O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, tem sublinhado que, afinal, o sector bancário está a pagar impostos e que – subliminarmente – este Governo fez frente aos poderosos. E a prova é que a contribuição extraordinária sobre o sector já rendeu 758 milhões de euros em 5 anos (de 2010 a 2014), contribuindo para uma subida da taxa efectiva de pagamentos de impostos pelo sector.
Esta contribuição foi criada ainda em 2010 e incide sobre os passivos dos bancos e sobre os montantes aplicados em instrumentos derivados. Era uma medida para penalizar práticas mal sãs do sector que nos tinha colocado na crise económica que se vivia então. E já agora arranjar umas verbas orçamentais adicionais.
O que me parece espantoso é como uma contribuição extraordinária tenha atingido valores que rondam entre um quinto a quarto do IRC liquidado pelo sector. É como se aplaudisse os valores da contribuição, para ofuscar o que se passa realmente no IRC, onde o sector paga uma pequena e desproporcionada parcela relativamente aos outros sectores. Basta olhar para as poucas e atrasadas estatísticas fiscais (as últimas reportam-se ao exercício de 2012 quando já deveriam por lei ter sido publicadas as de 2013!).
Entre 2010 e 2012 (três anos), o sector teve os seguintes números:
Resultados positivos: 51,3 mil milhões de euros (48% de toda a economia)
Prejuízos fiscais: 12,9 mil milhões de euros (26% de toda a economia)
Lucros tributáveis: 11,1 milhões de euros (16% de toda a economia)
(ou seja, já se verificou uma erosão de 40 mil milhões de euros entre os resultados positivos e os tributáveis, cerca de 4/5 dos resultados positivos)
Matéria colectável: 9,4 mil milhões de euros (21% de toda a economia)
(ou seja, mais um pequeno corte aos resultados de 1,7 mil milhões de euros)
IRC liquidado: 2 mil milhões de euros (24% de toda a economia)
Ora, daqui já se percebe que algo se passa quando 48% de todos os resultados positivos da economia se transformem em apenas 24% do IRC liquidado em toda a economia...
Caso se tente calcular o peso do imposto liquidado sobre os lucros efectivos (os resultados positivos), verifica-se:
1) O sector bancário teve das taxas efectivas de IRC em 2012 mais baixas da economia (8,5%), só superior à da electricidade (4,9%). A taxa média da economia foi de 12,5%. Em 2010, a banca teve uma taxa efectiva de 2,3%! Percebe-se a criação da contribuição extraordinária...
2) Com pagamentos tão baixos de IRC, qualquer contribuição especial atinge logo uma fatia de leão e permite ao Governo apresentar-se como um real cobrador de impostos. O IRC liquidado anualmente rondou entre os 660 e os 716 milhões de euros e a contribuição extraordinária sobre o sector bancário deu 152 milhões de euros em 2011, 156 milhões em 2012, 139 milhões em 2013, 180 milhões em 2014. Quando na realidade, o sector não paga impostos sobre a parte de leão dos resultados positivos.
Resta ainda acrescentar que mais nenhum outro sector beneficiou tanto de uma reforma do IRC (coordenada pelo ex-militante do CDS, administrador do BPI e Sonae) e que aumentou de 4 para 12 anos o número de exercícios em que é possível abater prejuízos fiscais aos resultados positivos. Ou seja, a receita de IRC no futuro irá ser reduzida por este “subsídio” público ao sector.
Falar de 758 milhões de euros de contribuição extraordinária quando se permite a erosão de milhares de milhões de euros, parece um exercício forçado. Mas pronto, é o que há.
Se os resultados descem e a matéria colectável se mantém, necessáriamente ou as taxas de imposto aumentam ou as regras de tributação são mais gravosas.
ResponderEliminarÉ extraordinário... Muito obrigada pela explicação clara dos números que de outro modo seriam opacos.
ResponderEliminarA análise da tributação da banca não pode deixar de ter em conta que me 2012 foi um ano muito pior do que é normal (para a banca). Ter esta questão em conta permite compreender melhor o que deverá ser o comportamento da taxa efectiva (IRC/Resultados Positivos ou lucro contabilístico) nos próximos anos. Mais, o crescimento da taxa efectiva de 2010 para 2012 deverá corresponder a uma gestão/planeamento dos compromissos fiscais. O alargamento dos anos para deduzir os chamados prejuízos fiscais (que foram alargados pela Reforma do IRC) a par do alargamento dos benefícios à banca daqueles que são atribuídos aos grupos económicos e a redução dos rendimentos que são considerados em termos fiscais perspectiva uma aprofundamento das diferenças entre a taxa efectiva que o João Ramos de Almeida, e bem, utiliza neste artigo com a taxa efectiva que o Governo anda a papaguear que considera apenas os lucros tributáveis!
ResponderEliminarNão é por acaso que em 2012 (tal como nos anos anteriores) o sector financeiro e a energia (os principais sectores monopolistas) apresentavam uma diferença tão acentuada entre lucros contabilísticos e tributáveis.
Por isso, parece-me que a proposta fiscal do PCP de obrigar a que o imposto a pagar deverá ser aquele apurado a partir da aplicação da respectiva taxa aos lucros contabilísticos, independentemente do sector em causa. Proposta que deverá ter que ser melhorada, mas que na minmha opinião vai no rumo certo!
Caro José,
ResponderEliminarA análise do cálculo da matéria colectável - até do lucro tributável - é algo que a Autoridade Tributária mostra numa página e sem muitas explicações nem análise. E que por isso não é de leitura imediata. Daí, aconselha-se cautela nos julgamentos rápidos sobre as causas da manutenção da Matéria Colectável. E encaminho-me mais para razões como as apontadas pelo Ricardo. De qualquer forma, aconselho uma tal visita à dita página
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/
Cara Adriana,
não tem nada que agradecer. Até porque acho que, apesar de tudo, os números continuam opacos :-)