O Passa Palavra publicou ontem um texto que expõe um
conjunto de argumentos de esquerda para recusar a saída do euro como estratégia
política. Trata-se de um texto longo, sério e sistemático, que merece bem ser debatido, ainda que na minha opinião incorra nalguns erros e falácias,
alguns dos quais não inocentes. Seguem-se alguns comentários sob a forma de
pontos (que aliás é também a forma adoptada no texto do Passa Palavra) – uns em
resposta directa ao que é dito nesse texto, outros relativamente a questões mais
gerais mas por ele suscitados.
1. O estímulo às exportações é apresentado neste texto como
sendo o alfa e o ómega das propostas de saída do Euro, incluindo as propostas
de esquerda nesse sentido (entre as quais presumo que se incluam as que têm sido
defendidas por alguns dos autores deste blogue, eu próprio incluído). Isso
permite construir um tigre de papel contra o qual é possível argumentar que
“aqueles que pretendem abandonar o euro pouco parecem importar-se com (…o facto
dos…) financiamentos e créditos externos ficarem mais caros”; que quem defende
a saída do euro “indica só as vantagens” e não as desvantagens da saída; e que
os defensores da saída do euro “se esquecem de considerar (…) que uma moeda
desvalorizada encarece as importações”.
2. Ora, este tigre de papel simplesmente não existe. Em
primeiro lugar, as desvantagens “económicas” da saída do euro (por oposição às
questões mais estritamente "políticas" - chamemos-lhes assim para simplificar,
reconhecida que é, por todos neste debate, a unidade do político e do económico)
têm sido amplamente reconhecidas e referidas pelos proponentes de esquerda
desta estratégia. Isso inclui tanto as desvantagens referidas no texto do Passa
Palavra (encarecimento das importações e do financiamento externo) como outras
que aí não são referidas (como a questão crucial da turbulência gerada no
período de transição e das suas consequências). Em segundo lugar, e mais
importante, o estímulo às exportações (ou, de forma mais correcta, a
substituição do mecanismo de correcção dos desequilíbrios externos) não é sequer o objectivo principal, mas
apenas um dos objectivos. O objectivo principal e mais geral é, isso sim,
inverter a evolução da relação de forças entre o trabalho e o capital no
contexto europeu, através daquela que se considera ser a melhor forma de o
fazer, dadas as características, consideradas intrínsecas e irreformáveis, da
arquitectura financeira europeia. Isto faz toda a diferença – e voltarei a esta
questão mais abaixo. De qualquer forma, construir um tigre de papel que
representa erroneamente a posição do adversário no debate é um mau princípio e
contribui negativamente para os objectivos que o debate deve servir.
2. Da mesma forma, o recorrente recurso ao epíteto de
“nacionalista” para qualificar as propostas que à esquerda têm sido feitas
neste sentido é outra estratégia argumentativa condenável e desonesta. Tem
tanto de “nacionalista” defender a saída da zona Euro como defender a saída da
NATO . Trata-se de considerar que são estruturas irreformáveis que consagram e
constrangem institucionalmente relações sociais e, em particular, relações de
classe. Defender a saída da zona Euro ou da NATO não tem (ou não tem necessariamente)
nada de nacionalista: a perspectiva é de classe e os objectivos são plenamente
internacionalistas – o que difere é a
avaliação das vantagens e desvantagens de diferentes estratégias. Logo, como
nota prévia adicional, importa sublinhar mais uma vez que todos ganharíamos com
o fim do recurso a este tipo de estratégia argumentativa falaciosa, frequentemente
utilizada no contexto deste debate, que aliás tende a reflectir a falta de
melhores argumentos.
3. Dito isto, comecemos então por discutir a questão das
consequências mais estritamente “económicas" da saída do Euro. Como já
referi, o objectivo a este nível não é um mero “estímulo das exportações” à
custa das quotas de mercado de outros países, mas sim a correcção dos
desequilíbrios estruturais que a pertença à zona Euro tem acarretado em virtude
das suas características intrínsecas. Esses desequilíbrios incluem com certeza o
avolumar do défice externo (que depois se transmutou em dívida pública), mas também incluem a evolução recente do padrão de especialização
da economia portuguesa, que na era do Euro se tem caracterizado pelo afluxo do
capital aos sectores mais rentistas e protegidos da concorrência externa. Para
isso obviamnte contribuiu sobremaneira a integração do poder económico,
financeiro e político (através das privatizações de monopólios naturais, das
PPPs, do regime de (des)orientação do crédito, etc), mas as condições
estruturais criadas pelo Euro tiveram também um papel central (através da
conjugação do declínio da competitividade externa em virtude da
sobrevalorização cambial implícita com o acesso facilitado ao financiamento centro-europeu
a taxas de juro muito mais baixas). Ora, a pertença a uma zona monetária nestas
condições (sem mecanismos de transferência orçamental compensatórios e, para
mais, com uma taxa de câmbio face ao exterior da zona Euro acomodatícia dos
interesses do capital financeiro centro-europeu) condena a periferia da zona
Euro a um processo inexorável de declínio terminal, análogo ao declínio das
regiões mais pobres e periféricas do interior de Portugal (que apesar de tudo
até têm contado com transferências orçamentais relativamente mais substanciais,
o que não tem obstado ao seu declínio).
4. Por isso, no que se refere estritamente à questão
cambial, o objectivo não é simplesmente “aumentar as exportações”, mas sim permitir
que os fluxos económicos e financeiros entre Portugal e o resto do mundo deixem
de ter lugar em condições determinadas por uma relação cambial fixa,
sobredeterminada pelos interesses do capital centro-europeu e tendente a
agravar as distorções do padrão de especialização das periferias, passando
antes a reflectir a co-evolução da produtividade e a desincentivar, nas
periferias, a concentração do processo de acumulação nos sectores rentistas e
protegidos da concorrência externa. Naturalmente, a desvalorização do “novo
escudo” implicaria o aumento do custo do financiamento externo, o encarecimento
das importações e a perda de poder aquisitivo face ao exterior – mas os autores deste texto, e os de outras
críticas anteriores que têm sido feitas na mesma linha, esquecem-se, por sua
vez, de assinalar que: i) o encarecimento relativo das importações (face às exportações)
e do crédito externo são necessários
para evitar o avolumar da dívida externa, que é precisamente uma das raízes principais
da situação em que se encontram a economia e a sociedade portuguesas; e ii) a
perda de poder aquisitivo face ao exterior afectaria todos os rendimentos, incluindo lucros, juros, rendas, etc., e não
apenas os salários (como recorrente e falaciosamente tem sido sugerido por
vários dos meus “opositores” neste debate). O que importa sublinhar é que, nas
circunstâncias actuais, todos os ajustamentos são e serão feitos à custa da
compressão salarial, única variável de ajustamento permitida pela arquitectura
da zona Euro; num cenário de saída e desvalorização, o ajustamento afectaria transversalmente
o poder aquisitivo externo dos rendimentos do trabalho e do capital.
5. Os autores deste texto referem-se depois, de forma algo
confusa, ao grau de intensidade tecnológica das exportações portuguesas para
argumentar que a saída+desvalorização não teriam a capacidade de corrigir os
desequilíbrios externos, dado que o problema das exportações radica no perfil
de especialização. Outros têm argumentado que não se vislumbram empresas e
empresários susceptíveis de aumentar o volume de produção de modo a responder
aos ganhos de competitividade induzidos por uma eventual desvalorização. Ora, é
certo que o problema de fundo das exportações portuguesas é um problema de
padrão de especialização, claro está; mas
isso não impede que a desvalorização tenha efeitos sensíveis e imediatos,
como aliás tem sido sobejamente provado pela evolução recente das exportações
portuguesas – que, ao contrário do que o governo tem pretendido sugerir, não tem
reflectido qualquer sucesso ao nível do efeito-competitividade da compressão
salarial em curso mas sim a relativa
(e relativamente excepcional) depreciação do Euro face ao resto do mundo ocorrida
nos tempos mais recentes (tal como demonstrado pelo facto do aumento recente
das exportações portuguesas dirigir-se ao exterior da zona Euro e não ao seu interior). Penso que esta "experiência natural" recente deveria ter já permitido que ultrapassássemos a
discussão em torno deste ponto – as exportações e as importações respondem efectivamente à taxa de câmbio,
independentemente dos segmentos das cadeias de valor ocupados pelas diferentes
economias.
6. Em todo o caso, em termos “estritamente económicos” e
como já referi, o objectivo da recuperação da autonomia monetária não é estimular as exportações à custa
do vizinho, mas sim permitir que um outro mecanismo que não a compressão
salarial funcione como variável de ajustamento face à co-evolução das
economias, corrigindo os desequilíbrios de forma automática e menos lesiva dos
trabalhadores e classes populares. Esse mecanismo é a taxa de câmbio – e tem a
vantagem óbvia, face à alternativa, de não incidir exclusivamente sobre o
trabalho mas sim transversalmente sobre os rendimentos do trabalho e do
capital. Simultaneamente, constitui um incentivo ao descentramento das
estratégias de acumulação dos monopólios naturais rentistas e protegidos da
concorrência externa em que esta mesma acumulação tem vindo crescentemente a assentar.
7. Ainda no que se refere ao lado “económico” da questão,
referem os autores que a desvalorização do poder aquisitivo externo das poupanças afectaria sobretudo os
pequenos e médios capitalistas e os trabalhadores, pois são os que menos
capazes são de transferirem as suas poupanças para o exterior. Quanto a isso,
importa dizer que, como é evidente, qualquer estratégia de saída teria de
envolver o estabelecimento de controlos de capitais. Mais do que isso, porém, é
estranho que uma proposta de esquerda como a destes autores tenha como umas das
suas preocupações centrais proteger as poupanças em detrimento dos rendimentos
presentes, nomeadamente os rendimentos presentes do trabalho: é que, como será
evidente para todos, a inflação (seja por que via for) tende a penalizar
sobretudo o capital e as classes dominantes, que detêm obviamente uma parte proporcionalmente
mais substancial das poupanças. Não é certamente por acaso que o controlo da
inflação é o objectivo estatutário único do BCE, reflectindo o predomínio dos
interesses rentistas. é evidente que a redenominação das poupanças em “novos
escudos” envolveria uma perda real de
poder aquisitivo dessas mesmas poupanças, mas: i) trata-se de uma perda de poder aquisitivo
que fundamentalmente teria lugar face ao exterior, não a nível interno (excepto
pela via indirecta da incorporação dos custos intermédios externos, sendo em
todo o caso errado referir que uma
hipotética desvalorização de 20% implicaria uma perda de poder de compra em
20%); ii) essa perda de poder aquisitivo reflectiria e implicaria desvantagem
relativa para os detentores de poupanças face aos beneficiários de rendimentos
presentes, mas a correspondência tendencial entre estes dois grupos, por um
lado, e os pólos da relação capital-trabalho, por outro, é óbvia; iii) no contexto
do processo de saída (e de nacionalização da banca, pelo menos parcial, que
essa saída necessariamente envolveria), seria certamente possível (pois é uma
questão política) ao Estado proteger os pequenos aforradores (impondo taxas de
conversão dos depósitos diferenciadas, por exemplo); e (iv) em qualquer dos casos, esse seria um dos preços a pagar pela possibilidade de readopção de políticas económicas mais favoráveis ao trabalho e à inversão do declínio.
8. Um outro aspecto, ainda “económico”, não referido pelos
autores deste texto, mas que outros críticos têm referido e com razão, é o da
turbulência transitória gerada por uma eventual saída. Embora conheçamos
precedentes históricos como o caso da Argentina (que inverteu o declínio
económico e encetou um processo de crescimento sustentado e com redução da desigualdade apenas um (1) semestre após a desindexação da sua moeda face ao dólar), é
verdade que a saída de Portugal da zona Euro teria implicações qualitativamente
diferentes, pelo que o precedente não é perfeito. A bem da honestidade
intelectual e política que tem de guiar este debate, reconheço prontamente que
esse é um dos factores de incerteza que aqui estão em causa. Simplesmente, não conhecemos
com rigor quais as possíveis consequências de curto prazo de um processo deste
tipo, incluindo em termos de eventual ‘overshooting’
da taxa de câmbio e ataques especulativos associados, ou ainda da gestão do
acesso no curto prazo ao aprovisionamento de bens alimentares e energéticos. É
uma questão da maior relevância, certamente, e um domínio em que é necessária
mais investigaçao, mais reflexão e mais debate. Devemos reconhecê-lo. Mas
devemos também reconhecer que sabemos qual
é a alternativa actualmente em cima da mesa: o processo em
curso de “ajustamento” permanente e sem fim à custa dos salários directos e
indirectos, temperado, para os mais optimistas, por um horizonte longínquo de
contra-movimento eficaz à escala europeia;
9. Comecei este texto sublinhando que a substituição da
compressão salarial pelo ajustamento cambial como mecanismo de ajustamento face
aos desequilíbrios induzidos pela co-evolução da economia portuguesa face ao
resto do mundo é um objectivo importante em si mesmo, mas não é o fundamental.
O fundamental é outra coisa: o desmantelamento de um colete-de-forças
institucional que inscreve na pedra relações de classe profundamente
desequilibradas em favor do capital e em detrimento do trabalho. A recuperação
da autonomia monetária em Portugal e noutros países implicaria recolocar em
cima da mesa questões que, no contexto da União Europeia, estão constitucionalmente vedadas:
nomeadamente, a possibilidade de financiamento monetário dos défices públicos sem
a agiota intermediação bancária actualmente imposta; ou a possibilidade de
adopção de uma conjugação de políticas monetária e fiscal/orçamental que tenha como
objectivo o pleno emprego e não apenas o controlo da inflação. Um novo Banco de
Portugal que recuperasse a autonomia monetária teria de definir
estatutoriamente este tipo de questões, que neste momento estão
constitucionalmente blindadas à escala
europeia - e essa definição teria lugar no contexto de debates políticos
nacionais em que a esfera do possível seria, indubitavelmente, mais alargada.
Não suponho irracionalmente que tudo seria um mar de rosas e que, no contexto
desse confronto, as pretensões dos trabalhadores e classes populares seriam
magicamente atendidas. O que sei é que a esfera do possível seria mais alargada
do que actualmente o é (e, a meu ver, inevitavelmente continuará a ser) à
escala europeia; e também sei que teria lugar num contexto em que a hegemonia
do discurso neoliberal que legitimou aspectos como a independência dos bancos
centrais ou o controlo da inflação como objectivo único ou primordial sofreu já
uma muito forte erosão – o que seria certamente favorável à adopção de regras
menos exclusivamente favoráveis aos interesses do capital e, em particular, do
capital financeiro.
10. Mais do que trocar acusações pueris de parte a parte, de
“nacionalismo”, por um lado, ou “cumplicidade com o capital centro-europeu”,
por outro, importa por isso reconhecer que o fundamental do debate é em torno
de estratégia política. De uma forma geral, divergimos na avaliação das
vantagens e desvantagens de diferentes estratégias, não nos objectivos ou alinhamentos
de classe. Seria importante que isso fosse reconhecido e ficasse assente. Ora,
é precisamente a esse nível, mais estritamente político, que reconheço mais
valor aos argumentos do texto do Passa Palavra: em termos simplificados, em que espero que os autores se revejam minimamente, a tese veiculada é que a opção de saída do Euro, na medida em que
provocaria perturbações e turbulência concentradas no tempo, seria mais
favorável ao reforço da extrema-direita do que um cenário de declínio gradual
(ainda que, a meu ver, sem fim). É uma tese defensável, mas apenas uma tese –
faltam os argumentos que a sustentem. “Não há nada mais parecido com um
fascista do que um burguês assustado”, escrevia há dias o Pedro Feijó citando
Brecht, e essa é sem dúvida uma frase muito acertada – mas quais são os motivos
que levam a crer que os temores da pequena burguesia e a susceptibilidade da
classe trabalhadora à “falsa consciência” são maiores no contexto de um
processo de convulsão súbito com um horizonte de recuperação à vista do que num
contexto de declínio cumulativo em que não se vislumbre qualquer esperança?
Recorrendo à analogia histórica, com todas as limitações que isso envolve, é
muitas vezes referido que a ascensão do nazismo decorreu, como factor causal
preponderante, da hiperinflação alemã; acontece é que isso não é verdade: a
ascensão do nazismo ocorreu no contexto da imposição de políticas
deflacionistas e austeritárias, não da convulsão hiperinflacionista que as
antecedeu e legitimou.
11. Finalmente, como referi no artigo que escrevi no Le
Monde Diplomatique deste mês, a ameaça do default e da recuperação da autonomia monetária é a única arma negocial das periferias
europeias. Renunciar incondicionalmente a essa possibilidade implica,
implicitamente, aceitar o caminho da condicionalidade externa e do declínio das
periferias sem fundo e sem fim (ou até que o contra-movimento se torne suficientemente
robusto e eficaz). De que outro modo pretendem os opositores da estratégia de
saída forçar os interesses representados na troika a aceitar a manutenção do
financiamento da economia portuguesa num contexto de denúncia do memorando? Ou
será que nem pretendem denunciar o memorando? Obviamente, não acredito que seja
esse o caso (que não pretendam denunciar o memorando) – acho é que há uma
incongruência flagrante e tacticamente desastrosa em pretender,
simultaneamente, denunciar o memorando, libertar a economia e a sociedade
portuguesas dos constrangimentos do endividamento e condicionalidade externos
e, ao mesmo tempo, rejeitar à partida aquela que é a única arma negocial
susceptível da obtenção de cedências mesmo
se o objectivo for aquilo que, para mim, é em todo o caso profundamente
irrealista: a obtenção gradualista de cedências que permitam chegar ao “Euro
bom”.
11. Resumindo tudo isto num conjunto reduzido de teses:
i) o debate à esquerda sobre o
Euro e sobre a saída como estratégia tem de continuar e vai necessariamente
continuar, pois é aí que, em última instância, radica uma parte muito
substancial dos constrangimentos que pendem neste momento sobre os
trabalhadores e classes populares europeus, nomeadamente nas periferias;
ii) de uma vez por todas, esse
debate deve dispensar o recurso demagógico a epítetos como “nacionalista”, que
apenas retiram clareza, dignidade e seriedade ao debate;
iii) a proposta de esquerda da
saída como estratégia não tem como objectivo único ou sequer principal o
“estímulo às exportações”, mas sim a recolocação no centro da luta política de
questões que, neste momento e à escala europeia, estão determinadas e blindadas
de um modo que favorece inexoravelmente o capital, sobretudo o capital financeiro,
e o centro em detrimento da periferia;
(iv) relativamente à “gestão” dos
desequilíbrios externos, o que está em causa é a escolha entre um mecanismo
(compressão salarial, i.e. austeridade sem fim) e outro (ajustamento cambial),
em que o segundo é relativamente menos lesivo dos interesses do trabalho e
relativamente mais lesivo dos interesses do capital;
(v) importa que, de uma vez por
todas e por uma questão de honestidade intelectual e política, se deixe de
referir que a perda de poder de compra face ao exterior provocada pela eventual
saída e desvalorização afectaria única ou principalmente os salários, quando na
verdade afectaria transversalmente todos os rendimentos e é a alternativa a um
mecanismo de ajustamento que, como já comprovado, assenta, esse sim, quase
exclusivamente na compressão salarial;
(vi) importa também reconhecer
que, pelo menos para já, desconhecemos com qualquer tipo de rigor os efeitos económicos
e políticos da turbulência induzida no curto prazo por uma eventual saída;
(vii) finalmente, falta também uma
discussão política mais séria, mais profunda e mais fundamentada em torno das
implicações mais estritamente políticas de uma e outra opção, nomeadamente no
que toca ao risco da ascensão da extrema-direita;
(viii) ou seja, o debate deveria reconhecer
que a escolha estratégica é entre: a) a tentativa de reconquista e reforma das
instituições que regulam o Euro e o seu funcionamento, implicando a hipótese segundo
a qual a consolidação a nível europeu de um bloco social de base popular suficientemente
poderoso para esse efeito é possível num período de tempo razoável (antes do
declínio terminal e da espoliação generalizados) e permitindo aceitar a
continuação dos retrocessos das periferias e das classes populares até lá; ou,
em alternativa, b) a consideração que essa consolidação, reconquista e reforma
não são possíveis em tempo útil, pelo que a melhor estratégia passa pela saída,
apesar dos seus custos, mas certamente abrindo caminho a formas futuras de cooperação internacionalista a todos os níveis, incluindo o da integração monetária, desde que em
moldes favoráveis às pessoas e não ao capital;
(ix) ambas as opções estratégicas envolvem incerteza: a opção da permanência, no que diz respeito aos tempos e possibilidades de sucesso da consolidação de
uma resposta popular europeia efectiva; a opção da saída, no que diz respeito à magnitude da turbulência de curto prazo e às suas consequências; ambas as opções, no que diz
respeito à maior ou menor propensão para a emergência de reacções políticas
adversas, especialmente no que se refere ao risco de reforço da
extrema-direita. Se assim é, é nestes pontos que o debate deveria
desejavelmente incidir – não no retorno recorrente a falácias ou argumentos já
falsificados.
(x) independentemente de tudo
isto, no contexto da táctica política actual, é um erro colossal por parte da
esquerda aplicar-se com tamanho denodo na rejeição da única arma negocial
relevante que pode permitir “suavizar” a austeridade sem fim e mitigar os
retrocessos dos trabalhadores e classes populares actualmente em curso. No
mínimo, tem de servir como ameaça – rejeitar esta possibilidade à partida é dar
um tiro no pé em termos dos interesses de classe que se pretende defender.
Prossiga então o debate em torno do que nos divide - e prossigam então todas as lutas em torno do muito que nos une.