quinta-feira, 6 de setembro de 2012
Impactos
O chamado Estado fiscal de classe, ainda para mais austeritário, é de tal forma injusto que até um histórico da direita portuguesa, ainda que democrata-cristã, como Freitas do Amaral, tem de vir a terreno defender um imposto “especial” para quem ganha mais do que dez mil euros, uma fasquia ainda assim bastante alta. Em contraste, o governo prepara-se, a pretexto da “simplificação”, para aumentar o IRS não sobre “os portugueses”, em geral, mas sobre alguns portugueses, em particular, certamente não os que têm sido até agora tão protegidos. A verdade é que este tipo de medidas, “a caminho da taxa única”, arrisca-se a aumentar a regressividade do sistema fiscal. Que tal seguir a pertinente sugestão de André Barata e tornar obrigatória a elaboração de um “estudo de impacto igualitário” de todas as políticas, fiscais, laborais ou sociais, por exemplo, que mudam as regras sobre quem se apropria do quê e porquê? É que estamos num dos países mais desiguais da Europa e não há nada pior do que a desigualdade extrema do ponto de vista ético-político e socioeconómico.
Pelo que se tem ouvido parece que novo regime de escalões do IRS irá penalizar mais os antigos escalões onde cabiam mais agregados familiares. Isto quer dizer que vão aumentar a amplitude do intervalo dos escalões. Provavelmente um agregado que aufira 20.000 ou 30.000 euros brutos por ano irá pagar tanto com um que aufira 70.000 ou mesmo 80.000. É caso para dizer se nos próximos anos valerá a pena auferir rendimentos do trabalho.
ResponderEliminarSempre que falamos de IRS há a tentação populista de defender o aumento da taxa para os escalões mais altos e a pretensão de obter desta forma uma redistribuição mais justa da riqueza. Temos de nos lembrar que o IRS se refere a rendimentos de TRABALHO e que não é por aumentarmos o IRS que obtemos uma situação fiscalmente mais justa. Uma fiscalidade justa tem forçosamente de se preocupar antes de mais com as grandes fortunas, com os rendimentos do capital, com os paraísos fiscais, com a evasão fiscal, com as amnistias e reduções às grandes empresas e aos bancos em particular (os verdadeiros subsidiodependentes do nosso país).
ResponderEliminarA direita, para pretender que "distribui igualmente por todos" os sacrifícios, identifica no seu discurso hipócrita os trabalhadores que pagam mais IRS como sendo "os ricos". Os que ganham menos, ofuscados pelos ordenados milionários (já recebi mails de pessoas indignadas porque na RTP há ordenados ACIMA de dois mil euros!) rejubilam. Os verdadeiros ricos esfregam as mãos de contentes. Ninguém dá por eles.
Que haja trabalhadores com ordenados altos é BOM! O problema português são os salários BAIXOS, não os altos. Que a esquerda alinhe numa pretensa política fiscal igualitária que tenta nivelar os trabalhadores por conta de outrem por baixo enquanto se esquecem os verdadeiros ricos e os parasitas é infeliz.
José Vítor, permite-me que faça uns apontamentos ao teu comentário.
ResponderEliminarDesde logo, não há nada de populista em se defender o aumento da taxa de IRS para os escalões mais altos, nem nada de populista em defender que essa é uma forma de redistribuição mais justa da riqueza. Defender a primeira com base na segunda ideia é mesmo um dos aspectos centrais de um desenho justo da tributação dos rendimentos do trabalho, na forma de uma progressividade razoável. Isto não significa que não se considere BOM haver salários altos, significa que se considera que estes salários devem ser mais tributados do que os salários mais BAIXOS. Essa é de facto uma forma de política fiscal redistributiva. Evidentemente, a progressividade deve ser razoável e deve, por isso, precaver-se contra demagogismos como os que procuram colar a classe média a "ricos". Mas, fora esse importante aparte, uma progressividade razoável continua a ser uma progressividade. E, sem dúvida, contribui para um sociedade mais igual do ponto de vista dos rendimentos.
Convém ainda notar duas coisas. Por um lado, com os estudos de impacto igualitário, não propus uma política fiscal igualitária, mas que a apresentação do OE fosse, constitucionalmente, obrigada a fazer-se acompanhar por um estudo prévio do seu impacto nos indicadores de igualdade/desigualdade social. Para esses indicadores, contribuem tanto políticas fiscais relativas a rendimentos de trabalho como a rendimentos do capital, licenças para a existência de paraísos fiscais, tolerância face a evasões fiscais selectivas, etc., enfim precisamente tudo o que mencionas e que diz respeito à governação económica do país. Por outro lado, no que toca exclusivamente aos rendimentos de trabalho, há sem dúvida um impacto igualitário profundamente negativo quando, como sudece com as novas medidas de austeridade propostas pelo Governo, nos deparamos com uma transformação da TSU num imposto único encapotado (insensível ao princípio da progressividade da tributação), bem como com a redefinição, que se adivinha, dos escalões de IRS. Estas alterações têm um impacto regressivo, talvez sem precedentes, na justiça redistributiva do país.
Um abraço!
PS: Aproveito para agradecer a referência do João Rodrigues à minha proposta.