sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Complexo Académico-Empresarial?


Em 1961 no seu discurso de despedida da presidência norte-americana, o republicano Dwight D. Eisenhower, surpreendeu os americanos com o seu alerta relativamente aos perigos do predomínio político dos interesses do que designou por “complexo industrial-militar”. Nesse mesmo discurso disse também:

… a universidade livre que historicamente é a fonte de ideias livres e de descobertas científicas, experimentou uma revolução na conduta da investigação. Devido em parte aos enormes custos envolvidos, aceder a um contrato de financiamento com o estado transformou-se praticamente num substituto da curiosidade intelectual…
A perspectiva de dominação dos académicos da nação pela administração publica, por critérios de afectação de projectos e pelo poder do dinheiro está sempre presente e deve ser encarada com preocupação.
[Tradução minha com sublinhados acrescentados]

De 1961 para cá deu-se outra revolução: o estado foi paulatinamente sendo substituído pelas empresas e o “mercado” no financiamento das universidades. Experimente-se substituir no discurso de Eisenhower as palavras “o estado” por “a industria” no primeiro paragrafo e as frases “administração publica”, por “interesses comerciais”, no segundo, e veja-se o que resulta. As mesmas, se não mais, razões para preocupação.

É por isso mesmo que cada vez se vai falando mais de um “complexo académico-militar”, sobretudo nos EUA, onde o processo de dominação da universidade por interesses comerciais se encontra mais adiantado .

Entre nós vamos falando de colaboração Universidade-Empresa. Nada contra, antes pelo contrário. Colaboração Universidade-Empresa pode não ser o mesmo do que dominação dos académicos pelos interesses comerciais desde que existam condições institucionais que permitam sustentar e reproduzir o ethos da ciência na academia. Que permitam à universidade ser “fonte de ideias livres e de descobertas científicas”. Será que estas condições têm vindo a ser reforçadas, ou antes pelo contrário?

6 comentários:

  1. Muito bem.
    Concordo que a universidade não pode ser dominada por interesses empresariais. Em Portugal ainda não é esse o caso. Mas a tendência é essa, em especial com novas formas organizacionais como as Fundações.

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  2. Concordando com a lógica teórica do seu post, gostaria de colocar uma pergunta sobre a aplicabilidade prática dessa mesma lógica:

    Os recursos são escassos, e cada euro tirado às famílias e às empresas é um euro que lhes diminui a capacidade de consumo e de investimento, podendo ter impactos no emprego, faz sentido?

    Logo, o ideal é que o estado os gaste de forma a que sirvam os interesses da população de uma forma mais "útil", em termos económicos e sociais, por forma a aumentar o seu bem estar geral, certo?

    Logo, se quer anular, ou pelo menos minimizar, o escrutínio financeiro que o estado, em nome das pessoas, faz à utilização dos dinheiros que seguem para as universidades, que sistema ou entidade pensa que deverá controlar/supervisionar o bom uso dos dinheiros públicos (a maximização da satisfação)? Ou acha que os professores e investigadores universitários são seres sobre-humanos, alheios aos interesses próprios, cujo critério individual é suficiente para garantir os interesses dos contribuintes?

    Desculpe-me, mas se um investigador tem uma fixação individual em estudar o acasalamento dos mosquitos da amazónia, eu como contribuinte devo ter o direito de não o financiar e esperar que o meu governo não o faça. Assim como devo ter o direito de não querer pagar as viagens a palestras internacionais, ou as horas em estudos e debates, que podem servir muito bem o conteúdo de blogs privados, de livros publicados de forma privada, mas que não compensam em nada, ou muito residualmente, os interesses económicos ou sociais do país. Acabando por servir mais os interesses e curiosidades individuais de um determinado "investigador", que apenas por ter o rótulo de "investigador" deverá ter carta-branca para estourar, a seu bel-prazer ou bel-critério, o dinheiro dos contribuintes.

    Não estou a criticar o investimento em investigação pública, nem a busca do conhecimento pelo conhecimento e não por um qualquer outro benefício, mas não me venham dizer que não deve haver escrutínio atento de como os investigadores trabalham e gastam o nosso dinheiro, nem a canalização a maioria dos fundos públicos para áreas consideradas estratégicas e prioritárias.

    Quanto ao financiamento privado de investigação, acho que ninguém tem nada a ver com isso! Só defendo que os resultados, sobretudo aqueles que "certificão" a qualidade de um produto (p.e. os efeitos na saúde de determinado composto) devém ser sempre acompanhados dos financiadores para as pessoas poderem avaliar os resultados sabendo se há o risco de serem enviesados ou não. Agora, se uma empresa paga a uma universidade para desenvolver um novo material ou algo do género, apenas tenho a dizer: FORÇA!! FAÇAM-NO MAIS VEZES!!!

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  3. Caro Alberto Pires. É exactamente porque acho que deve haver escrutínio público e deliberação pública sobre o investimento social na ciência que receio a dependência da academia relativamente a interesses empresariais. Nesse caso não há escrutínio público, há prestação de serviços. Ninguém tem nada a ver com isso? E se em vez de um inocente novo material, o serviço prestado forem métodos de condicionamento da mente ao serviço do marketing empresarial ou da gestão de recursos humanos, ou “provas” das propriedades curativas de um novo medicamento que nem sequer foi testado, ou inovadores produtos financeiros? E se tudo isso for feito em segredo, sem artigos publicados e sem discussão entre os pares. É claro que há sempre a ética do cientista (e também a das empresas) para impedir que a realidade não se torne pior que a ficção. Mas quando os contratos com a industria se tornam condições de sobrevivência…

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  4. A universidade pública deve sempre ter uma relação forte com a comunidade. Em Portugal isso não aconteceu. Por exemplo, em Espanha foi essa relação forte entre universidade e a comunidade envolvente que levou a amplos protestos contra a privatização da universidade quando o Zapatero quis levar a cabo uma reforma semelhante ao nosso novo Regime Jurídico.

    E essa relação foi conseguida porque havia uma real abertura,

    O que é bastante diferente do processo de privatização que tem vindo a seguir sob a capa de abertura à sociedade cívil... É claro que o financiamento público é fundamental para a independência dos programas e da investigação.

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  5. Não conhecia essa citação. Fantástica.

    Do meu ponto de vista o Eisenhower tem todo o sentido, e ganha ainda mais razão quando nos referimos ao financiamento privado.

    Penso que o grosso do financiamento das instituições deve ser estatal, não com base em projectos de investigação (em que a sua aprovação ou não está intimamente ligada ao que está na moda), mas sim, as instituições funcionarem com base num financiamento constante que varie com a qualidade da investigação aí produzida.

    O financiamento privado, pode obviamente existir, mas deve ser totalmente acessório para o funcionamento das instituições. Só assim, os seus riscos podem ser minorados e os benefícios maximizados.

    Os investigadores devem ser pagos para investigar. Seja isso no acasalamento de moscas na Amazónia ou num medicamento XPTO para uma doença grave. É de todo o interesse do um estado ter uma comunidade cientifica e uma comunidade cientifica não ser forma só com cientistas a investigações aplicadas. Todos os benefícios que se imaginam numa sociedade baseada no conhecimento, viram com o tempo e com a criação de uma comunidade cientifica forte e independente.

    Não resisto a uma provocação, ao Alberto Pires: como contribuinte, pagaria o ordenado a um investigador durante 5 anos sem que ele produzisse qualquer valor nesse espaço de tempo? Se a resposta for não, poderia estar a perder a teoria da relatividade.

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