domingo, 10 de março de 2013

As consequências ambientais da dívida


“Emissão de CO2 pela indústria europeia cresceu 3% no ano passado, mas em Portugal desceu 14,5%”, noticiava o jornal de Negócios em Junho de 2011”. Depois disto as emissões de CO2 continuaram a diminuir em Portugal em consequência do declínio da atividade industrial, da quebra do consumo de energia doméstico e da redução do trefego rodoviário.

Para alguns isto sugere que nem tudo é mau na austeridade e na recessão. O ambiente apesar de tudo ficaria a ganhar. No entanto, com a austeridade e a crise, por detrás da redução das emissões de CO2, perfilam-se ameaças ao meio ambiente que podem vir a assumir enorme gravidade.

Na realidade, o serviço de uma dívida externa, em contexto recessivo, levou no passado mais do que um país intervencionado pelo FMI à adoção de um modelo económico extractivista com consequências ambientais arrasadoras. O mesmo pode vir a ocorrer entre nós.

Servir uma dívida externa (pública e privada) com as proporções que conhecemos, ao ritmo acelerado com que se pretende fazê-lo, tem inevitavelmente como consequência não só uma impiedosa extração e transferência para o exterior de uma grande parte dos frutos do trabalho dos portugueses, durante muitos anos, como pode induzir uma intensificação sem precedentes da exploração dos recursos naturais. Se esta exploração for acompanhada de relaxamento de normas de controlo dos impactos ambientais da atividade extrativa, o resultado pode ser catastrófico.

Ouvimos falar de concessões mineiras, de concessões de exploração de recursos mineiros no mar e de mirabolantes investimentos estrangeiros nestes domínios. Tudo isso em nome do aumento das exportações, do reequilíbrio das contas externas e do serviço da dívida. Mas o que exatamente se prepara é pouco conhecido, e não sendo conhecido, não tem sido praticamente discutido.

Qual poderá ser o custo social e ambiental destes mirabolantes projetos? Não sabemos, e pior do que não sabermos é constatarmos que, em nome da atração de capitais, existe a intenção de aligeirar os procedimentos de licenciamento e os requisitos dos estudos de impacto ambiental.

Entre o pouco que sabemos encontra-se o que é possível descobrir em alguns documentos oficiais.

No relatório do orçamento de estado de 2013, por exemplo, pode ler-se que no “âmbito do estímulo do investimento e dos sectores produtivos da economia portuguesa, o Governo irá lançar uma nova iniciativa para reformar, de forma profunda, o regime de licenciamento em Portugal, promovendo a desburocratização e reduzindo os custos de contexto. Os objetivos passam pela simplificação, redução e desmaterialização de todos os procedimentos de licenciamento na economia por forma a reduzir as barreiras ao investimento e ao bom funcionamento da economia”.

No mesmo relatório informa-se que “esta reforma recairá, também, nas áreas transversais do ambiente e do ordenamento do território com a revisão do regime de avaliação de impacto ambiental, já no final deste ano, e com a reforma profunda do enquadramento legislativo do ordenamento do território”.

O que está em causa não é uma mera redução de burocracia inútil. Na realidade quem escreveu estas linhas acredita que a atração de capitais depende de um relaxamento de normas ambientais e de planeamento territorial que são um luxo para países endividados.

No quadro do modelo extractivista cujos contornos é já possível antecipar, crucial é não só intensificar a exploração dos recursos, independentemente da existência de investimentos completares que permitam valorizar estes recursos e não exporta-los simplesmente como matérias-primas baratas, como relaxar tudo o que seja regulamentação da atividade extrativa.

O que transpira destas linhas é a equação do licenciamento e da regulação ambiental a “custos de contexto” que é preciso reduzir em nome da eficiência económica. A exemplo do que acontece nas relações de trabalho, está em preparação um steap tease desregulamentador no ambiente e no planeamento territorial, destinado a seduzir investidores que apreciam pouco limites à sua “liberdade”. 

Em nome da dívida, os custos sociais, ambientais, das atividades extrativas devem ser ocultados, escondidos debaixo do tapete. Tudo isto sugere que a auditoria à dívida pública deve acolher uma dimensão ambiental que os torne visíveis.

Publicado também aqui

10 comentários:

  1. Exemplos concretos do que é dito:
    -A apregoada extracçao de petróleo ao largo do Oeste;
    -A extracçao de gás "ali para os lados" de Setúbal.

    E relembrar o desabafo, nao há muito tempo, do nosso Ministro da Economia, que a UE devia afrouxar as suas leis ambientais.

    Face a isto

    ResponderEliminar
  2. Caro José Maria
    Excelente texto, que põe uns pontos importantes nuns quantos is... e que, entre outras coisas, permite tornar claro porque é as conversas ("latouchianas" ou outras) acerca da pretensa bondade e/ou inevitabilidade do "decrescimento" sempre me "bateram mal".
    Podemos bem andar momentaneamente a produzir menos CO2... mas pelas piores razões! E num contexto em que ainda vamos acabar com a Alemanha a comprar-nos a nossa quota de "direitos poluidores". E em que, pelo meio de todos os outros descalabros, virá, sim, a prazo virá inevitavelmente o tal "strip-tease" ambiental, o reforço do padrão exportador de meras "commodities", etc.
    Discutir ambiente é antes do mais, compreendamo-lo, discutir a humanidade. Ou seja, a questão sempre recorrente da "igualdade entre os homens". Os norte-americanos poluem per capita a um nível incomparável com quem quer que seja... Cotejadas com isso, as repetidas e muito propaladas notícias sobre desastres ambientais na China ou nos restantes BRICS (ou na verdade onde quer que seja) são elas próprias, reconheçamo-lo, sobretudo "poluição mediática" e perigosíssimo reforço da nossa autoimagem coletiva "ocidentófila"...
    Mas distingamos, c’os diabos, adentro do próprio “Ocidente”. Até há algum tempo, com a Europa ocidental operando em registo muito mais “welfarista”, keynesiano e social-democrata, os europeus eram induzidos a utilizar transportes coletivos e a ferrovia era comparativamente promovida… e assim poluíamos, para PIB per capita próximo, muito menos que os norte-americanos. Com a euforia do “mercado” e do “empreendedorismo” dos últimos trinta e picos (simplificadamente: desde 1980), a convergência foi nossa com eles, não ao contrário. Manifestação extrema e patética disso mesmo é que, entre nós e recentemente, em contexto de intervenção da Troika, o “instinto básico” desta gente os tenha levado a propor aumento dos passes sociais e em geral desinvestimento no transporte público. Aliás, falando de desastres ambientais, convém não esquecer os riscos de desastres em sentido estrito também nesse outro aspeto: as linhas de comboio da periferia de Lisboa, por exemplo, bem como o Metro, estão por fios em matéria de segurança!
    Pelo meio desta “grande mutação”, abriu-se uma enorme janela de oportunidade para o “negócio verde”, claro. E o Al Gore lá vendeu livros à fartazana, e o Pagode aplaudiu e pediu mais. E banalizou-se a própria noção da compra e venda dos “direitos de poluição”… Um fartote!
    Volto à minha: as questões ambientais são sobretudo uma forma elíptica de falar de questões de "igualdade entre os homens". Podes crer.

    ResponderEliminar
  3. penso que se deve ter cuidado com os ataques que andam a fazer ás leis ambientais, mas não se deve demonizar a indústria extractiva. penso que se deveria sim criar condições para subir na cadeia de valor - compreende-se que apesar de termos a maior mina de cobre da europa não se tenha metalurgia de cobre? é urgente industrializar, mas penso que aí o maior problema são os custos energéticos...

    ResponderEliminar
  4. já agora um apontamento curioso. a concessão de exploração de hidrocarbonetos ao largo do algarve, que é a zona com maior potencial que temos esteve durante muitos anos bloqueada, por autarcas do PSD. apenas com este governo começou a andar para a frente... se os acordos tivessem sido assinados logo, ou seja, há 8 anos, seria possível que estivéssemos a produzir neste momento uma boa parcela do gás que consumimos... com muitas implicações para o equilíbrio da nossa balança comercial...

    ResponderEliminar
  5. Isto é um indicador bastante fiável que o país entrou em desindustrialização acelerada .
    Há no entanto em Portugal indícios que o actual Governo pretende criar legislação onde possam ser instaladas industrias perigosa incómodas e insalubres que possam ir contra as próprias normas actualmente em vigor na União Europeia.

    ResponderEliminar
  6. Estes senhores que tomaram conta do poder estão a destruir o nosso país todos os dias!
    "Na sua óptica mercantil do mundo, a Natureza deve ser para eles não mais do que uma soma de recursos que devemos inventariar e entregar à iniciativa privada, para os "gerir" no nosso exclusivo interesse. Nosso... deles. A Natureza, não mais do que "recursos naturais"... assim como nós humanos, não mais do que "recursos humanos". O resto é poesia!"
    (http://blogorbis.blogspot.pt/2012/09/desmantelamento-da-ren.html)
    E não conseguimos encontrar uma alternativa?
    E não conseguimos apeá-los do poder,considerando que já perderam a legitimidade democrática?

    ResponderEliminar
  7. Este seu texto é uma pérola, a fina capacidade de análise a que tanto nos habituou, a fluidez dos parágrafos, o estudo aturado que faz sobre assuntos tão prementes, principalmente agora, que o capitalismo selvagem se prepara para nos colonizar e encher de indústrias poluidoras.

    ResponderEliminar
  8. Nunes, uma ressalva: nao estaríamos a produzir coisíssima nenhuma, estaríamos a extrair.

    Conquanto o efeito prático pudesse ser o mesmo (tenho dúvidas que se notasse nos preços aos consumidores - singulares ou pequenos e médios colectivos), um faria depender de nós a capacidade de produzir, o outro far-nos-ia dependente de encontrar uma bolsa suficientemente grande.

    Por outro lado, onde estariam os "dividendos" dessa exploraçao a beneficiar os Portugueses, em particular nestes tempos de vender os dedos? Toda a gente, quando se fala de comparaçoes ("impossíveis", mas pedagógicas) com a Noruega menciona o facto de eles terem petróleo. Sim, têm-no, e gás e Statoil, empresa que o explora, pertence em 67% ao Estado Norueguês. Alguém vê isso a acontecer em Portugal?

    ResponderEliminar
  9. É claro que preferia que fosse explorado por uma empresa estatal, mas ainda que não fosse haveria benefício. era menos importação, o que ajudava. preços no consumidor baixariam um pouco provavelmente, mas ainda que não baixassem o ganho em postos de trabalho seria razoável. os dividendos previstos penso que são 9% da produção (posso estar errado). quanto ao extrair vs. produzir, eu, talvez por defeito profissional (tenho um mestrado em georrecursos) não faço essa distinção. desde que as externalidades associadas à extracção de um recurso sejam incorporadas no seu valor, penso que pode ser mais útil extrair do que deixar a matéria prima no subsolo - afinal de contas o mundo tem fome de recursos, e acho melhor produzir cá com regras ambientais e laborais do que produzir sabe-se lá onde, muitas vezes com mão de obra ao nível da escravidão, e poluindo tudo... mas aí já entramos pelos males do comércio livre actual...

    ResponderEliminar
  10. Exmº Senhor Dr José Maria Castro Caldas

    Em Outubro do ano passado comentei o texto de Isabel Castro “Recursos geológicos e mineiros – Um processo que tem de ser escrutinado”, publicado no site a19 Outubro 2012.

    Verifico agora que permanece na IAC a atenção sobre esta questão dos recursos geológicos e mineiros, conforme reflectido neste seu texto.
    Na sequência daquela minha intervenção, o meu amigo José António B. Cardoso ficou alerta para este assunto e, recentemente, resolveu fazer uma pesquisa a propósito do anúncio, pelo Ministério da Economia, de várias concessões de prospecção e pesquisa de ouro.
    As conclusões são surpreendentes – e inquietantes.
    A questão porventura mais inquietante é a que decorre de terem sido atribuídas vastas concessões de recursos nacionais à firma Klondike Gold Corp Portugal, que é – pasme-se! – uma firma UNIPESSOAL e com um capital social de apenas 800 €…
    Ando a insistir com o meu amigo para vos enviar a estudo que fez.
    Mas creio que, pelo vosso lado, existirão informações suficientes para que a IAC não abrande, mas sim acentue a vigilância e a divulgação sobre esta matéria que mexe com a nossa soberania – pois que, tudo indica, anda a ser tratada pelo Ministério da Economia de maneira negligente e irresponsável.
    Cumprimenta,
    Joaquim Jordão
    Amarante, 26 Março 2013
    (N: enviei também para o site da IAC)

    ResponderEliminar