sábado, 14 de janeiro de 2012

A utopia de um banco que não é de Portugal

Lendo Rui Peres Jorge sobre a conversa das “reformas estruturais”, um ingrediente da economia política da austeridade que temos denunciado nos últimos anos e que tem no Banco de Portugal (BdP) defensores tão fanáticos quanto protegidos das consequências devastadoras do que prescrevem para os outros, só podemos concluir que o neoliberalismo é um exemplo de uma utopia falhada, mas que soube durar muito mais do que seria de esperar porque se especializou em encontrar mil e uma formas de torturar a realidade com os seus instrumentos ideológicos; instrumentos bem protegidos e aperfeiçoados para Portugal em instituições, por sinal públicas, que são um símbolo do esvaziamento da soberania democrática, como é o caso do BdP.

Reparem na pérola do relatório desta semana do BdP sobre a grande transformação de Gaspar, antigo quadro e um puro produto desta “cultura” económica: “A simples adopção de uma miríade de medidas de políticas avulsas, desfasadas e incongruentes cria grande incerteza sobre os seus impactos, e uma fadiga face ao processo de reformas que põe em causa a sua eficácia global.”

Trata-se então de começar desde já, ao mesmo tempo que se pede a aceleração do plano, a antecipar as razões para o enésimo fracasso de um ajustamento estrutural que só poderá gerar desigualdade, destruição da capacidade produtiva e desemprego: não se tentou com convicção e coerência suficientes, os sujeitos políticos que tiveram de fazer o salto da pureza do papel para a impureza da realidade acabaram por claudicar, traindo uma ideologia de tudo ou nada, os objectos da experiência cansaram-se, não revelaram resiliência e plasticidade suficientes, o material humano é sempre fraco, a impaciência deitou tudo a perder. Enfim, só mais um esforço, um pouco mais de afinco, de radicalismo, e tudo teria corrido bem, o desastre teria dado lugar ao melhor dos mundos.

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