domingo, 15 de março de 2015

Conferência IDEFF: «Portugal - Um ponto de situação»



«A dívida externa líquida da economia portuguesa é, diria eu, o desafio número um que se coloca a qualquer política económica em Portugal e vai ser assim durante vários anos. Temos, como é sabido, uma dívida externa que é das maiores da União Europeia e mesmo das maiores do mundo. (...) Um outro dado que é particularmente preocupante diz respeito à posição financeira das empresas. (...) Passámos de uma situação em que tínhamos empresas extremamente endividadas para uma situação de empresas que estão ainda mais endividadas. (...) Um outro aspecto que eu gostava de referir tem a ver com a ideia de que o ajustamento por que passámos favoreceu uma reestruturação da economia portuguesa, estando hoje melhor preparada para enfrentar os desafios da globalização. (...) Se olharmos para o conjunto dos sectores, nós vemos que alguns dos sectores que são fundamentais para a afirmação competitiva da economia portuguesa (a indústria transformadora, os restaurantes e hotéis - que são a base do turismo -, a agricultura, silvicultura e pescas), têm hoje muito menos emprego do que tinham em 2008. (...) A pergunta que devemos fazer é: está hoje a economia portuguesa menos exposta à concorrência por parte de países que baseiam a sua competitividade na mão-de-obra barata? A resposta é não. (...) Todos os sinais que levavam alguns analistas a considerar que Portugal estava em 2009 à beira do colapso estão hoje muitíssimo mais graves do que estavam em 2009.» (Ricardo Paes Mamede).



«O investimento, ao contrário do que diz o ministro Paulo Portas, não cresceu 5%, cresceu 2,3%, estando hoje ao nível de 1986, o ano em que começaram a vir fundos europeus para Portugal. Portanto, nós regredimos 30 anos em níveis de investimento e o que conseguimos crescer nem serve para manter a capacidade produtiva. (...) Nós temos aqui se quisermos uma quadratura do círculo que é: ajustámos brutalmente o défice externo quando o défice público correu mal. Porquê? Porque como fizemos colapsar a procura interna e fizemos colapsar o emprego — havia menos contribuições sociais, menos IVA, menos consumo, e, portanto, as receitas fiscais foram por aí abaixo. Agora, que deixamos de corrigir o défice externo e até o estamos a degradar, corre mal no défice externo e corre bem no défice público. Porquê? Porque grande parte do crescimento do consumo foi assente em automóveis, que pagam muitos impostos — pagam imposto automóvel, pagam o IVA. Portanto, paradoxalmente quando correu bem no défice externo correu mal no défice público e quando agora corre mal no défice externo volta a correr mal no défice público. O que é que isto mostra? Que não corrigimos nada, apenas andámos aqui conjunturalmente a ajustar as coisas, mas não ajustámos nada de verdadeiramente estrutural e a prova disso é que, quando começamos a recuperar um bocadinho, voltam logo os desequilíbrios do passado.» (João Galamba)

Via Câmara Corporativa, excertos das intervenções (a ver na íntegra) de Ricardo Paes Mamede e de João Galamba na conferência promovida pelo Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal (IDEFF), «Grécia e agora?», realizada no passado dia 4 de Março. Os restantes vídeos da conferência encontram-se aqui.

8 comentários:

  1. "Todos os sinais que levavam alguns analistas a considerar que Portugal estava em 2009 à beira do colapso estão hoje muitíssimo mais graves."
    Todos? Então para quê os PECs sucessivos? Porquê o pedido de resgate financeiro? Porque é que não pedimos nós a solidariedade Grega? O João Galamba ao menos reconhece que recuperamos um bocadinho. E a lista de 55 medidas propostas pelo PS mostra que as preocupações de hoje não são as de 2009. Felizmente.

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  2. «alguns dos sectores que são fundamentais para a afirmação competitiva da economia portuguesa (a indústria transformadora, os restaurantes e hotéis - que são a base do turismo -, a agricultura, silvicultura e pescas), têm hoje muito menos emprego do que tinham em 2008»
    Isso quer dizer o quê?
    São mais eficientes?
    Viviam da fuga aos impostos?
    Dependiam de um mercado interno 'bombado' a despesa pública?

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  3. «não corrigimos...não ajustamos...»
    Provavelmente faltou uma pauta aduaneira e um novo plano de condicionamento industrial...e um génio para evitar as consequências

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  4. Passámos de uma situação em que tínhamos empresas extremamente endividadas para uma situação de empresas que estão ainda mais endividadas.

    A solução (parcial) para isso é vender as empresas a estrangeiros que tenham dinheiro. Que é precisamente o que tem vindo a ser feito. Os angolanos, os chineses, os americanos, os franceses compram empresas portuguesas fortemente endividadas. É o BCP, é a TAP, é a PT...

    E essa é a solução correta. Acaba-se o "capitalismo sem capital" cavaquista.

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  5. está hoje a economia portuguesa menos exposta à concorrência por parte de países que baseiam a sua competitividade na mão-de-obra barata? A resposta é não.

    Este período não faz sentido face àquilo que foi dito no período anterior. Se os setores fundamentais da economia portuguesa perderam emprego, então eles estão menos sensíveis ao nível dos salários, estão mais capazes de concorrer com empresas estrangeiras de mão-de-obra barata.

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  6. Mais capazes de concorrer sim( por enquanto) mas a exposição não diminuiu.

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  7. "Atenas nega ter falta de dinheiro para pagar os salários e pensões"
    http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=4455133

    É este um dos temas de discussão, hoje, sobre a situação da Grécia.
    Em 2011 era isto que se discutia em Portugal. E hoje?

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  8. "Se os setores fundamentais da economia portuguesa perderam emprego, então eles estão menos sensíveis ao nível dos salários, estão mais capazes de concorrer com empresas estrangeiras de mão-de-obra barata."


    Sim, porque pagam cada vez pior, com os efeitos de tal situação. Não só o estarola Lavoura só diz disparates, como ainda ousa o Aborto Ortográfico - típico vendilhão da Pátria do "mercado livre".

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