quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Os neoliberais que tomaram conta das instituições europeias estão a pisar o risco

Segundo a Sic Notícias, «Os ministros das Finanças da União Europeia (UE), a Comissão Europeia (CE) e o Banco Central Europeu (BCE) saudaram esta quinta-feira as medidas de austeridade "ambiciosas" anunciadas na quarta-feira por Portugal, mas instaram o Governo a complementarem-nas com reformas estruturais adicionais. (...) nomeadamente [removendo] as rigidezes no mercado de trabalho».

Eu não ouvi as declarações. A confirmarem-se, elas são absolutamente lamentáveis e vão para lá de qualquer legitimidade de acção destas instituições.

Atribuir os problemas da competitividade da economia portuguesa às leis laborais é uma posição puramente ideológica - desafio qualquer adepto destas posições a fundamentar esta posição em resultados empíricos robustos. Os problemas de competitividade da economia portuguesa são variados, uns mais estruturais e antigos (baixas qualificações de dirigentes e trabalhadores, fraco investimento em I&D empresarial, padrão de especialização assente em sectores pouco intensivos em conhecimento e fortemente expostos à concorrência de países de baixos salários, posição periférica da economia portuguesa face aos mercados de consumo mais dinâmicos, para referir apenas alguns), outros mais recentes (a adesão da China e outras economias emergentes à OMC, a adesão dos países de Leste à UE - em ambos os casos, tratam-se de países cujo perfil de especialização se aproxima fortemente ao português -, o fortíssimo aumento do preço do petróleo e de outros bens em que a economia portuguesa é fortemente deficitária, a sobrevalorização do euro, o sobre-endividamento - principalmente privado - associado à forte descida das taxas de juro, etc.).

Face a isto, dizer que os problemas da competitividade portuguesa se resolvem com a desregulação do mercado de trabalho chega a ser ofensivo. Acharão os eurocratas que a oficialização da precariedade resolve a competitividade portuguesa? Ou que a pressão da ameaça permanente sobre os assalariados promove o desenvolvimento do capital humano? Ou que a redução dos custos de trabalho que a desregulação permite (tanto mais em condições de escassez de procura agregada) serão tão fortes que nos permitirão competir com a China? No imediato, os apelos à austeridade e ao corte dos salários - que andam a ser feitos em toda a Europa - só têm como efeitos o acentuar da recessão, o aumento do desemprego e o adiar de investimentos (públicos e privados) que poderiam revelar-se fundamentais para a competitividade dos países em causa.

Mas não só os eurocratas estão a exigir algo que não resolve os problemas estruturais e acentuam a crise em toda a Europa, como não têm qualquer legitimidade para o fazer. A legislação laboral, para o bem e para o mal, cai fora da alçada das competências comunitárias. Poder-se-ia dizer que Portugal atribuiu poderes à UE para se pronunciar sobre o tema no âmbito do método de coordenação aberta da Estratégia de Lisboa, mas nem isso é verdade: a Estratégia de Lisboa refere o objectivo de promover a flexibilidade para reduzir o dualismo no mercado de trabalho. Isto poderá dar legitimidade para a UE criticar as leis laborais portuguesas como contribuindo para as desigualdades sociais (o que muitos especialistas em direito do trabalho questionam), mas não autoriza a exigirem mudanças na legislação como condição para o restabelecimento da competitividade.

Esta Europa está a revelar-se cada vez mais um cavalo de Tróia da globalização neoliberal. Já vai sendo hora de fazer sentir às instituições de Bruxelas e Frankfurt que assim não vale a pena.

6 comentários:

  1. Como assim? Então andaram eles a serem preparados intelectualmente para fazerem o servicinho; andaram os seus mestres a ensinar-lhes as doutrinas, os seus patrões políticos a conquistarem os espaços para poderem actuar com elevada visibilidade pragmática e menor visibilidade mediática( para isso têm os bonecos que matraqueiam frases em nome do "interesse nacional",etc., e agora os rapazes, bem pagos e tudo, não faziam a sua parte? Que descabida acusação!

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  2. Ricardo,
    Se ainda não conheces, sugiro-te a leitura do novo livro do António Avelãs Nunes: «As voltas que o mundo dá… Reflexões a propósito das aventuras e desventuras do Estado Social» - publicado pelas Edições «Avante!».
    É muito esclarecedor.
    Abraço!

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  3. Este é um lamento que cai em saco roto.
    Não posso, porém deixar de manifestar a maior indignação pelo nivel de servidão em que estes( e anteriores governantes - basicamente, PS/PSD e CDS) colocaram o nosso país.
    A Europa assim não interessa a ninguém a não ser aos trafulhas de sempre(banqueiros, patrões miseráveis e outros da mesma laia).
    Esta Europa que se autoproclama grande defensora dos direitos das pessoas afinal e já não é de agora não é mais do que um ninho de lacraus e cobras venenosas sempre prontos a esmagar os cidadãos.
    Avisem os Turcos e quem quiser entrar para este ninho de cobras para se deixarem estar.
    Vale mais serem eles a mandar no seu país do que os "boches" e outros iguais.
    Está na hora dos abúlicos povos desta europa se erguerem e correrem com os vendidos que os têm governado.

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  4. Concordo interiamente com a lista dos problemas estruturais que afectam a competitividade que refere.
    Infelizmente, como a solução desses problemas no curto prazo é IMPOSSIVEL, não há como escapar a medidas de austeridade que ou será executada voluntariamente ou será imposta no contexto de uma "bancarrota".
    O melhor que se poderá fazer será: i) discutir e seleccionar as medidas de austeridade que tenham um efeito social e económico menos pernicioso que permitam solucionar o "défice" orçamental e externo, e ii)analisar quais as medidas estruturais e/ou de economia industrial que possam contribuir para solucionar o "défice" de competitividade.

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  5. O Ricardo Pais Mamede desculpe mas acho que se perdeu ou se esqueceu de alguma coisa entre o primeiro parágrafo e o último.

    É que no último diz assim (sublinhado meu):

    «ESTA EUROPA está a revelar-se cada vez mais um cavalo de Tróia da globalização neoliberal. Já vai sendo hora de fazer sentir ÀS INSTITUIÇÕES BRUXELAS E FRANKFURT que assim não vale a pena.»

    Mas no primeiro parágrafo (atenção ao meu sublinhado) referia: « segundo a Sic Notícias, «OS MINISTROS DAS da União Europeia (UE), a Comissão Europeia (CE) e o Banco Central Europeu (BCE) saudaram esta quinta-feira as medidas de austeridade "ambiciosas" anunciadas na quarta-feira por Portugal(...).

    OU SEJA, TEIXEIRA DOS SANTOS, em representação do governo português, ESTAVA LÁ !

    Quero eu dizer na minha que pode conduzir a graves entorses da verdade e a uma séria mistificação excluir os governos nacionais da lista daqueles a quem se deve dizer que «assim não vale a pena».

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