domingo, 16 de dezembro de 2012

Afirma Pereira


Não deixem de ver as duas intervenções iniciais de Pacheco Pereira, intercaladas pelas de Lobo Xavier e António Costa, sobre as recentes declarações de Isabel Jonet (e o «referencial moral» de fundo que as enquadra), na mais recente edição da Quadratura do Círculo. Está lá tudo. E leiam também este post no Abrupto (a que cheguei através do Sérgio Lavos), que de algum modo sistematiza essas intervenções.

Para além de sublinhar de modo certeiro a relação difícil que a caridade mantém, necessariamente, com a questão da dignidade (em grau tanto maior quanto mais «envergonhada» é a pobreza), e de estabelecer com particular clareza as diferenças entre a responsabilidade intrínseca do Estado pela protecção social (fundada em direitos e reclamada pelas sociedades modernas) e o voluntarismo caritativo incerto e difuso (dependente de empatias e vontades), há uma passagem que vale igualmente a pena reter. É quando Pacheco Pereira desconstrói umas das ideias fraudulentas que mais contaminou a opinião pública nos últimos anos: a ideia de que se andou no regabofe do endividamento, a viver inconscientemente acima das possibilidades.

A esse propósito, Pacheco recorda que as decisões de recurso ao crédito foram, na larga maioria das situações, «decisões puramente racionais» (como demonstra a aquisição de casa própria, «numa altura em que não havia outro tipo de mercado, (...) numa altura em que [as pessoas] tinham rendimentos que lhes permitiam comprar casas»). Bastará lembrar, de facto, que entre 1999 e 2009, cerca de 80% do crédito bancário se destinou à aquisição de habitação própria, num tempo em que as expectativas de manter o emprego não previam, obviamente, nem os efeitos devastadores da crise financeira nem a estupidez criminosa da terapia austeritária.

3 comentários:

  1. Uma boa intervenção, de facto.

    Poder-se-ia estranhar, mas JPP cada vez mais faz a oposição que seria de esperar de outros.

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  2. Quem propõe a caridade como solução para mitigar as situações de extrema pobreza persegue dois objetivos principais: perpetuar o empobrecimento e condicionar os comportamentos de quem a recebe. A caridade humilha. A caridade subverte a dignidade. Ao contrário dos direitos sociais, que têm consagração legal, a caridade repousa no livre arbítrio ocasional e exige, como retorno, um agradecimento implícito. A caridade institucionalizada é uma arma de poder para as organizações que a praticam, embora elas procurem exibir um falso altruísmo de fachada. A caridade não é politicamente neutra, pois aceita o conceito da inevitabilidade da pobreza e orienta-se pelo paradigma da resignação, perante as desigualdades sociais. A caridade ilude os pobres e sossega os ricos. A institucionalização da caridade é uma falsa solução, que só vem estimular o aumento da pobreza.
    http://alpendredalua.blogspot.pt/2012/12/dignidade-sim-esmola-nao-deputada.html

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  3. O Pacheco Pereira é manifestamente a ala mais à esquerda do Quadratura do Círculo. No Público de hoje VPV acusa-o de estar ao serviço do PS e acusa-o de voltar aos seus tempos de esquerdismo. VPV ficou tão impressionado com a polémica suscitada pelas declarações da senhora Jonet que até decidiu "ajudar com regularidade essa extarordinária empresa". Olha o sumítico que ainda não tinha ajudado ele que é tão amigo da caridade. Feita pelos outros, já se vê. Mas, na conversa do Pacheco Pereira ressalta além da defesa da dignidade humana impossível num contexto caritativo, uma compreensão das rãzões do endividamento das famílias. Foi uma opção política do Estado português basear o acesso à habitação na aquisição de casa própria. Os cidadãos endividaram-se num quadro de ausência de alternativa e sem que quem de direito verificasse o preceito constitucional do equilíbrio entre o rendimento familiar disponível e o esforço feito com o alojamento. Ganharam os bancos veja-se, apesar da crise, o peso do crédito no activo dos bancos e o peso do crédito mal parado no total do crédito concedido.
    Uma última nota: o peso do crédito à habitação no total do crédito a particulares era de 81% em 2011. O crfédito ao consumo era de 11% e existiam outros créditos que totalizavam 8%. Julgo no entanto que o peso do crédito à habitação é inferior aos 80% do PIB situando-se abaxo dos 70%.

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