sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Sem margem de manobra?



O meu artigo de ontem no jornal i:

A proposta de Orçamento do Estado para 2013 foi apresentada ao país pelo ministro das Finanças acompanhada de um comentário dirigido aos seus críticos: “Portugal não tem margem de manobra.” Ou seja, apesar do evidente fracasso da política de austeridade na Grécia, em Portugal e na Irlanda (neste caso, menos comentado), ainda assim temos de executar uma política que provou ser ineficaz. Dizem-nos que não há qualquer margem de manobra, mesmo que um dos membros da troika, o FMI, já tenha reconhecido que a política económica imposta a estes países é errada. O discurso do bom aluno acaba de ser enterrado, mas é espantoso que a política se mantenha.

Estamos pois num beco (aparentemente) sem saída. Entrámos numa espiral de desastre para a qual um núcleo restrito de economistas portugueses desde o início alertou, em flagrante contraste com o comentário entusiasta de muitos outros a quem foi dado grande protagonismo mediático, tendo como pano de fundo o silêncio das nossas faculdades de economia que, salvo honrosas excepções a título pessoal, guardaram um silêncio bem revelador da hegemonia do pensamento neoliberal na formação dos nossos doutorados. Vendo o barco a afundar, um ou outro vêm agora admitir que a austeridade deveria ter sido mais suave, em linha com o discurso do Partido Socialista. A mudança vem tarde e com pés de barro porque, ainda assim, persistem no paradigma teórico que gerou este desastre. Primeiro, porque continuam a admitir que o equilíbrio das contas públicas é, em si mesmo, virtuoso. Segundo, porque entendem que o relançamento da economia só pode fazer-se com medidas de apoio à oferta. Terceiro, porque, para eles, a UE acabará por salvar o euro e libertar-nos (a tempo) da austeridade. Tendo banido Keynes dos seus programas de doutoramento, é natural que o quadro conceptual destes académicos se sinta ameaçado e, na defensiva, se adapte apenas marginalmente perante a imensa crise da procura que apadrinharam.

Em 2011, os portugueses deram a este governo o benefício da dúvida. No fundo, os portugueses precisavam de tempo para perceber os contornos do problema em que estavam metidos. Hoje, é com profunda apreensão, mesmo com alguma raiva, que estão a deixar cair uma ilusão, a de que a moeda única nos traria uma integração europeia feliz, prosperidade para todos e alargamento dos direitos sociais. Para muitos cidadãos, talvez mesmo para a maioria, hoje é evidente que a saída para esta dramática crise só pode ser política e passa pela denúncia de um contrato que, segundo uma das partes contratantes, consagra um grave erro de política económica.

À medida que a denúncia do Memorando vai sendo percebida como a única saída que nos resta, o debate público sobre as implicações de tal decisão tornar-se-á incontrolável. Mais tarde ou mais cedo, as televisões vão ser obrigadas a levantar a censura a que têm sujeitado esta opção. As redes sociais estão a minar-lhes o terreno e a descredibilizar o seu comentário económico, pelo que o recuo acabará por acontecer. A partir daí, vamos ver a histeria dos apóstolos do euro, de direita ou de esquerda, para quem o desastre em que estamos lançados será sempre preferível ao abandono da moeda única. Veremos então que, apenas por razões ideológicas, os arautos de um imaginário “euro bom” preferem o desemprego de massa, por tempo indefinido, a uma inflação transitória causada pela desvalorização de uma nova moeda. Veremos então quem prefere manter o país no desespero e esperar por uma UE com orçamento federal, mesmo sabendo que a Alemanha nunca estará disponível para partilhar dívidas ou submeter o seu sistema bancário e o seu orçamento a uma tutela federal. E, veremos também, como evitam discutir o nosso endividamento externo porque sabem que tal desequilíbrio não pode ser resolvido sem recurso à política cambial, além de outras. Nesse dia, tornar-se-á visível a grande margem de manobra de que dispõem os países com moeda própria e banco central.

7 comentários:

  1. Excelente artigo.
    É lamentável o que se tem passado nas nossas faculdades de economia. Sem dúvida a maior hipocrisia passou-se com o Honoris Causa ao Paul Krugman. Com a comunicação social em geral a deturpar as suas declarações antes, durante e após a sua passagem, distorcendo completamente o seu pensamento económico.
    Mas não haja dúvida numa democracia, a única possibilidade de fazer algo nefasto para essa mesma sociedade é desinformando-a.

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  2. Não existem neoliberais. Existem funcionários bancários (e alguns atrasados mentais).

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  3. Não sei, existem muitos atrasados mentais. Acho que é um daqueles casos em que não se deve presumir malícia onde a estupidez explica a coisa. Esses economistas acreditam mesmo nas parvoíces que dizem.

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  4. A verdade é que, como aceitámos deixar de ter governo soberano (em nome, segundo alguns, do "internacionalismo"), passámos a dispor apenas duma comissão de gestão, nomeada pelo cartel dos credores.
    Dado que aquela depende deste, comporta-se como aluno diligente, "mais papista que o Papa", permitindo a este último o luxo (verdadeiramente aristocrático) de posar como "moderado", como ainda recentemente fazia a Madame Lagarde...
    Os "internacionalistas" que limpem as mãos à parede.

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  5. @Diogo
    Sim, os que acreditam acriticamente nos filmes Zeitgeist.

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  6. Existe hoje um consenso alargado, a respeito da necessidade imperativa de denunciar o memorando de entendimento (vulgo troika). Este consenso é consiste nos que o defendem e por aqueles que ainda não se atrevem a dizer que o defendem.

    Existe também um consenso muito alargado, de acordo com o qual, tal medida irá provocar reacções violentas da parte do establishment eurocrático. Não duvido que isso venha a acontecer. Onde eu acho que estão todos a esquecer algo fundamental, é quando pensam e afirmam que a posição negocial portuguesa será muito fraca, perante a chantagem. Por isso, vou deixar uma pergunta directa:

    -- Já alguém leu o artigo 123º do Tratado de Lisboa?

    O facto é que tem 2 pontos. O primeiro é universalmente considerado como a origem dos problemas que a todos afligem; o segundo..., acho que deveria ser lido e meditado. Existe igualmente um consenso muito alargado de que a denúncia do memorando terá que ser acompanhada duma nacionalização das instituições de crédito. A partir daqui, o ponto 2 do 123º torna-se a ferramenta que ELES estão a merecer.

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  7. Disse que Portugal não tem margem de manobra, mas ele e o governo é que perderam qualquer margem de manobra e, isolados, continuam a fuga para a frente.
    Cada dia que passa, com este governo e esta política, tem custos elevadíssimos para o país, custos de difícil recuperação.
    As troikas, estrangeira e nacional, são responsáveis pelo um dos maiores retrocessos civilizacionais que Portugal já sofreu.

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