sábado, 15 de dezembro de 2012

Um valente neoliberal


Vasco Pulido Valente acusa hoje a esquerda de brandir a palavra neoliberalismo como uma espécie de substituta das palavras luta de classes ou exploração. É claro para Valente que a esquerda o faz “sem a menor ideia do que está a falar” e revelando a falta de “estudo”, “honestidade” e “inteligência” de sempre. Em primeiro lugar, não vejo razão nenhuma para abandonar as palavras luta de classes ou exploração e ainda menos na análise do neoliberalismo. Imperialismo então nem se fala. Em segundo lugar, e como sempre que se refere, entre outros, a assuntos de economia política, seja de história, filosofia ou metodologia, é, na realidade, Pulido Valente que exibe uma confrangedora falta de estudo e de honestidade. Sobra-lhe sempre a frase bem torneada, por vezes um certo realismo salutar, mas que não compensam a arrogância e um execrável ódio de classe.

Para evitar o triste espectáculo com que somos regularmente presenteados no Público, faço um apelo: talvez João Carlos Espada possa um dia destes levar Pulido Valente a tomar chá, lá para as bandas do Estoril ou, idealmente, de Oxford, com Lord Raymond Plant, um social-liberal respeitável, muito distante da tal piolheira intelectual indígena de esquerda. Plant escreveu recentemente um livro, sofisticado e crítico, sobre a filosofia do neoliberalismo, enquanto corpo doutrinário que emerge no período entre as duas guerras do século XX, com inúmeras novidades em relação ao liberalismo do século XIX, consolidando-se nas décadas de consenso keynesiano e conquistando a hegemonia a partir do final dos anos setenta, sem nunca deixar de ser atravessada por pluralismo interno. Tornou-se na mais bem sucedida ideologia da era dos extremos. Se quiserem ser mais ousados, podem convidar John Gray, antigo ideólogo de Thatcher convertido em severo crítico da globalização neoliberal, para tomar uns copos num bar de Londres. Poderá ajudar a entender o desastre das utopias neoliberais nos países que caem sob tutela de organizações internacionais tão fanáticas ideologicamente quanto incompetentes e ao serviço dos interesses mais venais.

Nada que Pulido Valente esteja pronto a aceitar com facilidade, já que ainda diz que os indígenas gregos precisam, tal como os indígenas portugueses, de uma boa dose de “liberalismo” aplicada pela troika. Se 25% de quebra do PIB e 25% de taxa de desemprego, uma verdadeira tragédia socioeconómica, não fazem esta gente mudar de ideias o que é que fará? Nada, é claro. Afinal de contas, é toda uma tradição, cada vez mais decadente, de intelectuais provincianos que suspiram por um liberalismo inventado, mas que no fundo só querem aquilo que podem ter na periferia: uma qualquer tutela imperial mais ou menos visível e que só garante o desenvolvimento do subdesenvolvimento, até porque a autonomia política nacional é uma condição necessária para o desenvolvimento. Esta gente é, no campo intelectual, sem dúvida uma parte do nosso problema.

4 comentários:

  1. Vasco Pulido Valente (VPV) não era um intelectual provinciano, pelo contrário, pertencia a uma elite cosmopolita pois era um daqueles que tinha "um olho em terra de cegos": “estudou” lá fora, andou pelas terras de Oxford. Ora nesse tempo do “orgulhosamente sós”, esses intelectuais cosmopolitas, arredados da "piolheira" e afastados das massas populares tinham o privilégio de trazer ideias novas e frescas do exterior. Os intelectuais provincianos, esses nacionalistas, foram os que ficaram (não é por acaso que Maria Filomena Mónica, na revista do Expresso da semana passada, considera “parolo” o actual nacionalismo, parecendo meter o patriotismo no mesmo saco). Mas a verdade é que VPV deve andar há muito arredado da Academia. O homem provincianizou-se, só pode, porque se atentasse no que actualmente se escreve na Academia, facilmente verificaria que o neoliberalismo é um conceito corrente, e não só entre os radicais de esquerda. Que saia mais do Gambrinus e que vá ver o mundo. É que o mundo muda.

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  2. Quem? O Correia Guedes? o Único português culto?

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  3. o mundo muda e as sociedades adaptam-se. Não existem ideologias certas nem erradas. Existem opções que têm determinados resultados. As politicas de esquerda, em todo o mundo têm revelado que as suas opções não resultam em maior prosperidade do que as politicas de direita, são factos facilmente comprovaveis. Em economia, os ciclos são inevitáveis e caracterizam mudanças de equilibrio que exigem novas ideias, novas medidas e novos paradigmas. É o que se está a passar na Europa, o Continente mais desenvolvido e com maiores niveis de bem estar a nivel mundial. Os que criticam este modelo mas não se mudam, é que são os verdadeiros provincianos, que vivem à custa de um sistema que criticam mas nem pensam na hipotese de ir para paises ideologicamente próximos daquilo que defendem.

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  4. Caro João Rodrigues,

    Parece-me que existe alguma razão na crítica em relação à esquerda, ou grande parte dela, quando utiliza a expressão 'neoliberal' para transmitir algo sinónimo de 'capitalismo selvagem' ou 'libertarianismo'.

    Não deixei de notar que o próprio livro que apontou, de Plant, assume que o facto de o neoliberalismo admitir a existência de segurança social deita por terra uma divisão profunda entre o neoliberalismo e a social democracia.
    http://www.samuelbrittan.co.uk/text357_p.html

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