quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Sugestões realistas para a Europa

O(a) leitor(a) HY, num comentário ao post anterior, afirmava que «gostaria de ver a defesa de argumentos como os seus ser acompanhada de sugestões realistas sobre como tornar as vossas propostas em realidade». A questão é tão pertinente que justifica uma réplica em forma de post.

Receio, porém, que HY não vá gostar da minha resposta. As propostas que eu, o João Rodrigues e outros temos vindo a fazer são perfeitamente exequíveis e, creio, justificáveis, do ponto de vista técnico. No entanto, praticamente todas as medidas que defendemos só poderiam ser adoptadas, de acordo com os tratados, se houvesse consenso por parte dos Estados Membros da UE.

Isto constitui um entrave praticamente intransponível. A verdade é que o sistema vigente consegue garantir a concretização paulatina na UE do projecto neoliberal de sociedade: um sistema em que a lógica de mercado se expande a esferas cada vez mais amplas da vida em sociedade e o papel do Estado se limita a garantir as condições da expansão dessa lógica mercantil (com consequências negativas cada vez mais óbvias em termos de democracia e justiça social).

Com as disposições previstas nos tratados, basta que um pequeno número de governos da UE (por absurdo, basta mesmo um) seja controlado por defensores deste modelo de sociedade para que nada do que é relevante possa ser alterado. Como alguém dizia, os tratados aprovados desde Maastricht conseguem aquilo que o FMI nunca conseguiu com os seus programas de ajustamento estrutural: impôr as linhas directrizes do consenso de 'Washington' (liberalização, privatização, desregulamentação), blindando o regime com a cláusula da unanimidade nas decisões fulcrais.

Entendo, pois, que a social-democracia europeia (que esteve sempre representada em vários governos cruciais neste processo ao longo dos últimos 20 anos) cometeu um erro histórico ao aceitar os termos impostos pelos sectores conservadores para fazer avançar o processo de integração europeia, acreditando que mais cedo ou mais tarde seria possível ajustar as condições de integração num sentido mais progressista. (Na verdade, boa parte da social-democracia europeia rendeu-se à fantasia do mercado como solução para todos os males e não tinha ilusões sobre as implicações da arquitectura da UEM que ajudou a construir).

Neste contexto, não tenho sugestões que HY (e, imagino, muitos outros) considerem ‘realistas’ – presumo que se trate de reformas que possam ser postas em marcha nas condições políticas existentes na actualidade. No meu entendimento, a UE encontra-se num plano inclinado para um modelo neoliberal de sociedade. Só uma crise muito grave e duradoura, acompanhada de uma consciência das suas causas e das respostas necessárias – em que a participação de uma social-democracia profundamente refundada é indispensável – poderá inverter esta trajectória.

Este é um processo que durará sempre muitos anos, com resultados à partida imprevisíveis. Mas é o único cenário que considero realista.

17 comentários:

  1. Concluindo...
    ...estamos tramados!
    Temos de levar com a crise, e depois logo se vê.
    Infelizmente parece ser esse o destino das coisas.

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  2. Caro J. Rodrigues

    Acabo de o conhecer na TVI. Um conselho: A televisão não é um jornal ou blog. Ao rever-se deve ter percebido isso melhor que eu. Assim, os economistas de serviço não lhe dão hipóteses. Olhe para o ex-Cunhal do Pequeninos; não sabe muito de economia e lá vai vendendo...

    Quanto à questão deste seu post penso que tem a ver com um aspecto que referiu numa sua intervenção no referido programa; Uma moeda e uma política monetária para a Eurozona mas orçamentos ao nível de cada Estado se exceptuarmos o diminuto 1% através do qual passam a generalidade das políticas da Comunidade. Isto cria realmente um problema para a subsistência do Estado Social sobretudo em épocas de maior crise. Mas, a cartilha que enforma a UE não é a economia liberal? Qual coesão, qual solidariedade! 1% e, mesmo este, para o que se sabe! No meu fraco entendiemnto não vejo alternativa que não passe por uma opção política bem diferente, mas como com dezenas de diferentes realidades sociais e políticas que, face a um problema sério, poderão optar cada um por si? Gostava de saber o que pensa sobre a tal hipótese de uma pequena economia abandonar a moeda única. à primeira vista, se não fosse da noite para o dia e em absoluto segredo (como?)uma das consequências seria a fuga de capitais em escala nunca vista. E depois, como se travaria a queda dos salários reais? Talvez por isso há pessoas que se opuseram à entrado na CEE e depois ao tartado de Masstricht e não tocam na questão...

    L.G.

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  3. Caro Ricardo Paes Mamede,
    Pode explicitar quais são as vossas propostas para a integração económica?As neoliberais baseiam-se no teorema das vantagens comparativas e nas economias de escala do comércio livre(ou seja,uma viragem para as exportações).E como é possível para nós concorrer com empresas com um nível de produtividade e competitividade muito maior que as nossas,como o caso das empresas alemãs?Dantes,tínhamos a desvalorização cambial...

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  4. só um breve comentário,referia-me á integração económica Europeia,claro!

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  5. Caro Nuno,
    as nossas ideias e propostas sobre a integração europeia estão explanadas em pormenor neste artigo: http://iscte.pt/~rpme/RPM_JR_2009_Finisterra.pdf. Se tiver paciência para o ler, os seus comentários serão muito bem-vindos.

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  6. Caro Nuno,

    A resposta à sua pergunta foi dada por David Ricardo umas décadas depois de Adam Smith ter formulado a teoria das vantagens absolutas, veio com a teoria das vantagens relativas...

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  7. Caro Ricardo,
    Foi um prazer ler as vossas ideias sobre o processo de integração Europeia.Concordo com muitas delas,tal como seguir políticas mais Keynesianas com ênfase no emprego e não tanto a ortodoxia monetarista relacionada com a inflação!Realmente a economia sem regulação é um desastre!Fazem bem em lutar e continuar a divulgar as vossas ideias,é necessária uma viragem política e uma nova arquitectura económica Europeia.Estou de acordo com vocês quando falam em aprofundar a lógica federal e alargar o orçamento comunitário.Para o bem de todos nós,esperemos que a mudança esteja para breve

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  8. Caro Nuno,

    Isto é tudo muito bonito.. mas há limites para a política dita "Keynesiana". O que Keynes dizia era que no "steady state" a economia não garantia, necessariamente, emprego para toda a gente, logo o estado deveria intervir. O que eu, pessoalmente, tenho muitas dúvidas é que o próprio Keynes defendesse a via do emprego público ou movido pelo investimento público num país em que o estado já representa metade da economia e cuja dívida consolidada ultrapassa o PIB anual. Estas são condicionantes muito importantes para se fazer querer fazer um "copy paste" das políticas de Roosvelt nos EUA dos anos 30.

    Quer ver o que dá a preocupação do emprego sobre a inflação? esteja atento à Venezuela, aí vai ser notório, infelizmente, ou felizmente para os autores deste blog, os efeitos da criação de emprego pelo emprego e não de postos de trabalho realmente produtivos e reprodutivos, tem efeitos perversos de difícil detecção tácita, mas que se vão sentindo, e que (e este é o ridículo da coisa) se vai varrendo para debaixo do tapete sob o argumento que "foi culpa do neoliberalismo e da crise financeira", sugerindo como remédio o que, paradoxalmente, foi o veneno... Veja a política dita keynesiana do Eng. Guterres… no que resultou? Mais emprego.. é um facto.. mas deu origem a uma bolha imobiliária e a um “monstro” que consome recursos às famílias e às empresas, gerando agora, uns anos depois, desemprego e estagnação… e o pior de tudo, deixou um estado sem um tusto de poupança pelo que se vê obrigado ou a aumentar impostos ou a endividar-se. Não é que eu não concordasse que o ideal, na situação actual, fosse uma política keynesiana, mas o óptimo é inimigo do bom, e o estado das coisas não o permite… infelizmente defendo que o uso de “morfina” só causará mais dor no futuro do que a suportar no presente.

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  9. Caro Bruno,
    O investimento público é estratégico.Não é verdade que a população em geral benefecia de melhores estradas,melhor transportes ferroviários(TGV),etc?Se além destes aspectos contribuir para aumentar a procura agregada,melhor,a economia sai da recessão.Eu defendo uma social democracia como os Países Nórdicos construiram,com bons serviços públicos e um acesso generalizado da população ao ensino e saúde públicos.Dou valor aos Ladrões porque têm princípios,,e não necessitaram da crise do subprime e da recessão para defender os valores de mercados regulados.Parece que o neoliberalismo saiu da moda,não é?Mas eu já fiz Macroeconomia há muitos anos,mas recordo-lhe o nome do Prémio Nobel Paul Krugman como sendo um Keynesiano.E recordo-me dum artigo do Paul Samuelson nos anos 90 em que ele comentava que provávelmente era um dos últimos a continuar a acreditar em Keynes,quando estava na moda o monetarismo.Quanto á Venezuela de Hugo Chavez,é um líder com tiques de ditador,não será própriamente um exemplo de líder democrático.

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  10. Em melhores estradas e infra-estruturas temos vindo nós a investir nos últimos 30 anos.. CHEGA!! não temos competitividade para mais! Criar infra-estruturas e consumo interno (pela via pública) sem reanimar a indústria e a agricultura só vai gerar mais consumo, o que à primeira vista é bom, mas terá, como tem, uma forte componente de importação. A meu ver, dadas as particularidade da economia portuguesa, promover o crescimento não tendo como prioridade o sector primário e secundário, poderá restabelecer no curto prazo o nível de vida mas, paralelamente, acelerará a "sangria" de massa monetária do território nacional, levando o país a endividar-se cada vez mais.

    Posto isto, só vejo duas soluções para reanimar a indústria portuguesa:

    a) Médio/longo prazo

    Maior formação em ciência e tecnologia focada prioritariamente em dois ou três "clusters" estratégicos, p.e. energias renováveis, nanotecnologia, biotecnologia, materiais compósitos... whatever (não me cabe a mim decidir)..

    Isto implicaria uma reafectação dos fundos que hoje, estupidamente, continuam alocados a cursos lotados a cursos/centros de excelência focados nesse tipo de áreas de vanguarda. Penso que isto seja unânime...

    b) Curto Prazo

    No curto prazo, que é urgente, gostaria que me indicassem a via mais eficaz de atrair investimento produtivo do que a competitividade fiscal.. Taxas de IRC e de TSU mais baixas têm impactos directos, e relevantes, nos VAL dos planos de negócio das multinacionais. Sendo que as multinacionais fazem análises comparativas para decidir onde investir, isto poderia trazer vantagens a Portugal no confronto com outros países (tipo a Polónia ou a Hungria) incrementando o número de investimentos cá realizados.

    A minha solução: cortar drasticamente com investimentos que ok, aumentam o bem estar, mas ENDIVIDAM-NOS ainda mais, para colocar a taxa de IRC num nível competitivo, p.e. 15%. Adicionalmente poder-se-ia aumentar o IRS provisoriamente ou até o IVA (apenas defendo isto se for com este objectivo). Quanto à TSU, esta deveria progressivamente levada para um equilíbrio entre funcionário e empregador, tipo 15%/15% e não os actuais 11%/23,75%, não faz sentido que o empregador pague mais do dobro para a segurança social de um individuo do que ele próprio e, o mais caricato, é que nem sequer é considerado rendimento bruto, só quem a paga é que se lembra dela... mais.. paga com a justificação de ser uma compensação em caso de despedimento mas, depois para despedir, é um 31 do caraças e custa salário e meio ao ano, ou mais dependendo dos CC… enfim..

    Voltando ao raciocínio… Esta política diminuiria o nosso poder de compra (sugiro que haja condições especiais para quem tem rendimentos mais baixos) mas pergunto, o que merece um país que constantemente gasta mais do que produz? em boa verdade não é isso?

    Esta política dinamizaria a indústria e, a seu tempo, a economia, fazendo com que PT convergisse. Enquanto andarmos a financiar aumentos do "bem estar" com dívida... é fácil perceber onde vamos parar...

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  11. Dois outros pontos:

    1) Não confunda Keynes com o Keynesianismo.. não é de todo a mesma coisa.. p.e. Milton Friedman tinha uma admiração enorme por Keynes...

    2) Não estava, de todo, a comparar os ladrões com o Chavez, apenas a evidenciar a Venezuela como um "laboratório" para se verificar, num nível extremo, os efeitos no emprego numa política focada no emprego a todo o custo... com a desvalorização da moeda para financiar o estado, vamos lá ver no que vai dar. O que acho é que uma dose mais moderada do mesmo remédio traz, embora mais moderadamente, o mesmo efeito. só que oculto...(tirando algumas excepções, que como tenho vindo a dizer, não penso que nesta altura sejamos uma delas)

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  12. Este debate entre monetaristas e Keynesianos está para durar.Até no plano moral lembro-lhe que Robert Nozick escreveu o "Anarquia,Estado e utopia" em resposta a uma "Teoria da justiça"de John Rawls,em que este defendia a função redistributiva do Estado.Para Nozick o Estado devia ser mínimo,únicamente para defender os cidadão de qualquer tipo de ameaça ou para fazer cumprir os contratos.Segundo Nozick,o Estado não deveria ter uma função redistributiva.O que eu critico é a teologia do mercado,como Friedman e Hayek tão bem promoveram.Deve haver um espaço público até para a cidadania e a solidariedade também deve ser um valor,não só a competição entre os indivíduos.Quanto ao problema da tributação fiscal,realmente os indivíduos e empresas respondem aos incentivos,mas tem que haver um equilíbrio no sistema fiscal.Não devem ser os trabalhadores por conta de outrem e o consumo(IVA) a suportarem toda a carga fiscal.Porque não mais impostos para a Banca,já que para a salvar foram precisos milhões de €€?Não está em causa a economia de mercado,mas sim políticas económicas mais enquadradas

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  13. Caro Nuno,

    Eu não partilho da visão extrema de Nozick nem tenho nenhuma objecção à banca pagar o mesmo IRC das restantes empresas.

    Mas tal como você admiro as lógicas nórdicas, e é por isso que a minha "utopia" pessoal é a seguinte: a solidariedade "coerciva", infelizmente indispensável, deve acontecer no plano social, na taxação dos impostos singulares (relembro que se você tiver uma empresa, paga IRC sobre os lucros e IRS sobre os dividendos daí resultantes, portanto existe uma dupla tributação da remuneração do capital), ou seja, defendo uma sociedade solidária (coerciva ou genuinamente) MAS um mercado competitivo e dinâmico. Os nórdicos perceberam isso, nós, que não lhes chegamos aos calcanhares em termos de "Capital Humano", andamos à procura não só de uma sociedade, mas também de um mercado "solidário"... o que traz ineficácias mortíferas.. as pessoas investem para ganhar dinheiro e trabalham para ganhar dinheiro, o que fazem posteriormente com ele, na sua vivência social, é outra coisa. A economia é feita de pessoas, e portanto necessita olhar para a sociologia e para a psicologia, e a verdade é que é facilmente perceptível o resultado da quebra de estímulos (mesmo que egoístas). Imagine uma mesa de poker em que o "croupier" está constantemente a realizar uma "redistribuição" mais ou menos intensa das fichas... a certa altura as pessoas põe-se a pé e vão se embora. Apesar de ser um exemplo simplista, é psicologia humana e aplicável ao mercado. Deixem o mercado ser dinâmico! o resto resolve-se em sociedade (que transcende o universo do mercado). O mercado é competitivo e ponto final, um mercado solidário é pura utopia.. inalcançável para a natureza humana! Atenção que quando digo dinâmico não estou a obstar certas regulações e balizas à actuação do mesmo (p.e. ao nível do consumo de recursos naturais, certificações, etc…)

    Eu deixo uma simples pergunta.. se, aparentemente o sistema está desenhado para beneficiar o "capital", os "patrões", então qual o motivo de cada vez haver menos? Qual o motivo do investimento estar a cair em flecha mesmo antes do inicio da crise financeira?

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  14. Caro Bruno,
    Dei o exemplo do Nozick devido á sua filosofia libertária(devia ter menvcionado isso!),e penso que o seu pensamento ainda está actual.Senão pense-se em países como a Venezuela do Hugo Chavez,um exemplo donde filosofias igualitaristas impõem á população sectores estatais de produção muito mais ineficientes que a lógica dos mercados

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  15. Estou perfeitamente de acordo com JR.
    No actual estado de coisas, eu diria ainda que dada a matriz claramente neoliberal( e consequentemente miserável...) impressa no tratado de Lisboa, este constitui um claro atentado á liberdade politica dos países da UE.
    Pensem só no que aconteceria se um qualquer partido dos autodenominados partidos socialistas( como o PS) quizessem de facto (já se sabe que não querem...) mas se quizessem, levar a cabo politicas verdadeiramente socialistas.!!!!??
    Pura e simplesmente não o podiam fazer.
    A matriz conservadora e neoliberal e portanto ideológicamente reacionária do tratado não o permite.
    O tratado de Lisboa( e seus apêndices que, aliás, ninguém poucos sabem quantos e quais são eles, tanta e tão grande é a confusão do seu texto (propositada claro...), é e será sempre um grande obstáculo senão impedimento a politicas contrárias á sua matriz.
    A UE não é mais do que( e cada vez mais á semelhança dos EUA )um campo de rapina das multinacionais. Tudo, claro, devidamente pago e com ordem dos governos seus grandes e leais servidores.

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  16. Já cá faltava o tratado de Lisboa "e a sua matriz claramente neoliberal...". tenho más notícias para o anónimo que afirmou semelhante coisa. O TL não é mais liberal do que os tratados anteriores. Pelo contrário, põe mais a tónica nos aspectos sociais da construção europeia do que os anteriores tratados (provavelmente o anónimo nunca se deu conta que sem Lisboa continuaria a aplicar-se Nice...). E não constitui "... um claro atentado á liberdade politica dos países da UE", uma vez que foram estes -todos os 27 - que o negociaram e aprovaram. O problema das "verdadeiras" políticas socialistas com que o anónimo sonha, não é o TL: é que nenhum partido ganharia as eleições se propusesse as tais políticas "verdadeiramente socialistas" aos eleitores...mas suponho que para o anónimo isso é apenas um pequeno pormenor. Porque ele é que sabe... (se precisar de saber alguma coisa sobre algum apêndice do TL não hesite em perguntar. verá que não é assim tão difícil como isso).

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  17. Caro RPM,

    Obrigado pela atenção que demonstrou pelo meu comentário. De facto, a minha inquietação é verdadeira. Tendo a concordar com algumas das suas propostas, mas o modo como acaba por concluir que não é possível, porque era preciso unanimidade na UE, desconsola-me; Bem vistas as coisas, parece-me que o RPM e os seus amigos se resignam um pouco a fazer de Medina Carreira de sentido oposto: sabem quais são as boas soluções para os nossos problemas, mas como não são (suficientemente) ouvidos, acham que estamos tramados pois nada será feito enquanto isto não estourar...

    Ora, se me permite, o problema nem sequer é a UE. Mesmo que as vossas propostas fossem exequíveis apenas em Portugal, para serem postas em prática, ainda seria precisa uma maioria política que as seguisse; E mesmo que na UE não vigorasse a unanimidade, ainda teriam que conquistar a maioria. Ora, a vossa atitude parece-me não poder levar a que isso suceda.

    Pessoalmente, concordo com a ideia de que não devíamos continuar a exigir unanimidade na UE. Mas, como sabe, há Estados que não abdicam de tal princípio e, apesar de já se ter conseguido progressos notáveis em termos de prescindir da unanimidade (sobretudo com o tratado de Lisboa), ela continua ainda a ser exigida em algumas áreas fulcrais. Mais ainda, em algumas das áreas nas quais vocês propõem medidas, a UE nem sequer tem competência. Portanto, como é típico das relações internacionais, nada poderia ser acordado sem ser por unanimidade, com UE ou sem UE...

    Por isso, há que ir ao combate político de um modo adequado para reunir simpatias, alargar a base de apoio e, eventualmente, conseguir mudar a situação. Mas, para tal, não podemos continuar sempre a dizer, nós sabemos quais são as boas soluções, mas a maioria não quer, estamos lixados.

    Talvez seja preciso perceber onde devemos ser firmes e onde podemos, também nós, aceitar compromissos com os que pensam diferentemente. Talvez seja preciso jogar o jogo institucional, por ex, parando de dizer que o Tratado de Lisboa é um desastre e é culpado de todos os nossos males (não digo que o RPM o faz, mas do lado dos seus amigos é frequente tal argumentação) e explorando positivamente os enormes progressos que ele traz em matéria de democracia do processo de decisão na UE (mais maioria qualificada, mais poder do PE, etc), de cooperações reforçadas, de mais flexibilidade....

    Repito a este propósito o ex que lhe dei: não é verdade que muitas das medidas que preconiza só sejam possíveis se os 27 estiverem de acordo.

    Primeiro, os 27 não participam todos no euro. Segundo, o TL facilita o lançamento de cooperações reforçadas; terceiro, permite que num interior de uma cooperação reforçada, os participantes decidam por maioria reforçada. Há tantas cabeças ilustres a dizer que não podemos ter uma UE com moeda única sem governo económico comum.... o que impede os membros do euro de avançarem nesse sentido? Seguramente não é o TL.

    O problema é que, frequentemente, os defensores de teses alternativas se fecham num "gueto" de pureza ideológica e comprazem-se em denunciar os males do mundo injusto sem tentar procurar meios efectivos de ele ser menos injusto. Afinal, após anos e anos de luta por fazer reconhecer a necessidade de abordar o princípio de uma taxa "Tobin" na Europa, quando se tornou possível ter no PE uma maioria favorável a lançar a análise sobre a sua praticabilidade, foram os eleitos da extrema-esquerda francesa quem votou contra e derrotou a proposta... Não fossem as coisas melhorar e o pessoal perder a vontade de fazer a revolução...

    Era esse o sentido da minha pergunta: como fazer para que as vossas propostas se possam tornar exequíveis? Analisar o mundo não chega, é preciso transformá-lo...

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