Dizem-nos que vem aí a retoma. Depois da austeridade expansionista se ter revelado um fiasco e do efeito (decretado) das reformas estruturais demorar a materializar-se, o governo português, o Banco Central Europeu BCE) e a Comissão Europeia (CE) parecem ter apostado todas as fichas na ideia de que, uma vez estabilizado o sector financeiro, este pode voltar a ser o motor da economia europeia, relançando o investimento privado e, por arrasto, a criação de emprego.
No meio de uma recessão, onde o desemprego já passou os 17%, a austeridade não liberta recursos para o sector privado nem abre espaço para o crescimento económico; limita-se a contribuir para aumentar a quantidade de recursos não utilizados, isto é, agrava a recessão e aumenta, ainda mais, o desemprego. Mas o governo, o BCE e a CE acham que não. Juntamente com as reformas estruturais, sobretudo as do mercado de trabalho, a austeridade cria as bases para um crescimento sólido e sustentável. Esta posição reafirma dois axiomas
ideológicos: o de que uma economia tende naturalmente para o pleno emprego e os efeitos recessivos da austeridade decorrentes do recuo
do Estado são apenas temporários, de curto prazo; e o de que menos Estado e um mercado mais liberalizado equivalem a mais crescimento
económico e mais criação de emprego no longo prazo.
Ao contrário do que tem sido assumido, a estabilização do sector financeiro dificilmente poderá contribuir para materializar os alegados efeitos benéficos da austeridade e das reformas estruturais. O que os defensores destas políticas não percebem é que, no contexto actual, a recapitalização da banca, a disponibilidade de liquidez ilimitada e a descida dos juros têm um efeito reduzido, para não dizer nulo, nas dinâmicas de crédito e de investimento numa economia. Um banco sem capital não pode conceder crédito, mas tal não significa que
um banco capitalizado o faça. E a existência de liquidez, mesmo que acompanhada por uma descida dos juros, por si só, não altera esse
facto.
A tese de que os bancos não financiavam a economia porque estavam limitados por capital, por liquidez ou por juros elevados desvaloriza a restrição mais importante de todas: rentabilidade. O dinheiro que chega aos bancos tem de ir para algum lado, mas não podemos simplesmente assumir que este irá naturalmente para a economia. Enquanto não for estabilizada a situação económica, isto é, enquanto não parar a austeridade e não forem implementadas políticas de dinamização viradas para a procura, ninguém investirá e os bancos continuarão
a fazer o que têm feito: inflacionar preços de activos financeiros, criando uma ilusão de rentabilidade. Digo ilusão, porque uma
rentabilidade que depende exclusivamente da criação de uma bolha no preço dos activos, sem qualquer contrapartida real, não pode ser
sustentável.
Se nada for feito para alterar as dinâmicas de procura numa economia, todas as políticas centradas na oferta estão condenadas ao fracasso. O que temos hoje deteriora/destrói os activos financeiros que já existem, facto demonstrado pela evolução das falências e do crédito mal-parado, e também inviabiliza a criação de novos activos. Se excluirmos os efeitos de valorização de curto prazo que tem levado muitos a dizer que a retoma está aí a chegar, importa responder a uma pergunta: qual o impacto das actuais políticas na viabilidade dos activos financeiros presentes e futuros da economia portuguesa? A resposta só pode ser negativa, o que inviabiliza qualquer retoma sustentável.
O optimismo que alguns insistem em afirmar tem apenas um fundamento: a crença empedernida numa teoria macroeconómica que, como
escreveu Keynes nos anos 30, pressupõe um espaço Euclediano num mundo essencialmente não Euclediano. A retoma prevista pelos crentes na bondade da actual estratégia só poderá ocorrer num mundo fundamentalmente diferente daquele onde todos vivemos. Até lá, continuaremos condenados a viver no curto prazo e a ouvir declarações, como a resposta do porta-voz da CE às criticas de Krugman, de que existe ampla evidência de que estas políticas resultam, sendo apenas preciso dar-lhes mais tempo e esperar. Suponho que até à eternidade.
A ciência económica, mesmo que dotada de poderes e capacidades extraordinárias em que não acredito, serve -se de uma arrogância triunfalista que sega espiritos e mentes - pelo menos muitas -, mas é insuficiente par operar qualquer alteração significativa da situação atual. Sem ideologia, nem o fundamento ideológico das opções económicas chegam para fazer o que é preciso, porque a propaganda serve a ideologia, mas só por pouco tempo a substitui, depois cansa-se. Ou cansa as mentes despertas, tanto faz.
ResponderEliminarJosé Luís Moreira dos Santos
Estarreja
E a juntar a isto, porque de facto o dinheiro não fica quedo, e está a inflacionar o que não tem valor intrínseco, estamos a criar o potencial para novo episódio dramático da crise.
ResponderEliminarÉ moda agora falarmos contra a austeridade.
ResponderEliminarÉ fácil: ninguém gosta.
Um défice orçamental de 9% (em 2011) não deixa outro caminho que não seja a austeridade (a palavra foi, desde logo, mal escolhida pela carga negativa, devendo antes dizer-se rigor orçamental).
E o défice foi a herança do Governo Socialista - cujos três primeiros anos foram excelentes (considerando a mediocridade generalizada dos governos anteriores), mas que depois perdeu o norte (absorvido num pantano de escandalos e mentiras).
O Dr. Galamba, de forma eloquente, dá-nos a canção do bandido, branqueia tudo. E omite o mais sério: com o presente défice de 6% a economia teria de crescer, pelo menos, 4% para inverter o colapso orçamental (admitindo que o défice não aumentaria...). Alguém tem esperança que isto aconteça?
O Dr. Galamba tem. É por isso eloquente ter ilustrado o seu artigo com o mito de sisifo: acredita que gastando mais a pedra sobe, ignorando que antes de chegar ao cume da montanha, ela cairá sob o peso da dívida.
É preciso corrigir o orçamento do Estado, depois poderemos começar a crescer.
Penso que a causa principal desta situação são as políticas monetaristas que estão a ser seguidas na Europa as quais têm um
ResponderEliminarentusiasta fanático no actual Governo português.
Só não percebo porque motivo o principal partido governamental ao seguir estas políticas se intitula Social Democrata.
Deixo aqui uma interrogação: Será possível reduzir o deficit público e externo de forma simultânea ?
Que o título do blogue afinal é verdadeiro...
ResponderEliminarCaro Sr Galamba, o seu texto é interessante e cumpre os mínimos de inteligência e bom-senso (quero eu dizer: vai até ao Keynes, via Krugman), o que já não é nada mau! O problema começa na sua acção política enquanto deputado e membro do PS. Por exemplo: no caso da "regra de ouro" o PS votou a favor, e o senhor (tal como, aliás, os outros deputados do PS da chamada "Ala Esquerda")? terá por acaso rompido com a disciplina de voto e votado contra? Diga-me, Sr. Deputado, poderemos nós confiar no PS enquanto partido de "esquerda"?
ResponderEliminarInfelizmente, "a longo prazo todos estaremos mortos". Já dizia JMK
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