Hoje parece ser consensual, mesmo entre os economistas liberais, que os salários têm estado globalmente alinhados com a evolução da produtividade no nosso país. Globalmente porque, como é evidente, as desigualdades salariais geradas pelas assimetrias de poder são gritantes. Se a fraude dos salários demasiado elevados para a produtividade já praticamente desapareceu, tirando um ou outro ideólogo de televisão, o mesmo não se pode dizer da defesa de modificações das relações laborais tendentes a facilitar a redução dos salários, aumentando os direitos dos patrões, seja pela facilitação dos despedimentos, em que todas as causas se tornam justas no momento de despedir e em que transferir custos sobre terceiros se torna mais barato, seja pelo aumento dos horários de trabalho, seja pela redução da duração e montante do subsídio de desemprego. Já aqui por várias vezes argumentei que reduzir o salário directo e indirecto é toda a lógica da economia política da austeridade.
Curiosamente há quem defenda que isto pode ajudar a reduzir o desemprego. Onde é que esta gente vive? Portugal tinha uma taxa de desemprego de 4% no início do milénio. Desde aí tivemos várias modificações na legislação laboral no sentido de dar mais direitos aos patrões e impor mais obrigações aos trabalhadores. O que é que aconteceu ao desemprego? Triplicou. Porquê? Porque a economia oscilou entre a estagnação e a recessão na década do euro. Num contexto cada vez mais medíocre, o emprego tornou-se cada vez mais precário. A precariedade só desmotiva os trabalhadores e reduz os incentivos para investimentos em formação, claro. Como até o Banco de Portugal reconhece, é fundamentalmente a evolução da procura que determina as dinâmicas de investimento e, logo, digo eu, de criação de emprego. O crédito vem num distante segundo lugar. A resposta de austeridade recessiva, que este governo subscreve com ideológico entusiasmo, compressora da procura à escala nacional e europeia, é hoje, como não nos temos cansado de repetir, o principal factor de destruição da economia e do emprego.
Tudo na austeridade destrói o mundo do trabalho e também o da família. Os supostos defensores dos valores da família param à porta dos locais de trabalho, esquecendo-se dos impactos de um sistema organizado para reduzir o tempo livre ou para dar tempo, mas sem liberdade, sobretudo através do desemprego, corroendo, de qualquer forma, a vida familiar. A ideia de aumentar o horário de trabalho sem aumento de salários vai agora fazendo o seu caminho entre os intelectuais do patronato medíocre, como alternativa à outra fraude que é a descida da TSU. Deveríamos antes estar a pensar nas estratégias políticas disponíveis para diminuir o número de horas por trabalhador, protegendo e incentivando o emprego, na linha do que tem feito, vejam lá, a própria Alemanha...
Só para esclarecer: "diminuir o número de horas por trabalhador" é para desdobrar o posto de trabalho em dois (ou mais), certo?
ResponderEliminarNo fundo propõe-se atingir uma quota de pessoas em part-time semelhante à Holanda (a razão dos 4% de desemprego), se não percebi mal.
A questão é como isso pode fazer-se se o ordenado de 60% da população activa- à volta de 600€- mal chega para um solteiro e é quase impossível para quem tem família (falando por experiência), para nem falar do ordenado mínimo.
Uma medida seria então diminuir o peso contributivo da contratação? De que forma? Como garantir que mais pessoas são contratadas e a medida não seria aproveitada de forma oportunista?
Cumprimentos
Devido aos avanços da tecnologia, é fundamental que se diminuam as horas de trabalho, ou entäo teremos um crescimento exponencial do desemprego.
ResponderEliminarVeja-se em Portugal, que facilmente o desemprego duplicou em 10 anos, e depois até triplicou com a crise. É mesmo imperioso para evitar todo o tipo de conflitos sociais derivados de desemprego.
A questäo de "como viver com metade do salário" claro que é premente. Mas quantos de nós, em verdade, precisamos de toda a "tralha" que temos em casa? Mesmo a minha parca colecçäo de CDs säo 100 horas de música. Outro tanto para os DVDs. Livros, entäo... Vivemos numa sociedade de consumo, somos empurrados a comprar e a recomprar coisas que depois ficam a ganhar pó, e depois compramos mais coisas ainda. Para quê?
É verdade que há muita gente a contar tostöes, sem dúvida. Mas pobres eram os meus avós e montaram um café e criaram os filhos e agora ainda podem gozar de rendas, que se esperassem pela reforma passavam fome. Carro nunca tiveram. E ainda hoje em dia a minha avó se sujeita às miseráveis carreiras da rodoviária privada local e PASME-SE anda a pé de uma ponta à outra quando vai à cidade!
Há que pensar menos nas aparências e mais no futuro. Especialmente se esse futuro for este paraíso neoliberal que a maioria está a deixar que construam...
Para que conste, a referência à "tralha" tem a ver com termos "tralha" a mais mas *tempo a menos* para a usufruir. Trabalhando menos teremos mais tempo para usufruir da "tralha" e PASME-SE TAMBÉM estar cm a família.
ResponderEliminarPorque no paraíso neoliberal, "família" näo existe, a näo ser "os gajos que competem contigo pelo posto de trabalho/migalhas".
Maquiavel, o ordenado médio em Portugal é à volta de 770€. Claro que 65% da população ganha menos de 600€ mas vamos esquecer por momentos a gritante falta de igualdade no país, das piores da OCDE.
ResponderEliminar770€ para um solteiro, que vamos assumir que tem um contrato de trabalho (um privilégio raro) e não tem família nenhuma (o que não é verdade para a maioria da população activa).
Renda média: 250€
Alimentação: 5€/dia 150€/mês
Carga fiscal (esc III): 200€/mês
Transportes (passe médio): 70€/mês
Água/Gás/Electricidade: 75€/mês
Total: 745€
O resto sobra para poupanças, roupa, saúde, e outros gastos essenciais, isto assumindo que nunca se come fora, não existe televisão, telefone ou internet e não se compra "tralha" como música.
Para sobreviver em Portugal com metade do salário passava-se a andar a pé para todas as ocasiões, recorria-se ao Banco Alimentar, vivia-se com 3 membros da família no mesmo quarto nos subúrbios e era proibido ter qualquer gasto exterior a isto. Se ainda por cima houver crianças...
É como vivem mais de 2 milhões dos nossos compatriotas.
Na Holanda isto não acontece: metade de um salário médio é suficiente para cobrir todos as necessidades básicas E ter família.
Ou seja, esta excelente proposta só faz sentido quando primeiro acabarmos com salários de miséria e desigualdade galopante, precisamente o contrário da estratégia actual.
Nuno, näo esquecer que em Portugal (felizmente) existem mais (770-200)*2=1.140€/ano disponíveis para esse caso, o que faz toda a diferença para quem conta tostöes.
ResponderEliminarObviamente que é necessário primeiro acabarmos com salários de miséria e desigualdade galopante. A reduçäo de horário começará nos países ricos, onde há mais margem de manobra para os cidadäos. Em Portugal o mais certo é continuar trabalhar-se o dobro para receber o mesmo. Bem, mas isso já contece agora!
Concordo também que viver sozinho com 600€/mês näo é fácil, mas se se pode fazê-lo na Finländia, um dos países mais caros da UE, e onde näo häo subsídios de férias e Natal... viver em família com 600€/mês é que é difícil!
Saiu há pouco tempo um estudo interessante, em que era em portugal que haviam mais jovens (<30 anos) com carro próprio *novo*. Nos países frios vêem-se novos e velhos de bicicleta, com chuva ou neve... prioridades!
Näo me quero espraiar muito que o assunto tem pano para mangas. Mas o certo é que a distribuiçäo do rendimento em Portugal é uma Chi-quadrado com k=3 no máximo. Juntando a isto que a incidência da carga fiscal efectiva segue o mesmo caminho, näo há saída possível... mas se o eleitorado näo força a mudança, näo seräo os eleitos a mudar só porque lhes apetece, ora essa!
Eu sei que não é fácil, tenho família e o meu rendimento está abaixo do médio mas acima dos "atestados de pobreza" inventados por este governo para os transportes e saúde. Arrepio-me de pensar o que seria viver em Lisboa ou no Porto com este rendimento.
ResponderEliminarO mito dos "carrões", das férias de luxo e das "brutas casas" é das maiores falácias que existem.
Para começar, em termos de posse de carro Portugal está abaixo da média da UE15- os nórdicos andam imenso de bicicleta e transporte colectivo mas têm mais de 55% de posse de automóvel- só andam menos porque investiram em cidades cicláveis e transporte colectivo. Em Portugal experimentamos um fenómeno social que existe nos EUA, o chamado "car poverty", em que pessoas com baixos rendimentos dependem do carro porque não existem TCs nos locais onde conseguem obter casa/trabalho.
Por outro lado, a esmagadora maioria das pessoas, mesmo muita gente inteligente e bem intencionada que deveria saber ler dados (e o governo, já agora) convenceu-se de que este é um país que "vive acima das suas possibilidades" sem nunca lhes ter passado pela cabeça que quanto mais desigual for o país, mais Audis e hotéis de 5* irá ver na rua- o México é um país terceiro mundista com ainda mais carros de luxo per capita do que Portugal ou um país europeu.
É inacreditável que se ache que isso é sinal de que o país prevarica globalmente . Bastou-me fazer voluntariado nos bombeiros, andar de transportes colectivos e frequentar as reuniões de pais para saber que a realidade não tem nada a ver com as patranhas que se ouvem na televisão e alguns blogues.
Nuno, compreendo-te perfeitamente e concordo.
ResponderEliminarEm Portugal *toda a gente* depende do carro porque não existem TCs nos locais onde conseguem obter casa/trabalho, a näo ser nas grandes cidades...
Quando dizes que os nórdicos "só andam menos porque investiram em cidades cicláveis e transporte colectivo" queres dizer que os eleitores o exigiram. Em Portugal foram exigidas auto-estradas näo justificáveis, estádios de futebol, e o fim dos comboios. Por isso os nórdicos säo ricos. Näo há milagres.