Constará um dia, nas páginas da História, a crise financeira do início deste século, cujo desfecho desconhecemos ainda. Entre as perplexidades que as narrativas suscitarão (com clara primazia para a estratégia suicida de somar recessão à recessão, através de uma espiral absurda de austeridade), figurará muito provavelmente a análise do papel dos meios de comunicação social em todo o processo.
Entre muitos outros, um episódio a reter é a notícia ontem difundida pela SIC, segundo a qual Portugal deveria ter já nomeado um alto-comissário para preparar a aplicação do programa assinado com a troika. Hoje, a própria Comissão Europeia encarregou-se de desmentir essa peça noticiosa, assegurando que a mesma «não tem base credível». Como já se tornou regra, no ar fica a dúvida: de onde partiu então a informação? Que objectivos se pretendiam alcançar com a sua difusão? Porque não se cuidou de confirmar previamente, junto da Comissão Europeia, os dados fornecidos pelas misteriosas «fontes»?
Este é apenas um episódio. No momento em que a troika procedia a consultas junto dos partidos com representação parlamentar, dos parceiros sociais e de outros actores privilegiados, jornais, rádios e televisões - numa lógica de retroalimentação endogâmica - foram pródigos, dia após dia, em avançar com as medidas de austeridade que supostamente iriam constar do acordo com o governo português. No Câmara Corporativa, coligiram-se posteriormente muitas das primeiras páginas que diferentes jornais deram à estampa, na generalidade dos casos contendo parangonas infundadas acerca do que viriam a ser os termos do acordo austeritário. De novo, ficou por conhecer a origem das preciosas «fugas de informação», a credibilidade que mereceriam e os propósitos que perseguiam.
Mas um dos exemplos mais reveladores (e insólitos) quanto ao défice de rigor com que a comunicação social tem tratado, em inúmeros momentos, a questão da crise, consistiu no anúncio, pelo Jornal «i», de que o Mayday Lisboa seria recebido pelos representantes da troika. Viria posteriormente a saber-se que se tratava apenas de uma «falsa reunião», de uma simulação destinada a denunciar as situações de precariedade, trabalho ilegal e os falsos recibos verdes. Perante o anúncio do encontro, os órgãos de comunicação social que o difundiram dispensaram-se, claramente, de verificar a sua veracidade.
Estes episódios são contudo, e apenas, a espuma do problema. Sob eles repousa um magma muito mais denso e pernicioso: a manifesta colonização do espaço mediático pelos arautos da austeridade que, num coro uníssono e monolítico, procuram encobrir os verdadeiros estrangulamentos (e as verdadeiras raízes da recessão), com a inevitabilidade de cortes sociais e na despesa pública, geradores do aumento do desemprego e do fosso das desigualdades.
Da ampla discussão que os meios de comunicação deveriam fomentar, apenas ecoa a narrativa neoliberal, do Estado mínimo e das privatizações, da necessidade de percorrer o calvário dos sacrifícios, que promete amanhãs que nunca cantarão, como se torna cada vez mais evidente. Uma evidência que não resulta (com honrosas e muito pontuais excepções) de um debate plural, exigente e isento, no espaço mediático, sobre as alternativas que estão em jogo. Apenas porque a realidade se vai encarregando de a demonstrar duramente, no fracasso que a estratégia austeritária configura dia após dia. Porque enquanto isso, de facto, o campo da discussão continua a ser insidiosamente contaminado, através do uso indevido e subliminar de expressões-chave, como a designação de «ajuda» ao que é, efectivamente, um «empréstimo», concedido aliás a troco de generosas retribuições.
Bom post. Tudo se tornará mais fácil de compreender se percebermos que os «Media» são apenas um instrumento do Grande Dinheiro.
ResponderEliminarComo dizia o Eça, noutro contexto, sobre o poder da imprensa em 1880:
«…Mas o pior ainda na Alemanha é o hábil plano com que fortificam a sua prosperidade e garantem o luxo, tão hábil que tem um sabor de conspiração: na Alemanha, o judeu, lentamente, surdamente, tem-se apoderado das duas grandes forças sociais – a Bolsa e imprensa. Quase todas as grandes casas bancárias da Alemanha, quase todos os grandes jornais, estão na posse do semita. Assim, torna-se inatacável. De modo que não só expulsa o alemão das profissões liberais, o humilha com a sua opulência rutilante e o traz dependente pelo capital; mas, injúria suprema, pela voz dos seus jornais, ordena-lhe o que há-de fazer, o que há-de pensar, como se há-de governar e com que se há-de bater!»
Amigos Portugueses,
ResponderEliminarAqui no Brasil tmb há um seleto grupo que entende as ações de cunho nacional português que vcs apregoam neste blog.
Aqui, estes são chamados de "blogs sujos", exatamente pelo mesmo tipo de mídia; tão anti-brasileira e tão anti-social.
É estranho pensar (e possivelmente acreditar!) que parece existir um modus operandi c/ viés norte-americano nestas programações.
Achar que há uma ordem mundial talvez seja absurdo, mas um status quo parece não querer entender seu novo mundo.
Sugiro a vcs que acompanhem o Blog do Luis Nassif, excelente economista/ jornalista brasileiro.
Boa luta à vcs.
Considerem que existe um sem número de brasileiros que apoiaria seu "default", pelo bem maior de um povo feliz.
Abraços!,
Thiago Lourenço