e era esse o ponto do meu comentário, há ainda outros que não cabem nas duas categorias anteriores: podem até reconhecer que o governo é mau, que foram cometidos muitos erros, que foram quebradas promessas, que muitas das melhorias apregoadas são ilusórias, que o desemprego real é muito maior que o estatístico, ... Esses concordarão com a sua análise e outras semelhantes que desmontam a propaganda governamental. Daí o paradoxo: são esses os mais habilitados a compreender a sua análise mas, paradoxalmente, a desvalorizá-la porque concordando com ela acham que ainda assim podia ter sido pior e têm receio de mudança. Para esses a sua análise é "chover no molhado".

    Resumindo. Acho que a chave para convencer indecisos não está no desmontar da propaganda governamental quanto à situação actual e aos erros cometidos (onde a sua análise se enquadra). Está em convencer os indecisos que havia/há alternativas que produziriam/produzirão melhores resultados. E isso não só não é fácil como roça quase o impossível. António Costa tentou a que seria, à partida, a melhor estratégia neste sentido: uma análise técnica e quantificada, feita por especialistas (mais ou menos) independentes, de cenários alternativos. Mas quando o resultado se mede em diferenças de décimas todo o efeito se perde: arriscar a mudança, o desconhecido, para (potencialmente) melhorar décimas ...

    Para terminar, uma reflexão sobre as sondagens. Partindo do princípio que há quem oculte (por vergonha?) em quem vai votar, serão eleitores da coligação ou da oposição?

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  7. ~Há um Milhão de Desempregados que desapareceu de Portugal, mesmo contando com a "entrada" de 320 mil Migrantes. Foram para onde?...Para a Grécia?...Os 320 mil Migrantes equiparam-se quase aos 450 mil que Emigraram. Mas onde anda o tal Milhão de diferença?...Estão a ver o Bom Dia Portugal!

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  8. Pelo que vi e ouvi da boca de Vítor Moura Pinto estas centenas de milhar de desempregados estão nas Feiras, como a de Trancoso na Guarda, onde a maioria vota no Passos.
    O Povo Português vota Passos que é quem melhor os representa. Nada como nada fazer e esperar pelos tansos.

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  9. Como é que o emprego real + desemprego real não é igual à população activa?

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  10. Caro Francisco,
    Tratando-se de uma análise do mercado de trabalho, é adoptado o valor da «população activa» propriamente dita e não da «população em idade activa». Por essa razão, os valores apresentados correspondem à soma dos dados oficiais de população empregada e de população desempregada.
    Porém, na medida em que se trata de identificar situações de desemprego que estão para lá dos estreitos critérios oficiais, consideram-se também os inactivos desencorajados (que não integram, segundo esses mesmos critérios, a população activa), bem como a emigração (que corresponde, de alguma forma, a «esconder desemprego no estrangeiro» e que deixa de ser considerada como população activa).
    É por essa razão, portanto, que a soma do emprego real com o desemprego real deixa de coincidir com o valor oficial da população activa.

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